Onde é que estavas no 24 de fevereiro?

É sem dúvida nenhuma um homem inteligente e corajoso como poucos. Zelensky, de seu nome, ficará na história pelas melhores razões, ao contrário de outros. Já o PCP, nos últimos dias, voltou a demonstrar todo o seu apoio à mãe Rússia.

Joaquim Vieira é um jornalista e escritor que adora pesquisar, sendo autor de biografias extraordinárias de algumas das principais figuras portuguesas. Chega a ser impiedoso, pois não abranda na tinta quando está perante documentos preciosos. E como adora pesquisar fez na sua página do Facebook um apanhado do que foi dito nos últimos 400 dias, que é como quem diz, do último ano e uns pozinhos, a propósito do que foi escrito sobre a guerra na Ucrânia.

O documento, que aconselho vivamente, é hilariante e mostra o que pensavam e pensam algumas das mentes mediáticas deste país. É extraordinário como com uma compilação de frases se põe a nu tantos amigos de Putin, ou, se se quiser, ferozes antiamericanos. O ódio que destilam contra os valores ocidentais fá-los colocarem-se ao lado de um homem que sonha com o regresso da União Soviética. As barbaridades que foram ditas por algumas figuras não lhes trouxeram arrependimento, bem pelo contrário. De Francisco Louçã, aos majores-generais Carlos Branco, Agostinho Costa e Raul Cunha, passando por figuras como Miguel Sousa Tavares, Clara Ferreira Alves ou Raquel Varela, todos passaram pela lupa de Joaquim Vieira.

Muito brincaram com os avisos dos americanos e dos ingleses de que a Rússia de preparava para invadir a Ucrânia. Com a devida vénia, aqui deixo algumas das ‘Visões do mundo um ano atrás, à volta da invasão da Ucrânia pela Rússia’. «Se a Casa Branca marca a guerra para quarta-feira e não acontecer nada, a operação transformar-se-ia na anedota do Solnado, e isso não pode ser», escrevia Francisco Louçã no Expresso a 15 de fevereiro. «Alguém sabe informar-me sobre a hora da invasão da Ucrânia? Se sim, é fazer o favor. Grato», perorava no Facebook a 12 de fevereiro o ex-deputado bloquista Jorge Campos. Já Clara Ferreira Alves, no Eixo do Mal, a 17 de fevereiro brincava com a situação. «O ridículo assumiu proporções que já excedem os Monty Python. […] Todos os dias, o presidente Biden diz que o Putin vai invadir a Ucrânia […] E todos os dias diz (hoje foi o Blinken): ‘A guerra está iminente, é amanhã, é hoje.’ […] Isto é um entretenimento». No mesmo registo seguia António Filipe, antigo deputado comunista: «A guerra da Ucrânia não será uma recriação televisiva da Guerra dos Mundos do Orson Welles?».

Quando a 24 de fevereiro as tropas de Putin invadem a Ucrânia, o major-general Raul Cunha foi à RTP-3 ditar sentenças: «Os ucranianos não devem conseguir resistir muito mais tempo. […] Toda a gente gosta de pôr a culpa no Putin. Eu aí sou um bocado diferente. […] Para mim, os líderes ocidentais […] tiveram um comportamento nas bordas do criminoso, tão mau quanto o do Putin. […] Estão bem uns para os outros». Já outro guru da esquerda, apontou todas as baterias aos americanos: «Apostados em não reconhecer o seu declínio, desde a saída caótica do Afeganistão ao medíocre desempenho na pandemia, os EUA insistem em fugas para a frente, e nessa estratégia pretendem arrastar a Europa», escreveu Boaventura Sousa Santos no Público, a 25 de fevereiro. Três dias depois, o anedótico major-general Agostinho Costa dizia na SIC-Notícias com a maior naturalidade: «Estou convencido que o senhor Zelensky já não está lá [em Kiev]. Senão a gente via-o na rua. Já não está lá. Está certamente em Lviv […]. Mostra que é um indivíduo inteligente».

É sem dúvida nenhuma um homem inteligente e corajoso como poucos. Zelensky, de seu nome, ficará na história pelas melhores razões, ao contrário de outros. Já o PCP, nos últimos dias, voltou a demonstrar todo o seu apoio à mãe Rússia.

 

P. S. – O que se está a passar no Porto Canal não merece um comentário público de nenhum político? Será que já vale tudo? É possível ameaçar pessoas e alimentar o ódio sem que ninguém ligue para Pinto da Costa?

vitor.rainho@sol.pt