Para Francisco Calheiros há que decidir a localização do novo futuro aeroporto e independentemente da sua localização defende que o Montijo deve ser usado como solução para não recusar mais voos e até à nova infraestrutura estar pronta, que, no melhor dos cenários, demorará, pelo menos, quatro a cinco anos. No entanto, como entende que a decisão vai ser política diz apenas ‘que se decida’. O presidente da CTP dá ainda cartão vermelho às vozes críticas em torno da Jornada Mundial da Juventude por considerar que pode ser um dos melhores cartões de visita para o turismo. Já como parceiro social lamenta a instabilidade do Governo e que o setor seja usado como bode expiatório para o problema da habitação.
Como está o setor do turismo? Já é possível suspirar de alívio?
Depois de termos uma década a bater sempre recordes uns atrás dos outros e de conseguimos permanentemente ter o melhor ano turístico de sempre veio a pandemia e o setor do turismo foi o mais atingido de todos. Porquê? Porque o turismo implica deslocação e a covid implica exatamente o contrário: não haver deslocações e de as pessoas ficarem em casa, razão pela qual, ter sido de longe o setor mais atingido. Estamos a falar de uma queda de 60%, em 2020 e de mais de 45% em 2021. Nessa altura, todos apostaram quando é que iríamos assistir à recuperação e quando iríamos ter um ano igual a 2019. As opiniões dividiam-se, uns diziam 2023, outros 2024, ou até mesmo, 2025. No entanto, conseguimos em 2022, isto é, no ano a seguir à pandemia – e que ainda foi afetado no primeiro trimestre – atingir os resultados de 2019, o que é extraordinário. Costumo dizer que 2022 é o ano do sorriso, em que de cabisbaixo passámos a ter o nosso sorriso. Penso que fomos o único país da Europa que conseguiu recuperar números iguais aos de 2019. Mas da mesma maneira que 2022 foi o ano do sorriso, não me esqueço do ano de profunda tristeza que foi 2020 e 2021. A boa notícia é que em 2022 chegámos aos números de 2019, a má notícia é que ainda não chega, precisamos de mais anos como este para que as empresas recuperem a sua situação patrimonial e os seus balanços.
Foram dois anos de perdas, mesmo com apoios…
Houve apoios importantes, nomeadamente a questão do apoio à retoma e do layoff, como também foi importante o Apoiar.pt. Mas as empresas, tal como as famílias, têm uma série de despesas que estando ou não paradas têm de assumir. Existiam rendas, eletricidade, comunicações, internet, escritórios de advogados, etc. que tiveram de ser pagos e foram anos de grande prejuízo. Daí dizer que precisamos de mais anos como o de 2022.
Disse que havia uns mais pessimistas e outros mais otimistas. Estava de que lado?
Embora seja um bocadinho otimista tinha grande fé que, logo em 2023, recuperássemos os números de 2019. Tenho de ser sincero, nunca esperei que, em 2022, atingíssemos estes números. Foi de facto extraordinário, até porque o primeiro trimestre não foi nada famoso. A recuperação foi feita nestes três últimos trimestres do ano passado e foi extraordinária.
Mas aí também os turistas portugueses tiveram o seu peso na recuperação do setor…
Os turistas portugueses são sempre importantes. Temos de ter a noção que da taxa de 100% de dormidas, cerca de 30% são de portugueses. Os turistas nacionais tiveram um aumento de quase mais de 9% de dormidas em relação a 2019, enquanto os estrangeiros fizeram menos 5%. Isto é, houve um contributo muito grande dos portugueses para os números de 2022.
Chegou a dizer que o turismo estava a viver um dos piores momentos da história. Já virámos a página e o destino de Portugal continua a dar cartas?
Fiz muito esse discurso com o Governo durante os dois anos de pandemia, apelando que era fundamental que se mantivesse a oferta intacta, se não ajudássemos as companhias aéreas, as agências de viagens, a hotelaria, a restauração e os rent-a-cars quando isto virasse e virou – não sabíamos era quando – por mais que existisse procura, as pessoas não poderiam vir para cá se não tivessem voos ou se não tivessem hotéis para ficar. De alguma maneira, conseguiu-se manter essa oferta intacta.
Antes da pandemia havia muitos projetos de unidades hoteleiras que pretendiam abrir portas, mas que ficaram num impasse…
Entre decidirmos que vamos abrir um hotel e abrir realmente as portas demora anos e anos e o que aconteceu é que, naquela altura, algumas pessoas adiaram os seus projetos de investimento, enquanto outros começaram a tratar mais da parte administrativa. Esses projetos foram andando, tanto que temos anúncios de que este ano vão abrir dezenas de hotéis novos. Esse período deu para acelerar um bocadinho esses aspetos burocráticos.
Portugal tem necessidade de abrir estas dezenas de hotéis?
Se estamos a ter aumento de procura – e já tínhamos tido durante dez anos antes da pandemia – então a oferta também tem de se adequar. É normal que isso aconteça. Em tempos houve um grande investimento em resorts, depois em hotéis de cidade, mais tarde em hotéis design e hotéis temáticos. Isto revela que vamos adaptando a nossa oferta à procura que ela exige.
Agora qual é a tendência da moda?
Acho que a tendência da moda é as pessoas quererem vir depois destes dois anos de pandemia. Vi um estudo que apontava para algumas alterações de hábitos das pessoas e que eram basicamente três: mais poupança, mais investimento em saúde e mais investimento em lazer. Ou seja, aquela viagem que estamos sempre a pensar ‘temos de ir não sei aonde’ agora querem fazer porque pensam que de um momento para outro volta tudo a fechar e não se pode ir para lado nenhum.
E o projeto volta a ser adiado…
E o projeto volta a ser adiado. Quantas viagens em 2020 ficaram adiadas? Mas uma coisa que sabemos é que a indústria do turismo é a que mais tem subido. Por exemplo, quando perguntam a quem ganha um prémio o que é que vai fazer com esse valor, a primeira coisa que dizem é viajar e acho que isso vai continuar a acontecer. O nosso turismo tem diversas formas, desde o turismo de negócios, passando pelo lazer, eventos, golfe, turismo cultural até ao turismo religioso. Aliás, não podemos deixar de falar dele este ano. Há muita oferta e o país tem condições naturais tão boas que vamos continuar nesta senda de crescimento, independentemente de questões que vão acontecendo todos os anos. Não gosto de me pôr a adivinhar, mas gostaria que 2023 fosse, pelo menos igual, ao de 2022, o que já seria uma ótima notícia. Está a começar bem, porque estamos a comparar com o primeiro trimestre de 2022 que foi fraco e ainda estávamos em efeito de pandemia. Também o movimento dos aeroportos em janeiro cresceu imenso versus 2019, logo vamos ter um arranque muito bom, agora não nos podemos esquecer que estamos perante esta guerra inacreditável, que tem consequências que afetam a disponibilidade das pessoas e isso já se reflete, por exemplo, no aumento dos preços da energia, dos combustíveis e na diminuição do rendimento disponível via a inflação e o aumento das taxas de juros. No entanto, não conseguimos vislumbrar como é que esta diminuição do poder de compra dos nossos clientes, sejam eles portugueses, ingleses, alemães, etc., vai impactar nas viagens. Temos esperança, pelos indicadores que temos tido, que vamos conseguir repetir, pelo menos, o ano de 2022.
Em 2022 ainda havia poupanças porque estava tudo fechado. Mas com o aumento do custo de vida esse mealheiro foi desaparecendo…
Por isso é que questiono como é que isso vai impactar na diminuição do rendimento disponível das famílias e que folga é que irá haver para fazer viagens.
Mas já estamos quase em vésperas de um balão de oxigénio, primeiro com a Páscoa, depois com o verão e este ano com a Jornada Mundial da Juventude…
Sou grande apoiante dos grandes eventos, porque ficam para depois. Quando ouvimos que vamos ter mais de um milhão de jovens em agosto em Portugal, a cobertura mediática que vai ter vai ser uma verdadeira loucura. Vamos ter um Papa e já sabemos que quando abrimos a televisão vamos ver o Papa a chegar, a dar missa, etc. E Portugal tem todas as condições para realizar esse evento. Em agosto, as pessoas vão ter um ótimo clima, a nossa gastronomia é extraordinária e temos algo que os outros não têm que é o facto de os portugueses receberem como ninguém. Não tenho dúvida nenhuma que a cobertura mundial irá ser gigantesca e isso é um grande cartão de visita. Vamos também ter, pelo menos, mais de um milhão de consumidores, já que muitos podem vir com a família e mesmo quem venha sem família chega a casa e diz ‘gostei imenso de Portugal’ e as famílias pensam vamos lá. Um grande evento é normalmente uma grande montra.
Há quem compare com a Expo 98…
Passaram-se 25 anos, mas também foi uma grande montra, foi um evento extraordinário. Os eventos são sempre uma âncora importante e Portugal está no top 10 de países que tem mais eventos no mundo.
E a Jornada Mundial da Juventude vai encher uma cidade que, por norma, nessa altura do ano está mais vazia…
É uma altura, em que muitos estrangeiros optam por destinos de sol e mar, por turismo rural, etc. e para os portugueses é um mês por excelência das suas férias. Não podia calhar em melhor altura.
Como vê as polémicas em torno da sua organização?
Gostamos muito de criticar tudo e todos. Gosto sempre de ver as coisas pelo aspeto mais positivo. Custe o palco um milhão ou dois ou três milhões, que venham os jovens dormir em gimnodesportivos, mas depois não comem todo o dia? Vamos ser claros: um milhão de pessoas numa cidade representa um consumo enorme, vão fazer compras e vão a espetáculos. Não tenho dúvida nenhuma que um evento desta magnitude e sobretudo com a cobertura da comunicação social vai representar um investimento que vale a pena. No entanto, preferimos estar mais preocupados se o altar custou um milhão ou cinco milhões. Para ser sincero, não é esse o ponto, mesmo não sabendo o que está a ser acordado entre o Governo, a Câmara de Lisboa e o Patriarcado. O que critico é que a notícia seja o altar e não que seja que em agosto, numa altura, em que a cidade está talvez com menos população e quando temos um milhão de novos consumidores que vêm conhecer Portugal e vão falar sobre o país, assim como a comunicação social. Temos de ver isto pelo lado positivo.
Outro problema que o setor enfrenta é a falta de mão-de-obra…
Houve um desajustamento em 2021 e 2022, porque as pessoas como não tinham onde trabalhar no turismo procuraram outras profissões e o turismo vai ter claramente de recuperar essas pessoas ou outras. E quando se fala de salários, o que impera é a lei da oferta e da procura. Se houve setor que, em 2022, mais aumentou os salários foi o turismo e agrada-me muito quando leio que o maior grupo hoteleiro português que emprega muitos milhares de pessoas vai ter como salário mínimo mil euros. Não tenho dúvida nenhuma que os nossos agentes económicos se vão adaptar e que vamos ter essa mão-de-obra. Começámos a sentir o problema da falta de mão-de-obra, em 2019, devido ao crescimento da atividade, mas com a pandemia esse problema desapareceu, agora a falta de mão-de-obra é sentida não é só no turismo mas em todos os outros setores e também é um problema que se verifica na Europa. Não vale a pena pensar que é com a nossa população que o vamos resolver, só é possível com a imigração. Ora, temos a sorte de fazer parte de uma comunidade que é a CPLP, onde existem umas centenas de milhões de pessoas a falar português e a solução terá que passar por aí. Mas vamos ser claros: precisamos desses imigrantes, mas eles também precisam de nós. Mas para esse problema ser resolvido tem de passar por vários aspetos, desde os consulares, aos serviços de estrangeiros e fronteiras, como também passa por uma ajuda, por exemplo, na questão da habitação. E conhecemos bem isso. Fomos um país de emigração durante dezenas de anos, agora acontece o oposto. Vejo a imigração como um aspeto positivo, porque quer dizer que estamos numa situação em que as pessoas de outros países querem vir para cá para terem melhores condições de vida. Sabemos bem o que é uma política de imigração e, nesse sentido, temos de apoiar essas pessoas.
É preciso que haja uma maior agilização…
É preciso um plano para que essas pessoas possam vir e quando chegarem sejam acolhidas, porque em relação à formação, as empresas trabalham nisso. Não há problema nenhum, o que é preciso é quando entram nas nossas empresas tenham soluções para as suas vidas para poderem vir trabalhar.
Com o turismo a voltar a crescer voltam a surgir vozes a dizer que há turismo a mais…
A frase não é minha, é de alguém do Governo, mas não sei o que é turismo a mais para ser sincero. Deverá ter havido duas ou três cidades no mundo inteiro que sofreram com a situação de turistas a mais, mas a verdade é que temos de nos ir adaptando ao turismo, porque tem sido o motor da economia. Todos elogiaram o crescimento económico de Portugal no ano passado, seja o Governo, seja a oposição, seja o Banco de Portugal, seja a Comunidade Europeia, mas vamos ser claros, qual foi o grande contribuidor para o crescimento? Foi o turismo, mas se descobrirem outras fórmulas são bem-vindas. Costumo dizer que o importante é que os outros setores da atividade económica em Portugal cresçam da mesma forma como o turismo tem crescido. Tentamos fazer o nosso trabalho e temo-lo feito com algum sucesso, não percebo a questão do que é turismo a mais, até porque o turismo tem sido mais espalhado. Há 30 anos éramos um destino de sol e mar, continuamos a ser, mas também somos um turismo de city-breaks, de golfe, de eventos, de turismo religioso, cultural, gastronómico. Temos uma série de regiões que não eram importantes há uns anos e hoje em dia são importantíssimas, como também há regiões onde ainda há muito para crescer, como no Centro ou no Alentejo. Temos de dar atenção ao que se passa? Sim. Se calhar há duas freguesias em Lisboa com turismo a mais, então o que temos de fazer? Temos todos de trabalhar no sentido de criar novas centralidades para dispersar mais o turismo. Temos de nos ir adaptando ao que vai acontecendo, agora temos de ser justos para com o turismo e com aquilo que tem dado. Em relação ao saldo da balança comercial entre as exportações e as importações, o turismo contribui com cerca de 14 a 15 mil milhões de saldo líquido.
Mas esse crescimento também foi acompanhado por dores de crescimento?
Não e mais de 90% da população reconhece isso. Há um estudo feito pela Associação do Turismo de Lisboa antes da pandemia que dizia exatamente isso. As pessoas até questionavam se não fosse o turismo como é que isto seria e é verdade. Se não fosse o turismo, como é que isso seria? Não podemos esquecer que somos um país periférico, somos um país pequeno.
E o setor continua a sofrer com a falta de decisão em relação ao futuro aeroporto. Recentemente colocaram um contador a apontar para as perdas…
Já não podíamos mais com a discussão em relação à localização do futuro aeroporto. Só se discute onde é: se é na Ota, ou em Alcochete, ou se é no Montijo ou em Alverca. No princípio do ano passado contratámos a E&Y para fazer um estudo, envolvendo todos os nossos stakeholders, sejam companhias aéreas, restauração, hotelaria, agências de viagens, rent-a-car, animação turística para termos uma noção do que é que temos vindo a perder por recusar voos por falta de capacidade. Sabemos os gastos médios, o número médio de passageiros e fizemos um estudo em que, não abordando nenhuma localização, concluímos o que é que o país está a perder por não decidir uma localização. O estudo tirou quatro conclusões: duas se o crescimento fosse lento e duas se o crescimento fosse mais rápido. As duas conclusões em relação ao crescimento mais lento morreram durante o ano de 2022 porque o aumento foi mais rápido. Quanto às duas que tinham em conta um crescimento mais rápido, uma era uma opção a quatro/cinco anos e a outra a 11/12 anos. Na menos má das hipóteses – que é de quatro a cinco anos – o país perde sete mil milhões de riqueza pelo facto de não tomar essa decisão, perde mais de 20 mil postos de trabalho e dois mil milhões de receitas fiscais. Foram estas as contas que fizemos, posteriormente pusemos no nosso site este contador porque achámos que era a melhor forma de alertar a população, o Governo e a oposição.
Perdas independentemente da localização…
Não fala em localizações. O que dizemos é ‘façam’, ‘decidam’. É uma vergonha o turismo estar a crescer e não conseguirmos decidir um aeroporto há mais 50 anos.
Mas agora há várias soluções em cima da mesa…
A solução que o Partido Socialista e o Partido Social Democrata arranjaram para tomar uma decisão foi nomear uma comissão de acompanhamento – comissão que fazemos parte – e uma comissão técnica independente, com cerca de sete pessoas, que vai fazer um estudo sobre o ponto de vista económico, fiscal, ambiental, estratégico, etc. Foi dito claramente na primeira reunião da comissão de acompanhamento que vão fazer esses estudos, que depois divulgam uma proposta, mas que a decisão é política. Vamos ser claros: a decisão vai ser política. E nesse sentido se é para ser política então que se decida.
Mas vai haver sempre prós e contras, seja qualquer que seja a decisão…
Claro que sim. Não vai haver uma solução que tenha o apoio de mais de 50% das pessoas, até porque eram cinco soluções e já entraram entretanto mais duas. Isto não tem fim. Esta estrutura aeroportuária serve claramente o turismo, mas também serve o país. Recentemente vi declarações do ministro João Galamba a dizer que é fundamental fazer obras no aeroporto de Lisboa e estou de acordo porque vão melhorar a sua performance, mas não vão aumentar a sua capacidade.
É uma espécie de remendo?
Pretende melhorar, mas não vamos, por isso, aceitar mais 20 voos por dia, esqueça essa ideia. Tem de haver coragem para dizer: ‘Não. Esta obra é estrutural, o turismo é quem tem feito a economia mexer, é o motor da economia e vamos ter de decidir’. Então decidam. Há muito tempo que sabemos que, às vezes, é melhor uma má decisão do que uma não decisão. Estamos há mais de 50 anos para decidir onde é que vamos pôr o aeroporto, não é possível. O setor do turismo tem outros problemas, como o da mão-de-obra e outros, mas podemos resolver todos os problemas que o turismo tem e depois? Os turistas não têm maneira de cá chegar.
Recentemente foi permitido reforçar os voos noturnos. Resolveu parte do problema?
Aí terá de falar com o presidente da Câmara de Lisboa que poderá ter uma opinião mais concreta sobre isso, mas isso são remendos. Se precisamos de um novo aeroporto então vamos fazê-lo, mas vamos começar a fazer já. Ponham o Montijo a funcionar, mesmo que depois se decida por outro local. O Montijo está negociado no caderno de encargos da privatização com a ANA, basta o Governo dizer: ‘Façam’. O Governo não paga, é a ANA que o vai pagar e deverá ser reembolsada com as taxas que vai cobrar e em três ou quatro anos temos uma solução rápida. Depois, com tempo, podemos ir para Alcochete, para Santarém, para onde quiserem, mas arranjem algo urgente para não estarmos a recusar voos frequentemente por não termos capacidade instalada.
Temos também a privatização da TAP em cima da mesa. Um dos grupos que se fala é o da Iberia. Lisboa corre o risco de perder o hub?
Em relação à privatização da TAP costumo dizer que faço uma declaração de interesses porque gosto muito da TAP. Sou um fã da TAP e acho que tem sido muito maltratada. Tem-lhe acontecido tudo o que é possível acontecer. Primeiro era pública, depois foi privatizada, depois foi nacionalizada, depois foi alvo de um processo de reestruturação em Bruxelas, em que nunca mais vinha uma decisão. Mais tarde passou pela covid, depois com a guerra, mais recentemente com a greve dos sindicatos. O que falta acontecer ainda mais à TAP? Mas mesmo com isto tudo ainda vai ganhar dinheiro em 2022, segundo o que tem sido dito. Na minha opinião, a TAP tem de ser privatizada. É muito difícil manter uma companhia num país tão pequeno e tão periférico independente, é cada vez mais importante existirem alianças globais. Na Europa existem três muito grandes: o grupo Lufthansa, a IAG com a British Airways e a Iberia e a KLM Air France que são muito difíceis de combater, porque as armas são completamente desiguais. O Governo ao privatizar a TAP pode e deve ter alguns cuidados e um deles é o hub, assim como as ligações às ilhas e à nossa diáspora. Isto revela que há uma série de cuidados que devem existir e não deve ser só uma questão de dinheiro, mas uma questão do país, da economia, em que esse hub deve ser mantido. Por exemplo, devido às estratégias feitas por anteriores administradores estamos a registar um crescimento muito grande por parte de turistas brasileiros e também americanos e estamos a falar de turistas que todos os países querem. Por duas razões muito simples: primeiro são aqueles que têm uma pernoita maior e são também aqueles que têm um maior gasto médio. Ora, enquanto não houver aeroporto, a única solução que temos é investir mais nestes turistas. Vá consultar os hotéis de quatro e cinco estrelas e provavelmente o primeiro cliente é americano e o segundo é brasileiro.
Discutir o aeroporto e o futuro da TAP é quase um desporto nacional?
Temos alguns desportos nacionais. Não há nenhum de nós que não perceba de futebol, de publicidade, etc. E desde que o turismo está na moda não há ninguém que não perceba de aeroporto. Mas pelo menos é bom discutir-se o tema. Agora, duas questões muito concretas. A privatização da TAP, segundo o que o Governo está a anunciar será uma coisa rápida, no máximo para o ano que vem. E seja qual for a decisão do aeroporto não será para o ano que vem, nem para o outro, nem no outro. E temos de pensar nisso, como também temos de pensar que são dois assuntos completamente distintos. Uma questão é a privatização da TAP, outra é o novo aeroporto. Vamos precisar do novo aeroporto, independentemente da privatização da TAP, porque mesmo que se decida hoje se tivermos um aeroporto daqui a quatro ou cinco anos é ótimo.
Já sugeriu avançar com o Montijo como alternativa até haver uma decisão.
Defendi esta posição na comissão de acompanhamento e a nossa posição neste momento é muito simples: decidam. Mas se há uma comissão competente para o fazer quem somos nós para estar a pôr em causa a decisão que poderão, depois de terem analisado o aspeto estratégico, ambiental, fiscal, económico, ambiental? Dizemos ok a essa decisão, mas se correr bem daqui a 12 anos temos um novo aeroporto, no entanto, até lá operacionalizem o Montijo. E quando falamos do custo do Montijo face a uma nova estrutura, o Montijo é 10% do que poderá custar uma nova estrutura. Não é relevante, mas não nos deixem 12 anos sem alternativa para os turistas que nos querem visitar.
Houve, recentemente, alterações no Governo, na pasta do Turismo. Como vê essas mexidas?
Foram decisões que assistimos, resultado dos tais casos e casinhos que se tem assistido tanto. Rita Marques teve uma relação com o setor excecional, mas Nuno Fazenda é alguém que já conhecemos, não é uma pessoa estranha ao setor. Nestas questões não discutimos pessoas, discutimos políticas e penso que as políticas serão as mesmas. Uma das palavras que tem sido muito abominada no nosso léxico é as parcerias público-privadas, mas gosto de dizer que a melhor parceria público-privada que existe na economia é o turismo. Temos tido uma ótima relação com o Ministério da Economia, que tutela o Turismo, com a Secretaria de Estado do Turismo e com o Turismo de Portugal. Os nossos problemas normalmente não veem daí. Veem de outros lados: do aeroporto, que é da responsabilidade das Infraestruturas, dos problemas fiscais que é das Finanças, dos problemas com a mão-de-obra que vem dos Negócios Estrangeiros, do SEF que é da Administração Interna. Isso mostra que os nossos problemas são com os outros ministérios.
Pela importância que o turismo acha que fazia sentido ter um ministério próprio?
Face à importância que o turismo tem seria importante. Seria desejável ter um ministro com força e que estivesse sentado no Conselho Ministros para poder tratar dos assuntos que indiretamente afetam e muito o turismo.
Agora a habitação está isolada, mas sente que o turismo continua a ser usado como bode expiatório?
Se for perguntar às empresas de construção se acham que o turismo é um problema vão dizer que não. No ano passado, as compras de habitação por estrangeiros terão andado à volta dos 5%, 6%, não é por aí. Temos um problema de habitação, mas é de falta de habitação. Nos últimos anos construiu-se o mesmo que se construía num ano há 20 anos. Esse é um problema que o Governo tem de atacar em força, principalmente depois de ter lido que temos em Portugal 700 mil fogos devolutos. Então se temos um problema de falta de habitação e temos 700 mil fogos devolutos convinha casar estas duas situações.
Em relação às taxas turísticas continua a estar contra?
A taxa turística é mais um imposto, é mais uma taxa. O turismo é, já um ex-ministro dizia, o setor das taxas e das taxinhas. Temos taxas para tudo. Mas este tipo de taxas não é uma coisa estranha, pois existe na maior parte dos países da Europa. Agora há aqui uma questão que pode fazer algum sentido e que tem corrido bem em Lisboa que é o facto de ser reinvestida em infraestruturas que o turismo pode usufruir. Sei que não é assim exatamente em todas as cidades, o que é pena. Mas não nos podemos esquecer que o turismo é a única atividade exportadora que paga IVA. Por exemplo, quando se exporta uma garrafa de vinho para os Estados Unidos, essa garrafa é isenta de IVA. Mas quando o turista dos Estados Unidos está a bebê-la em Portugal está a pagar IVA. Acho que já pagamos que chegue.
A confederação está presente na Concertação Social. Depois de alguma crispação está tudo mais calmo?
Não, não está.
É uma dor de cabeça?
Quando este Governo apareceu surgiu com uma maioria absoluta. A comunicação social quis saber quais eram as minhas primeiras reações e, na altura, disse que eram positivas. E eram positivas porquê? Porque qualquer país precisa de estabilidade e de ter esperança no futuro. E isso é o papel de uma maioria absoluta, ainda por cima, em vez de governar quatro anos, vai governar quatro anos e dez meses, isto é, quase cinco anos. E nesses anos de governação vai ter fundos europeus como nunca teve, isto tem de ser positivo. Tem estabilidade, prazo e fundos.
Mas assistimos ao contrário.
Passado um ano já fui obrigado a dobrar a língua. Não consigo entender toda esta instabilidade que tem havido. Não faz sentido. Temos assistido a mais do que um caso por mês. Em relação a dois temas específicos, a agenda do trabalho digno e o acordo de rendimentos e competitividade, o que é que acontece? Sempre fomos contra a agenda do trabalho digno, aliás, nenhuma entidade patronal assinou esse acordo. Depois houve aquele episódio que, além daquelas medidas todas que o Governo apresentou em sede de concertação social, apareceu no Parlamento com outras que nem sequer tinha falado connosco, o que levou os parceiros sociais, pela primeira vez desde que me lembro, a suspenderem a sua participação na Concertação Social. Houve, na altura, concretamente, três medidas importantes: o alargamento da compensação nos contratos a termo, a reposição do valor do pagamento das horas extraordinárias e a arbitragem. Reconhecemos que, na altura, da geringonça, o Partido Socialista estava muito refém, quer do Bloco de Esquerda, quer do Partido Comunista, o que levou o primeiro-ministro a pedir publicamente desculpas às confederações patronais e, por isso, voltámos à Concertação Social, que era esse o nosso objetivo. Entretanto temos novas eleições, novo Governo e…
Um cenário positivo…
Um cenário muito positivo, porque já não havia esta questão do Governo ser refém, quer do PCP, quer do Bloco, mas continuaram a aparecer mais medidas além destas. Nem vou discutir a legalidade ou a bondade delas. Não foram à Concertação Social outra vez, razão pela qual as confederações patronais pediram uma audiência ao Presidente da República e ao primeiro-ministro. Depois temos a questão do acordo de rendimentos e da competitividade que foi muito negociado e é importante. É um acordo para uma legislatura. Não há nenhum dirigente associativo, nenhum empresário que não ache que temos de aumentar os salários em Portugal. Isso para mim é claro como água. Agora, o aumento de salários não é feito por decreto. É feito ou através do aumento da competitividade e da produtividade ou então através da lei mais antiga da economia, que é a lei da oferta e da procura, que é o que está a acontecer. Estamos todos de acordo nesse sentido, mas é um acordo entre duas partes. A minha parte, fiz toda, já interiorizei os aumentos. E agora da outra parte, o que é que está a ser feito? O fundo de compensação que acabava no dia 1 de janeiro já acabou? E em fevereiro já acabou? Será que vai acabar a 1 de março?
Era uma contrapartida…
Além de ser uma questão burocrática importante, não faz qualquer sentido. O fundo de compensação hoje em dia já lá tem mais de 600 milhões de euros parados. É 1% da massa salarial. Não foi feito nada. Temos também a questão das medidas previstas no PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] no que diz respeito à capitalização das empresas, como é que isso está? Nos relatórios de acompanhamento surgem várias classificações: favorável, satisfatório, insuficiente’. Sabe como está a capitalização das empresas? Crítico. O problema é que está sempre a cair para o mesmo lado. Aliás, já disse isto e nem gosto de repetir, mas então estamos a assinar um acordo de competitividade e de rendimentos e a medida a seguir é discutirmos a semana dos quatro dias?
É incoerente?
Sem dúvida. No que diz respeito a estes dois casos, o Governo tem que, de uma certa maneira, emendar a mão. O Governo tem de dar outra atenção à Concertação Social.