por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
A “guerra” no mercado imobiliário já começou. O Governo avançou com uma série de medidas tentar para resolver o problema de habitação e, se os proprietários avisam que não vão baixar os braços e não aceitam o arrendamento coercivo, já os inquilinos acreditam que o as propostas avançadas poderão resolver alguns dos entraves para quem quer ter acesso a uma casa. Já os representantes do alojamento local arrasam a iniciativa, acusando o Executivo de querer acabar com esta atividade.
E as críticas vão subindo de tom, no que diz respeito ao facto de o Estado não ser o primeiro a dar o exemplo. Ao i, o vice-presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP), diz que não faz sentido “falar em arrendamento coercivo aos particulares, quando o Estado é o primeiro a não dar o bom de exemplo de ocupação de imóveis de que é proprietário e quando não contribuiu para resolver a situação, estando a criar a indesejada instabilidade, oposta ao efeito pretendido”.
Francisco Bacelar considera que há “imensa burocracia a atrasar os processos que possam permitir a utilização de imóveis do Estado, antes de sequer pensar na utilização de imóveis de particulares”. Mas lembra que “se pensarmos que muitos deles, pela sua dimensão permitirão muitas habitações novas, penso que seria sempre uma primeira opção, mais ágil do que será a burocracia para ocupação de imóveis particulares. Pelo menos a questão litigiosa não se poria”.
Uma opinião diferente tem Tiago Mota Saraiva, arquiteto e urbanista, que explica que a maioria dos edifícios camarários já estão atualmente ocupados. “Em abril do ano passado, a vereadora da Câmara Municipal de Lisboa, Filipa Roseta alertava para a existência de 48 mil fogos vazios em Lisboa que deviam ser mobilizados para o arrendamento e que estavam na mão de privados”. Mota Saraiva lembra que, se há 20 anos a Câmara tinha muitos imóveis disponíveis, essa realidade já não existe hoje. “Neste momento, das duas uma: ou já está imputado a um processo de renda acessível ou não tem propensão para habitação e, portanto, é de grande dificuldade transformá-lo ou está muito disperso e é pouco significativo”. E dá como exemplo os programas municipais como o Reabilita.
Quanto aos privados, Tiago Mota Saraiva diz que, ao contrário do que a maioria diz, não é nas freguesias mais pobres que há imóveis desocupados, dando como exemplo Santa Clara, que é uma das que menos tem fogos devolutos, afirmando que 25% dos fogos devolutos em Lisboa concentram-se nas freguesias de Arroios, Penha de França e Misericórdia, onde estão os fundos imobiliários – ao nosso jornal, defende, “são os primeiros que têm de ser mobilizados”. No entanto, reconhece que é um processo “complicadíssimo, já que a identificação do devoluto depende dos municípios e das juntas de freguesia”. E está nas mãos das câmaras intervir ou não. “O decreto de lei sobre a mobilização dos devolutos já existe e os municípios, neste momento, já podem identificar o devoluto, contactar o proprietário que tem de o ocupar e entrar com obras se for necessário e alugar”.
Também Francisco Bacelar admite que essa legislação já existe, mas apenas para casos de degradação que justifique a intervenção do Estado por via das autarquias. “O problema é que mesmo que depois esteja prevista a recuperação das verbas usadas nas intervenções, implica a sua disponibilização antecipada. Ora nem sempre a autarquias têm essas verbas. A intenção agora é a intervenção para colocação no arrendamento, mas mantém-se o problema, para além das questões judiciais e burocráticas que implicarão, e para as quais as autarquias não dispõem de estrutura adequada”, salienta.
Imóveis devolutos
De acordo com os dados do Instituto do Instituto (INE) ,existem cerca de 723 mil devolutos em Portugal. No entanto, o vice-presidente da ASMIP afirma que nem o próprio Estado conhece esses números, “que variam consoante as contabilidades de diversos organismos. Mas admite: “Com base nos números conhecidos publicamente, e apesar das discrepâncias, subsiste uma ideia base, em que são demasiados imóveis, onde estão muitos ao abandono e total degradação. Poderão receber nova vida com obras de adaptação a habitação, e contribuir dessa forma de forma rápida e positiva para a solução que se exige”.
Francisco Bacelar vai mais longe: “São muitos imóveis vazios, para uma população de apenas 11 milhões. Pelo menos, metade deverão ser segundas habitações, usadas em fins de semana e férias. Uma quantidade significativa estará em problemas de partilhas e respetivas questões judiciais. Os restantes estarão, de facto, devolutos porque os seus proprietários não depositam confiança na sua colocação no mercado de arrendamento, fruto das incertezas legislativas e pela elevada carga fiscal que vem de trás, e pelos vistos será para manter, ao contrário do que seria bom para criar a confiança que pusesse um grande número de casas à disposição do mercado”.
Qual a solução?
O responsável afasta as críticas de o Governo estar a empurrar a solução do problema da habitação para os privados. “A solução de usar coercivamente a propriedade privada não é empurrar para os privados, mas usar o seu património como parte da solução, o que é bem diferente, em tudo, inclusive da responsabilidade social do Estado, quando ele próprio é o maior proprietário do país”.
Já Tiago Mota Saraiva lembra que na Europa há várias políticas, “até muito mais agressivas do que a proposta apresentada pelo Governo”, no que diz respeito à mobilização dos prédios devolutos. “Na maior parte dos países europeus não é permitido ter uma casa vazia. Curiosamente, em Inglaterra 1% dos edifícios são devolutos. A Suíça tem 2%, a Holanda 4%. Porquê? Porque desde sempre houve uma pressão. Os movimentos de ocupação são responsáveis por isso, porque as pessoas sabiam que, mais dia menos dia, tinham a casa ocupada e, por isso, mais valia porem no mercado. Esse tipo de movimentos em Portugal não existiu e, como tal, Portugal está nos piores da Europa. Lisboa com 15% de casas vazias. Na Europa, Portugal só está equiparado à Hungria”, salienta.