Banca: Risco Continua

O sistema financeiro continua ‘tremido’, apesar de o UBS ter comprado o Credit Suisse. Ainda assim, a operação terá evitado um ‘contágio contínuo aos bancos mais fragilizados’.

A estabilidade do sistema financeiro continua em estado de sobressalto. A compra do Credit Suisse por parte do rival UBS por três mil milhões de francos suíços (cerca de 3.030 milhões de euros), após intensas negociações, não parece dar tranquilidade. A somar a isso há que contar ainda com as recentes falências dos três bancos norte-americanos: Silicon Valley Bank (SVB), Silvergate Bank e Signature Bank.

Para já, o Governador do Banco de Portugal afirma que esta compra transmite «alguma confiança», acenando com a forte posição da banca nacional, que nos últimos anos diminuiu o malparado e reforçou os capitais próprios. «É muito importante perceber a relevância disto e minimizar o impacto da turbulência que se gera em torno do setor bancário na zona Euro e que não é originário da zona Euro», afirmou Mário Centeno.

Pedro Ferraz da Costa elogia a capacidade de atuação. «Foi tudo feito de uma forma rápida. Mas também revela que já se estava a analisar a situação do banco há muito tempo e, se houvesse necessidade, como houve uma grande rapidez na forma de agir», diz ao Nascer do SOL, admitindo, no entanto, que as regras de supervisão estão agora muito mais apertadas.

«É evidente que, em alturas de maior fragilidade, os bancos que já estavam com problemas ficaram piores, mas também se percebe que já estavam a ser acompanhados há bastante tempo pelo Banco Central Suíço e que estiveram, até ao último momento, para tomar decisões, até para evitar assustar os mercados».

Os números falam por si. As ações do Credit Suisse chegaram a afundar mais de 60% o pior dia em bolsa de sempre. As ações do banco com sede em Zurique chegaram a negociar nos 0,726 francos suíços, abaixo do preço acordado para a compra da instituição. Desde o início do ano, o banco liderado por Ulrich Koerner já perdeu quase três quartos do seu valor em bolsa (-73,73%). Também o UBS chegou a cair para mínimos de outubro do ano passado

A fusão entre estes gigantes da banca, que integram o clube dos 30 estabelecimentos bancários considerados de elevada dimensão para colapsarem, vem acompanhada de algumas garantias. O UBS vai beneficiar de uma garantia de nove mil milhões de francos suíços (9,11 mil milhões de euros) do governo helvético, para servir como almofada caso sejam descobertos problemas em carteiras muito específicas do Credit Suisse. Por seu lado, o banco central anunciou uma linha de liquidez que vai até 100 mil milhões de francos suíços (102 mil milhões de euros) para o UBS e o Credit Suisse.

Ferraz da Costa não se mostra surpreendido que tenha sido o rival UBS a ‘salvar’ o monstro financeiro. «O que achei surpreendente foi as autoridades mundiais acharem que o mundo podia viver com taxas de juros negativas ou iguais a zero. A grande dificuldade sempre foi como é que se iria sair desta situação, porque já se sabia que quanto mais tempo as taxas estivessem baixas e quanto mais tempo se demorasse a tomar decisões com base em taxas de juros baixíssimas, maior seria o choque quando voltassem a normalizar».

 

‘Não descartar riscos’

Apesar de admitir que a situação do Credit Suisse está mais estabilizada após a sua aquisição, Vítor Madeira, analista da XTB, defende que «não devemos descartar os riscos para outras instituições bancárias que estejam também numa situação delicada». O analista lembra que «as obrigações AT1 – ou obrigações contingentes convertíveis em capital, conhecidas por Cocos – foram liquidadas e isso ainda está a deixar alguns investidores enervados, tanto que já há processos a chegar à justiça».

Quanto ao futuro, afirma: «Podemos esperar mais cautela por parte das instituições bancárias e os bancos centrais mais atentos e interventivos». E acrescenta: «Vimos vários bancos a falir e vimos os bancos centrais a intervir para acalmar a situação».

Já em relação ao número de trabalhadores que poderá dispensar depois da compra ­ – estima-se uma perda de 40 mil trabalhadores, tantos como os da banca portuguesa­ – o analista diz que as contas não podem ser feitas assim. «Não devemos ver isso dessa forma, é normal que quando uma empresa se reestrutura ou entra em insolvência os seus trabalhadores terão também que se reajustar e poderão ser penalizados. Isso aconteceu imensas vezes ao longo da história e sabemos que hoje em dia o mercado de trabalho é dinâmico. Em simultâneo não quer dizer que esses trabalhadores não possam ser adquiridos por outros bancos ou mesmo pelo UBS na sua fusão».

 

Solução inevitável?

Henrique Tomé, analista da XTB, lembra que há vários anos que o Credit Suisse enfrenta dificuldades e as dúvidas à volta da saúde financeira do banco agravaram-se com a falência dos bancos regionais nos EUA. «Não diria que era inevitável, pois poderia haver alternativas à aquisição por parte do UBS. Por outro lado, há vários anos que já havia indícios de que o banco precisava de facto de apoio. A aquisição do UBS do banco poderá ajudar a restruturar o banco a médio e longo prazo».

Já Mário Martins, analista da ActivTrades, não se mostra surpreendido com esta ‘morte anunciada’. «Foi um desfecho esperado, dados os problemas do banco e a dificuldade em garantir reforço de capital», defende, lembrando que «a ‘crise’ do Credit Suisse já existia, apenas ocorreu o capítulo final numa estrutura da organização que poucas possibilidades tinha para sobreviver». Ainda assim, acredita que «o sistema financeiro não deverá ser afetado por este caso, até porque já foi resolvido pelas entidades reguladoras suíças».

E, tal como Ferraz da Costa, aplaude os instrumentos de salvaguarda por parte do Banco Central Europeu para conter qualquer possibilidade de contágio: «Hoje são muito mais expeditos e eficazes do que os que existiam na crise bancária anterior».

Uma opinião partilhada por Paulo Rosa. O economista do Banco Carregosa alerta ainda assim para os riscos: «A atempada atuação dos bancos centrais, sobretudo do Banco Nacional da Suíça no caso bancário helvético, afastou o pior cenário de um contágio contínuo aos bancos mais fragilizados, evitando o colapso do Credit Suisse. Entretanto, os credit default swaps do UBS, um espécie de proteção/seguro contra a falência de uma instituição, têm aumentado nos últimos dias, ainda que ligeiramente, mas corroborando que os receios ainda não foram totalmente afastados», refere ao nosso jornal.

E lembra que a recente subida das taxas de juro por parte do BCE e da Fed mostram que os bancos centrais estão otimistas quando à evolução favorável dos bancos nos próximos tempos, afastando o cenário de um agravamento da situação bancária. «Caso o problema fosse suficientemente grave, os bancos centrais não subiriam as taxas de juro, bem pelo contrário, estariam a descê-las, tentando mitigar a crise bancária. Mais importante que o controlo da inflação é a estabilidade do sistema bancário. Uma corrida aos bancos e o descrédito no sistema bancário é muito pior do que qualquer inflação demasiadamente elevada».

E, face a este cenário, acredita que é provável que a atual conjuntura bancária melhore gradualmente, passando o centro das preocupações a focar-se cada vez mais no crescimento económico, reconhecendo que a falência do SVB espoletou uma transferência de liquidez dos bancos mais vulneráveis para os bancos mais robustos, «um efeito contágio que debilitou ainda mais os bancos mais fragilizados», daí a Reserva Federal norte-americana ter aumentado as reservas bancárias em 440 mil milhões de dólares na semana passada e o BCE reiterado «a resiliência» do sistema bancário europeu, referindo que «o problema bancário vai sendo mitigado, mas uma eventual recessão económica, nomeadamente nos EUA, poderá acontecer mais cedo do que o previsto, perante a crescente escassez de liquidez».

 

Horta Osório ‘saiu a tempo’

O banqueiro português que liderou o gigante financeiro entre abril de 2021 e janeiro de 2022 conseguiu ‘escapar’ da queda das ações – que comprou por dois milhões ­– ao ter alienado todos os títulos ainda no passado. Já quanto a eventuais responsabilidades sobre o estado do banco, Mário Martins diz apenas que «tentou limpar o banco dos problemas e restaurar a sua credibilidade, mas foi uma batalha inglória, até porque teve de enfrentar resistências à mudança, a sua saída foi inevitável, atempada e benéfica para ele».

Já Henrique Tomé não acredita que a saída de Horta Osório esteja relacionada com esta situação vivida pelo Credit Suisse. «A saída do anterior CEO do banco deveu-se ao incumprimento, na altura, das restrições à covid-19. Por outro lado, a cultura da empresa também deve ter contribuído para a saída de Horta Osório, dado que os suíços não têm a cultura (e não gostam) que cargos de topo sejam ocupados por estrangeiros».