António Chora recorda que entrou na Autoeuropa com cerca de 600 trabalhadores, saiu com quase quatro mil e conta agora com mais de cinco mil. Mas apesar do crescimento diz que a fábrica “ainda não encontrou bem o seu caminho”. Elogia o diálogo e a transparência como fatores principais para criar paz social numa empresa e reconhece que “faltam muitos gestores alemães” nas empresas do país.
Como vê a mudança do sindicalismo em Portugal? Apareceram agora novas figuras afastadas das tradicionais centrais sindicais. Acha que esta é a tendência?
Espero que não. Não por estarem afastados das centrais sindicais conhecidas, como a CGTP e a UGT, mas porque muita da sua ação não é substanciada na base dos sindicatos que foram criados e estruturados ao longo dos anos. No entanto, é preciso fazer qualquer coisa nos sindicatos que existem, mas aquilo que é definido como sindicalismo de pandeireta já apareceu em outros lados e desapareceram e está a surgir agora aqui. Mas também penso que já está a perder algum significado, nomeadamente nos professores. A Fenprof conseguiu dar a volta à situação, deixou-se dormir numa determinada altura do percurso, agora está a despertar e está a conseguir evitar que cresça este novo sindicalismo. O que precisamos é de sindicalistas novos nos sindicatos existentes.
O STOP é um desses movimentos?
É o que chamo sindicalismo de pandeireta. Mas sabe como parou? Devido ao comportamento que tem e que o sindicalismo a sério não fazia. Não faz sentido nenhum dizer que os professores estão a parar as escolas, porque as escolas estão a parar porque estão pagar aos operacionais – os antigos contínuos – para não as abrirem. Isto não faz sentido, isso não é sindicalismo, é outra coisa qualquer.
A Fenprof tem vindo a afirmar que apesar das greves nunca fechava as escolas…
Estas paralisações destacam-se como se fosse uma greve dos professores, quando na maior parte dos casos é uma greve dos operacionais, a quem pagam porque infelizmente ganham extremamente mal. E essa é uma parte que nunca percebi, porque é que a Fenprof nunca pegou nessa questão a sério, uma vez que a discrepância salarial numa escola é qualquer coisa de outro mundo, entre quem luta pela segurança das crianças fora da sala de aula e quem dá aulas. Essa discrepância não faz sentido. Claro que tem de haver alguma diferença em termos salariais, porque a formação e a função são diferentes, mas não se pode ter operacionais a ganhar o salário mínimo. Aí é a única coisa que critico a Fenprof, sei que é muito difícil levar os operacionais à greve e o método que o STOP arranjou foi pagar os dias a esses trabalhadores, em algumas escolas, o que também não é quanto a mim um método de sindicalismo tradicional, nem é esse o espírito do sindicalismo.
As estruturas sindicais tradicionais, como a CGTP e UGT precisam de rejuvenescer?
O rejuvenescimento tem sido feito no Bilhete de Identidade, mas não o fazem na mentalidade. Essa é que é a grande diferença, aliás, nem na mentalidade, nem na formação. As pessoas novas que estão a chegar a alguns sindicatos tradicionais deviam ter formação em muitas áreas, nomeadamente nas questões da comunicação digital para que chegassem à casa das pessoas. A questão é que continua a ser feito o mesmo sindicalismo com menos conhecimento e, às vezes, com mais irresponsabilidade. E é isso que temo no futuro destes sindicatos.
Isso afasta os trabalhadores do sindicalismo?
Claro que afasta. Hoje em dia não basta estarmos num plenário a dizer ‘diabos’ e coisas parecidas aos trabalhadores, porque sabem logo se estamos a falar verdade ou não. Basta carregarem no Google do seu telemóvel, fazerem uma busca e pensam ‘este está-me a enganar’ ou está a ‘atirar-me areia para os olhos’. Por isso, é que digo que é preciso formação, é preciso ir para os plenários saber o que é que se vai falar, seja em relação à área e à empresa, seja em relação ao país. Precisamos de saber o que estamos a dizer porque já não estamos a falar para trabalhadores com a quarta classe ou com muitos iletrados. Estamos a falar de trabalhadores com outra formação e se não acreditam em nós também deixam de acreditar no sindicalismo. É o pior erro que se pode fazer.
Mas há atividades que atraem mais trabalhadores para os sindicatos do que outras, como é o caso dos bancários e da aviação?
São sindicatos mais fortes porque também têm outra estrutura. Por exemplo, os bancários tiveram sempre o sistema de saúde e de reforma ligados praticamente ao sindicato, como acontece na Bélgica e nos países nórdicos. E isso leva a grandes índices de sindicalização. Já no caso da aviação é um bocadinho diferente, não têm bem essa estrutura, mas são sindicatos de empresa. Não é um sindicato para a indústria no geral e por isso também tem índices de adesão muito maiores do que, por exemplo, o sindicato dos metalúrgicos, que apanha a indústria naval, as oficinas de serralharia, etc., em que a maior parte dessas indústrias tem 10/12 trabalhadores. É muito difícil fazer sindicalismo assim, mas é possível chegar aos novos trabalhadores, divulgando sites, mensagens, através da comunicação. Como se costuma dizer quem não tem cão caça com gato, tem é de se falar a verdade para as pessoas. Não posso dizer que foi uma grande vitória começando por pedir um aumento de 20% e depois dizer que consegui fechar um aumento de 4%.
Não se pode prometer mundos e fundos…
Claro, esse é um grande erro. Porque depois tudo espremido não é nada e faz com que os trabalhadores fiquem desacreditados.
A seguir ao 25 de Abril houve uma grande explosão deste movimento sindical. Fica surpreendido com o facto de agora o número de trabalhadores sindicalizados não chegar aos 8%?
Não fico muito surpreendido e até duvido que sejam esses os valores reais. Um dos grandes problemas em Portugal é que a transparência sindical é muito duvidosa.
E a fatura paga-se mais cedo ou mais tarde…
Já se está a começar a pagar, mas acredito que os sindicatos ainda podem dar a volta à situação, alertando os trabalhadores, fazendo formação para os trabalhadores, não pressionarem os trabalhadores com base no medo, mas sim com base no futuro. Vamos ter grandes evoluções no futuro, seja na indústria 4.0, seja naquilo que aí vem e o nosso sindicalismo está um bocadinho morto nesse capítulo. Já vimos grandes movimentos na Alemanha por parte dos sindicatos. Já vimos grandes acordos coletivos em Espanha, criando profissões viradas para essas funções. Já vimos grandes pressões aos Governos por parte dos sindicatos para que comecem a partir do 8.º ou 9.º ano a vocacionar jovens para essas atividades. Vimos acordos coletivos de trabalho que já consagram a formação contínua dos trabalhadores. Em Portugal não vimos nada desse tipo de movimentos, como também não vimos nenhum movimento por parte das entidades patronais para que haja uma contratação coletiva séria e honesta. Os patrões em Portugal exploram muito a demografia e respondem aos 20% com 0%.
Vê-se isso nas reuniões de concertação social?
Sim e depois o que é engraçado é que as entidades patronais vão pressionar o Presidente da República e o primeiro-ministro como se não fosse da responsabilidade do Parlamento a legislação laboral. Quando é para a aplicar o Código de Trabalho esfregam as mãos de contentes porque tudo o que lá está foi aprovado no Parlamento, mas quando há uma alteração qualquer que visa melhorar as condições de trabalho ou de nos aproximarmos daqueles países que dão sempre como referência – como Alemanha ou Espanha – dizem logo que não pode ser. Habituámo-nos a viver num país de subsidiodependência e vamos andando nisto e depois não temos melhores salários, não conseguimos ter um nível de vida melhor e depois ficamos espantados com a fraca produtividade. Há um ditado português que diz ‘conforme é o dinheirinho, assim é o trabalhinho’. Mas mesmo assim os nossos trabalhadores mostram que são produtivos, porque quando vão para qualquer país trabalhar somos dos mais elogiados, seja na Inglaterra, na Alemanha, onde for. A questão está na organização, não está no trabalho das pessoas. Em relação aos sindicatos penso que têm de começar eles próprios a fomentar isto e a não ter problemas nenhuns em discutir várias questões, como a do clima, porque é o futuro de todos nós: dos trabalhadores, dos filhos e de consagrarem estas questões na própria contratação.
Na altura da pandemia, o discurso dos sindicatos estava apenas concentrado no pagamento de despesas, como a luz, água, etc…
Muitos deles diabolizaram o teletrabalho, quando há muitos trabalhadores que preferem estar em teletrabalho. Compreendo que os sindicatos não conseguem mobilizar as pessoas para algumas atividades em algumas empresas se as pessoas estiverem em casa. Mas também há uma maneira de as mobilizar. Então para que é que serve a informática? Recordo-me que durante a pandemia, na Volkswagen, no Brasil, o sindicato conseguiu aprovar contratos coletivos de trabalho por voto digital e fez plenários com mais de 500 pessoas – houve um que até teve mais de duas mil pessoas -–nas plataformas digitais.
Mas Portugal vai parando com as greves dos professores, dos transportes, etc. São dores de cabeça de um Governo de maioria absoluta?
Acho que é o cilindro compressor de uma maioria absoluta que nos está a levar a isto. Mas mais do que isto, é a culpa de uma certa política liberal quando a promessa foi a de uma política socialista. Se olharmos para Inglaterra o que vemos? Vemos greves de maquinistas, enfermeiros, médicos, só falta a greve dos professores para ficarem igual a nós e lá temos um Governo conservador. E as reivindicações dos trabalhadores são iguais às nossas.
França tem também movimentos muito acessos…
Tem um problema mais grave. E deve-se ao facto de Governo francês ter recorrido à Constituição que prevê que uma lei possa ser aprovada sem passar pela Assembleia Nacional para alterar a lei de reforma do sistema de pensões.
Acha que o discurso organizado dos trabalhadores também é um benefício para os patrões?
Não há segredo nenhum. O que é preciso é que haja diálogo e transparência. Isso resolve o problema dentro das empresas, não resolve nos setores, em geral. Uma grande empresa como a Autoeuropa ou como a Bosh se houver transparência e informação constante entre a empresa e os seus representantes, o diálogo é muito mais furtivo. E é claro que dá melhores resultados. Se cada um chuta para o seu lado, se a empresa não deixa que os seus trabalhadores sejam informados não só dos seus projetos, mas também dos seus lucros, se as empresas continuam a não distribuir os lucros pelos trabalhadores … quem consegue atingir os objetivos não é a direção. Esta dá orientações, mas são os trabalhadores que conseguem atingir esses objetivos. Por exemplo, vimos os bancos com centenas de milhões de lucros e não se ouve falar de uma distribuição significativa dos lucros junto dos trabalhadores porque canalizam tudo para os acionistas. Mas quando essas atividades começarem a dar prejuízos nacionaliza-se o prejuízo e vamos ao Estado buscar dinheiro. Por exemplo, a Autoeuropa produz 230 mil carros num ano, o que é uma coisa inédita, não devia haver tanta negociação para atingir um prémio. A própria empresa devia atribuir um prémio extraordinário e para manter um bom diálogo até podia negociá-lo, nem que seja para os trabalhadores verem que os seus representantes estão a fazer ali alguma coisa.
Já saiu há muitos anos da Autoeuropa. Mas continua a ser um dos rostos conhecidos da Comissão de Trabalhadores…
Quando saí da Autoeuropa disse a um diretor financeiro que a empresa ia sofrer de dores de crescimento. Na altura, fartou-se de rir, mas há uns tempos encontrei-o numa visita que fez a Portugal e disse-me que tinha razão. É normal que estas coisas aconteçam quando se cresce daquela maneira. Entrei na empresa com cerca de 600 trabalhadores, saí com quase quatro mil e agora tem mais de cinco mil trabalhadores. É uma empresa que está em crescimento e ainda não encontrou bem o seu caminho. Quando uma empresa está em crescimento e se o diálogo entre a administração e os seus representantes for de apenas palmadinhas nas costas, as coisas não vão a lado nenhum. As coisas têm de evoluir. Vimos que o último acordo foi votado significativamente pelos trabalhadores porque também foi significativamente melhorado. Mas era evitável ter-se chegado à situação que se chegou, nomeadamente dos sindicatos afetos à CTGP terem marcado uma greve.
Desde que saiu houve greves, ameaças de deslocalização…
A empresa está sempre a competir e irá continuar. Todas as fábricas da Volkswagen fora da Alemanha têm de competir umas com as outras, mas o que se foi assistindo deveu-se a uma falta de algum diálogo por parte das administrações. Ou seja, a pressa de subir a produção era tal que levou a que se esquecesse o diálogo necessário e tradicional. Não se pode estar a dizer a uma empresa que vai passar de uma produção de 140 para 230 mil e que se não for possível que se vai embora. Não é verdade. Nenhum trabalhador aceita isso. É completamente diferente quando estive lá e disseram que estávamos a produzir 130 mil e íamos passar para 70 mil e acabámos nos 60 mil. Aí os trabalhadores vêm a realidade, agora estar a ameaçar com uma deslocalização quando se está a crescer ninguém acredita nisso. E os trabalhadores fazem muito bem em não acreditar.
Chegou a dizer que era mais fácil negociar para fazer carros do que manter empregos quando não há trabalho…
A Volkswagen tem todas as ferramentas para manter a produção. Deixámos um acordo feito em 2003 que tem permitido que as pessoas parem sem perderem um tostão e sem terem de trabalhar mais para compensar os dias que estiveram em casa. Isto é, até 22 dias por ano podem ficar em casa por falta de componentes sem perderem o seu salário e se depois tiverem de trabalhar mais ganharão como trabalho extraordinário e não para recuperar esse tempo. Essa foi uma ferramenta que espero que a Autoeuropa nunca venha a perder.
Daí ainda hoje ser considerado um exemplo que deveria ser seguido por outras empresas?
Porque sempre teve um bom diálogo social e penso que vai recuperá-lo e vai conseguir manter um bom diálogo interno. Agora não basta ter apenas diálogo é preciso compensar as pessoas. Se disser que vou produzir mais x carros e se não der nada aos trabalhadores como forma de compensação ninguém entende.
Que memórias tem dessa altura?
Fiz o meu trabalho o melhor que pude e que sabia. Não fiz sozinho, fiz com um grupo de trabalhadores que me seguiram e, pelo menos um deles, desde 1994, desde a primeira comissão de trabalhadores. Mas muitos estiveram comigo 10 e 12 anos. Foi um trabalho feito em conjunto e envolveu sempre os trabalhadores. Esse foi o segredo de enfrentar os melhores momentos e os menos bons. Falávamos abertamente com os trabalhadores, mas também éramos informados abertamente das coisas. A comissão de trabalhadores que está hoje à frente da Autoeuropa merece também isso, um dos elementos trabalhou muito comigo em algumas comissões de trabalhadores, é o atual coordenador. Mas a estrutura também tem de ser ajudada pelos trabalhadores essencialmente.
Ainda fala com os trabalhadores?
Sim, tanto com aqueles que saíram quando eu saí, como com muitos que lá ficaram. Tenho uma boa relação com algumas pessoas da comissão de trabalhadores e ainda há pouco tempo fizemos um colóquio sobre eletrificação nas instalações da empresa, com a participação da comissão de trabalhadores e de outras estruturas sindicais do setor automóvel do país. Alertámos para estas questões da eletrificação e para a necessidade de começar a pensar quais são as áreas que vão acabar e as que vão necessitar de muita gente e como se pode formar os trabalhadores para essas áreas. Tem de se criar milhares de empregos e é preciso estudar já quais são. Penso que o segredo da Autoeuropa vai continuar, pelo menos, enquanto houver diálogo e transparência haverá sempre futuro com mais ou menos uma convulsão.
Falta esse tipo de exemplo ser aplicado em todo o país?
Penso que também falta muito gestor alemão nas empresas do país. Falta gestores que olhem para o diálogo e para a democracia dentro das empresas e que não tente transformar as empresas num quartel.
Afastou-se dos movimentos?
Ainda gosto de participar. Tenho gosto e é por isso que vou dando o meu contributo naquilo que posso.
Como viu o fim do modelo histórico da Autoeuropa, o Sharan?
Foi um fim de um ciclo e foi um modelo que teve um ciclo muito grande. Penso que poucos carros tiveram na VW um ciclo tão grande como este, porque era de nicho. É claro que há carros de grande volume que continuam a ter fortes produções, como o Golf, o Passat, etc. O Sharan teve uma história e começou a ser substituído por outros, em que começaram a aparecer na Alemanha carros de sete lugares. A moda também virou para os SUV e há um que está a ser produzido atualmente na Autoeuropa que é o T-Roc e que é muito vendido sobretudo na Europa. Penso que vai ter um grande futuro em Portugal se tiver uma versão elétrica, a urgência é que venha uma versão elétrica para a Autoeuropa.
Foi deputado da Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda em 2006. Foi mais fácil ou difícil do que ser coordenador da CT?
Se recuarmos três anos foi muito mais fácil. Em 2003 perdemos 70 mil carros e conseguimos manter todas as pessoas a bordo. Se avançarmos no tempo e depois de passarmos essas convulsões diria que não foi difícil e ajudou-me a perceber o funcionamento do Parlamento e diria até a respeitar as posições dos parlamentares, discordando delas, muitas vezes. Há muita deturpação da atividade e pensam onde é que estão os ‘malandros’ dos deputados e esquecem-se que há muitas vezes 11 comissões a trabalhar ao mesmo tempo. Quem quer trabalhar em prol do país tem no Parlamento uma boa hipótese de o fazer, claro que há quem esteja a trabalhar em prol de outras coisas, mas isso é como tudo em vida.
A produtividade é o nosso calcanhar de Aquiles. Esteve numa grande empresa e também foi deputado. Que conselho daria para sairmos deste rame-rame?
Primeiro temos de estudar muito bem a questão da produtividade, porque continuamos a ter empresas muito pequenas com 10 trabalhadores, em que seis trabalham na empresa, dois são motoristas, um é empregado doméstico na casa do patrão e o outro não se sabe bem o que faz e depois a produção é dividida por 10 quando só são seis a produzir. Aí é claro que a produtividade é baixa porque se fosse só a dividir pelos seis que realmente trabalham seria melhor. Outra questão é a formação dos nossos empresários. Penso que falta muita formação nos nossos empresários e como costumo dizer temos muitos patrões e poucos empresários. E que para muitos o objetivo é ter lucro amanhã e ontem, não é investir com perspetivas de futuro: de automatizar, de formar, de pagar salários dignos.