Como vê as greves no setor?
Tem a ver com a estratégia política que foi seguida e não foi melhorada por quem se seguiu a Paulo Macedo. Hoje temos o Serviço Nacional de Saúde no estado calamitoso em que está. Ou seja, a degradação do Serviço Nacional de Saúde continuou. O problema é que a seguir ao Governo dito da troika, os cortes continuaram, mas mudaram de nome para cativações. No entanto, a estratégia é exatamente a mesma: reduzir ao mínimo o financiamento do Serviço Nacional de Saúde, embora quantitativamente o financiamento do SNS tenha ido aumentando. A política que tem sido seguida é a de enfraquecimento do Serviço Nacional de Saúde e do favorecimento do grande setor privado da saúde. E isso conduziu o SNS talvez ao seu estado mais grave, desde sempre, pelas mãos de um Governo que diz que o defende, mas não é verdade.
E os resultados estão à vista?
A política de saúde do Governo PSD/CDS, com Paulo Macedo na pasta, fez uma boa gestão do Serviço Nacional de Saúde, naturalmente sem corresponder àquilo que eram as expectativas dos profissionais de saúde e dos doentes. Agora as circunstâncias estão ainda piores, não obstante a maior despesa em saúde por parte do Governo, por força do aumento da inflação, dos aumentos dos custos dos recursos humanos e do aumento dos custos de tempo das novas tecnologias, mas a verdade é que o SNS está pior, embora as estatísticas apresentadas pela tutela, pelas entidades oficiais do Ministério da Saúde apontem sempre para uma melhoria contínua dos números do Serviço Nacional de Saúde. A verdade também é que não há nenhuma entidade independente que audite esses números. Ninguém sabe se correspondem à verdade ou não e podem ser martelados. Isso mostra que assistimos a uma degradação da prestação do SNS e, no entanto, os respetivos números apresentam sempre uma melhoria de ano para ano, o que é um paradoxo. Numa altura em que temos mais pediatras, mais obstetras de sempre, temos os maiores problemas nas maternidades do nosso país. Alguma coisa está mal, está muito mal.
Deve-se à falta de gestão?
O SNS não tem um problema estrutural, ao contrário do que muitos dizem. Não precisa de reforma, precisa é de um financiamento adequado e de uma gestão de qualidade que preserve a capacidade de resposta do SNS que é a forma mais barata e de melhor qualidade para proporcionar recursos de saúde de qualidade a toda a população sem discriminação. Costumava dizer – e já escrevi – que o SNS era o melhor serviço de saúde do mundo na relação qualidade/ acessibilidade /custo per capita. E, infelizmente, o SNS está a perder essas características cada vez mais por força de haver um ataque velado por via da asfixia financeira ao SNS. E não só. Tínhamos, no essencial, três pilares em Portugal: o SNS, o pequeno setor privado e independente e tínhamos o grande – que na altura não era muito grande – setor privado e também a área das misericórdias, das IPSS. O pequeno setor privado independente foi completamente liquidado. Hoje quase não se encontra um consultório médico independente. E como é que isso foi feito? Definindo para o pequeno prestador privado de saúde independente regras incomportáveis que o Estado não seguia e, ao mesmo tempo, criando mão armada por parte de uma entidade reguladora da saúde que aplicava coimas milionárias, levando ao encerramento da generalidade do pequeno prestador de cuidados de saúde independente. E depois assistimos aos grandes privados. Tudo isto foi conduzido de forma deliberada e continua a ser conduzido pelo atual Governo. Temos um Governo que diz que defende o SNS e continua a seguir a mesma política de criação de condições para o crescimento do grande setor privado da saúde. Não tenho nada contra o setor privado da saúde, pelo contrário, faz parte da tripeça da prestação de cuidados de saúde à população, mas a verdade é que eliminou uma, enfraqueceu a outra e fortaleceu outra. E naturalmente assistimos agora aos grandes impérios por parte de empresas multinacionais de prestação de cuidados de saúde privados em Portugal. E quando se compara o setor público e o setor privado faz-se sempre essa análise de forma deliberadamente enviesada.