Nos últimos dias foi prometido uma ‘revolução’ no preços dos produtos, com o Governo a negociar com os distribuidores e produtores. Sente que os consumidores poderão suspirar de alívio?
É preciso ter cuidado com a expectativa que se está a criar relativamente à descida dos preços e não é só com este pacote. É importante para a produção, mas face àquilo que é o valor e o custo da produção nacional é uma pequeníssima parte e – o IVA que é uma coisa mais substancial –, mesmo que vá fazer compras no valor de 20 euros vai pagar menos 1,20 euros.
Mas as pessoas estão com uma expectativa maior?
O problema é que anda aqui uma grande expectativa em relação à redução de preços, o que é natural porque as pessoas estão com mais dificuldades e isso sente-se quando vão ao supermercado, porque os produtos estão mais caros. Mas temo que se tenha criado uma expectativa muito grande relativamente ao impacto que realmente vai ter nos preços. Apesar de esta ajuda na ordem dos 200 milhões de euros já vir tarde acaba por ser importante para a produção. No entanto, não nos podemos esquecer que a inflação no cabaz alimentar foi de 20%, mas a inflação no setor agrícola relativa aos custos de produção foi de 36%.
Tem-se falado muito no oportunismo tanto da distribuição como da produção…
Criticam os produtores, depois os produtores queixam-se dos transformadores, os transformadores queixam-se de toda a gente, mas a verdade é que na produção – só falo sobre aquilo que é a minha parte – os custos aumentaram devido à inflação em 36%. Então os adubos aumentaram 150%, claro que os produtos não vão aumentar 150%, mas depois o gasóleo aumentou 60 ou 70. É claro que estes apoios vão minimizar e dar uma ajuda, mas está-se a criar uma expectativa muito grande quanto a esta baixa dos preços, mesmo com o IVA. Uma pessoa que vá gastar 100 euros no cabaz alimentar poupa 6 euros e paga 94 euros. Estas ajudas já os espanhóis as deram há um ano.
Até à semana passada, o Governo achava que não era prioritário e que não acreditava no seu impacto…
Nunca acham que é grande coisa e o que estão a fazer é grande coisa?
Acha que o Governo foi pressionado?
O Governo começou por dizer que não baixava o IVA, porque não teria impacto nenhum, mas depois acaba por baixar, quando já o devia ter feito há mais tempo. E dizerem que esta questão não tem impacto nenhum não é verdade. Em Espanha, a inflação subiu menos quatro pontos por causa do cabaz. Também é verdade que as pessoas estão à espera que seja uma grande descida. Se for comprar uma coisa que custe 10 euros, a diferença será de 60 cêntimos e existe a ideia que chega ao supermercado com os mesmos cem euros e vai pagar menos 20 ou 30 euros, não é verdade. Mas é claro que é importante para o setor, se não o fosse também não o fazíamos. Mas não podemos esquecer que o INE divulgou os dados de 2022 e a quebra do rendimento do setor agrícola foi de 12%. Por isso, não é no setor agrícola que ficam as margens, isso já veio dizer o dono do Pingo Doce e é válido para todos os negócios, para os produtos serem baratos no fim também têm de começar com um preço reduzido no princípio e isso não é possível. Todas as coisas aumentaram muito e a culpa é de Putin. Há também alguns produtores que acusam os intermediários de ficarem com o dinheiro, mas o produtor esquece-se que quando vende batatas a 40 cêntimos, as batatas vão para uma central, as pequeninas são atiradas fora, depois são lavadas, embaladas, transportadas e quando vendem ao supermercado já não são vendidas a 40 cêntimos porque ao pagar estes custos tem de vender a 60 ou 70 cêntimos. Não há milagres.
Há quem critique a atuação do Governo nesta matéria, dizendo que está a ter uma atitude paternalista…
Mais do que paternalista. São medidas que o Governo toma para ganhar popularidade, pensam mais nisso no que na sua efetividade. E como se diz no futebol estão a correr atrás do prejuízo. Todos os países, Espanha, Polónia, entre outros, diminuíram no IVA no ano passado.
Já peca por ser tardia…
Entretanto entraram nos cofres mais sete mil milhões só em IVA e agora dão aos produtores uma compensação, mas não é com isso que as pessoas vão notar essa reposição dos preços como estava. Vamos ser honestos. Nesta equação toda quem ganhou mais dinheiro foi o Estado com o IVA. A distribuição não é nenhuma santinha, mas os políticos deram à distribuição uma dimensão de que é sempre difícil negociar com eles, porque as quatro insígnias da distribuição são 70% das vendas em Portugal. É sempre difícil equilibrar essa questão e aí é que o Estado tem de estar vigilante porque não é possível fazer uma negociação equilibrada com esta diferença de dimensão. Fora isso anda-se à procura do culpado e não à procura da solução.
E se for a feiras ou mercados, os preços poderão ser diferentes?
A diferença também não é muito grande. Como é que uma feira ou um mercado consegue ter preços muitos mais baixos? Ou o produto não tem o mesmo tratamento ou a mesma qualidade ou então não consegue praticar preços muitos mais baixos. Só se a venda for feita diretamente através do produtor, mas mesmo quando vende diretamente a preços mais baixos ou não lavou as batatas ou não meteu na saca.
O que diz do Observatório de Preços da cadeia alimentar criado pelo Governo?
Esse Observatório já foi anunciado no ano passado em maio, foi criada a legislação em outubro e nunca funcionou. O problema não é o Observatório, o problema é haver força política do Observatório para manter esse equilíbrio nos elos da cadeia. Posso-lhe dar uma faca belíssima para escalar um peixe, mas se não for capaz de o fazer para que é que lhe serve a faca? Para que é que serve um Observatório numa estrutura em que não há força política, nem há vontade de o fazer? Não serve para nada.
A ministra da Agricultura ficou fora deste processo?
A incompetência da ministra não passou de sexta para segunda-feira, mantém-se na mesma. Todas as negociações foram feitas diretamente com o gabinete do primeiro-ministro. Ela não conta para nada, nem para eles conta, quanto mais para o setor. Alguma vez temos uma ministra da Agricultura? Não há, o Ministério é suposto defender o setor, apoiar o setor, ela não faz isso. Cada vez que há um problema está calada. Já nem no acordo de concertação quando se negociou os 10 cêntimos por litro por gasóleo ela lá estava e agora nesta negociação também não, nem aceitávamos. Não faz parte da solução, nem nunca fez. É inexistente. E isso é grave para o setor.
E as manifestações vão-se mantendo…
Com certeza. Os problemas não ficaram resolvidos. Assinar este acordo é uma ajuda face ao aumento dos fatores de produção, mas os outros problemas mantêm-se. Ela não é capaz de resolver nada, como se vê. Andamos há dois anos e tal nisto.