Por Maria Castela
O sindicalismo como o conhecemos até agora tem os dias contados? Chegou a hora dos movimentos inorgânicos? As relações laborais vão alterar-se por via dos novos protestos?
São questões que se colocam no atual momento da vida nacional, muito por via do protesto dos professores, com um novo sindicato a dominar as atenções, o STOP (Sindicato de Todos os Profissionais de Educação). Mas questões semelhantes já se tinham colocado em 2019, quando o até então desconhecido Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) quase parou o país com um bloqueio ao abastecimento dos postos de gasolina e contratou um advogado, Pedro Pardal Henriques, para negociar com o Governo, algo nunca visto até então. No mesmo ano a surpresa quanto à modalidade da forma de luta surgiu com a greve do Sindicato dos Enfermeiros, na qual, pela primeira vez, se recorreu a um método original de compensar financeiramente os grevistas através de um processo de crowdfunding. O financiamento veio a ser considerado ilegal pela Procuradoria Geral da República.
“Desgaste das condições do trabalho” O sindicalismo tem hoje novos protagonistas e novos métodos. Mas estamos longe de poder concluir que o movimento dos trabalhadores na sua forma tradicional está em decadência. Raquel Rego, investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) e coordenadora do projeto de representatividade dos parceiros sociais, considera que “não podemos generalizar” e que a aparição de novos sindicatos onde durante anos houve o predomínio de um sindicato forte e antigo, como a Fenprof no caso dos professores, não conduz necessariamente à perda de influência, antes “pode levar a uma revisão de ação do primeiro”. O teste do algodão, diz também o especialista em direito do trabalho Luís Gonçalves da Silva, é saber o que se passa à mesa das negociações e “quem está a negociar com o Ministério da educação é Mário Nogueira”.
Os dois especialistas ouvidos pelo i consideram que o que se tem passado nos últimos anos é mais um rejuvenescimento e uma atualização da atividade sindical, do que aquilo a que se pode chamar um novo sindicalismo. “O que justifica esta efervescência tem a ver com um desgaste das condições do trabalho e a consequente procura de uma saída através de um impulso dado por novos representantes”, diz Raquel Rego, enquanto Gonçalves da Silva nota que, tal como os sindicatos tradicionais, também os recém-surgidos na cena pública são rapidamente absorvidos por tendências políticas, ou então são “epifenómenos momentâneos” que se diluem depois de cumprida uma missão, como aconteceu no caso do sindicato dos motoristas de matérias perigosas. Manter um sindicato ativo no tempo implica “dinheiro e estrutura”, por isso estes movimentos ou “desaparecem ou são absorvidos”, é muito difícil manter a atividade no tempo e com regularidade.
Raquel Rego vê no entanto na degradação da relação entre partidos e sindicatos, pelo menos os mais tradicionais, o motivo para o recrudescer da agitação social e a entrada de novos protagonistas. “O problema que pode existir para a democracia na relação partidos sindicatos é a falta de transparência e independência”, como terá acontecido durante os anos da geringonça. Aquilo a que assistimos agora é ao destapar da panela de pressão depois de anos em que os protestos estiveram muito controlados sem que, contudo, os problemas se tenham resolvido. O STOP é uma manifestação dessa sensação de ausência de resultados na luta tradicional da Fenprof. Os professores viram em André Pestana, líder do STOP, métodos mais eficazes de se fazerem ouvir junto do poder político e a verdade é que a Fenprof e Mário Nogueira, que num primeiro momento ficaram de pé atrás, acabaram por reaparecer e beneficiar dos efeitos de uma onda de protesto rejuvenescida.
Agora estão ambos, Mário Nogueira e André Pestana, à mesa das negociações, mas diz quem acompanha que Mário Nogueira mantém o seu ascendente no processo negocial e no fim é ele quem vai decidir o desfecho da luta.
E quanto à legalidade dos protestos? É uma questão que vai sendo levantada pelo Governo e por outros setores da sociedade. É muito difícil concluir-se pela ilegalidade das greves a que temos assistido, “a nossa lei da greve não impede greves solidárias e também noutros países é comum observar sindicatos que fazem greve para apoiar a ação de outros sindicatos”. Já quanto ao financiamento dos grevistas, Gonçalves da Silva sublinha que sempre houve fundos para financiar estas atividades, “desde que se assegure que esses fundos são geridos por um sindicato independente”, acrescenta. Apesar de a maioria dos sindicatos, os mais antigos e os mais recentes, terem ligação a forças políticas, é muito difícil provar que o financiamento é partidário.
Os novos protagonistas no mundo sindical estão a trazer aos protestos formas mais eficazes de fazer valer as suas reivindicações. Mas isso não é diferente do que tem acontecido um pouco por toda a Europa. “Estão a usar a criatividade para alcançar os seus objetivos” e Gonçalves da Silva ilustra com um exemplo vindo da Alemanha em que um grupo de grevistas aproveitou a ocasião para através de uma convocatória nas redes sociais, bloquear os principais supermercados simulando compras que depois nas caixas não se concretizaram. “Encheram os carrinhos de compras e desistiram no momento da compra com todo o tipo de argumentos. Em poucos minutos os principais supermercados ficaram bloqueados com o entupimento das caixas de pagamento. Foi ilegal? Não foi. Foi apenas uma forma de estender os efeitos e o prejuízo da greve”.
Capitalizar os créditos políticos Serão estes movimentos a rampa de lançamento para novos protagonistas políticos? Para já é uma incógnita. A tentativa mais recente em Portugal foi uma tentativa frustrada. Pedro Pardal Henriques, que representou os motoristas de matérias perigosas e que na altura chegou a ser associado ao MAS (Movimento Alternativa Socialista), a que também está ligado André Pestana, acabou por ser candidato nas eleições europeias nas listas do Partido Democrático Republicano (PDR) de Marinho e Pinto. A aposta não deu resultado. Não ficou provado que o protagonismo do advogado na luta dos combustíveis acabasse por dar dividendos nas urnas.
Agora fala-se no futuro político que André Pestana poderá vir a ter, aproveitando o protagonismo conseguido através da luta dos professores. Mais uma vez a candidatura às eleições europeias de 2024 está em cima da mesa. O MAS é a força política mais falada, até porque o ativista sindical abandonou o Bloco de Esquerda para se juntar ao movimento. Mas no interior do BE ainda há quem tenha esperança que o nome do líder sindical venha a integrar as listas do partido e para esse objetivo não é alheia a presença de dirigentes do BE nos protestos do STOP. Como e de que forma vai André Pestana querer capitalizar os créditos políticos alcançados nos últimos tempos, é uma pergunta que terá resposta nos próximos tempos.
Certo é que a ponte entre os representantes de certos setores profissionais e os partidos políticos é um caminho inevitável. Aconteceu no passado, com sindicalistas mais ligados aos partidos de esquerda, e começa a acontecer com ligações mais à direita, acompanhando o movimento de reorganização política que se vive em Portugal. O caso de Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros e militante social-democrata é disso um bom exemplo, com as suas intervenções em momentos estratégicos da vida partidária e, mais recentemente, com o impacto que teve uma sua visita a André Ventura na abertura de um congresso do Chega. Um momento simbólico em que a bastonária se justificou com a visita a um amigo. Visitas à parte, os líderes de novos e velhos partidos estão ávidos de poder integrar os novos protagonistas das ruas nas suas listas partidárias com vista a aumentar os seus scores eleitorais.