Os preços dos produtos alimentares continuam a subir e o Governo corre agora atrás do prejuízo ao reduzir – ainda que temporariamente – o IVA dos produtos alimentares considerados essenciais. A medida, ainda que bem vista por muitos, fez com que outros tantos torcessem o nariz. Mas o que virá daqui para a frente? Os preços vão mesmo baixar?
Na assinatura do acordo que prevê a baixa do IVA, Gonçalo Lobo Xavier, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) garantiu que este é um “dia feliz para os portugueses” e que a medida pode ser “útil para combater a inflação e melhorar a vida dos portugueses”, lembrando que “não chega apenas baixar o IVA, é preciso apoiar a produção nacional”. Mas, na sua opinião, é claro que esta medida e os apoios à produção vão “ajudar com certeza a que os preços baixem sustentadamente”.
O responsável já veio admitir que não estamos perante a redução de 44 produtos, mas de centenas que serão abrangidos por este medida. Ao mesmo tempo, acena com a garantia de que os retalhistas “vão continuar a reforçar as promoções para termos cada vez mais preços mais baratos e acessíveis”. E avançou ainda que os valores “não descem amanhã”, mas quando “estiverem publicados os diplomas. Em 15 dias retalho alimentar estará pronto para assumir as suas responsabilidades”, lembrando que “estas coisas são morosas, não é num estalar de dedos” e que essa redução passou por “aquilo que tinha sido pedido e solicitado”.
Gonçalo Lobo Xavier fez questão de lembrar que a distribuição já tinha sugerido e trabalhado com o Governo em setembro do ano passado, no que diz respeito a esta “medida útil para o combate à inflação”. E acrescentou: “Na altura não foi possível fazê-lo. Foi uma decisão política, que em boa hora é corrigida para uma evolução natural de combate à inflação a que todos somos chamados”, acrescentou.
O responsável disse ainda que “sempre defendemos que não chegava apenas baixar o IVA; era preciso apoiar a produção nacional. Porque os preços têm aumentado em toda a cadeia. A conjugação da baixa do IVA e dos apoios à produção vai ajudar a que os preços baixem sustentadamente, assim o mercado ajude. Continuamos no setor a lutar pelos preços baixos, pela concorrência séria e transparente”.
‘Preços não vão regressar aos níveis antes da pandemia’
A Unimark não tem dúvidas: “Os preços não irão regressar aos níveis anteriores à pandemia”. E, ao i, explica porquê: “Além de se prever que a guerra na Ucrânia, esteja para durar e com o risco de incluir mais países, os preços dificilmente poderão recuperar os valores antes do conflito”. Mas defende que “a economia irá certamente recuperar” e que “apesar das subidas dos salários não acompanharem integralmente a inflação as famílias irão terão os seus rendimentos melhorados. E a prazo, pelo menos recuperarão o poder de compra”.
Questionada sobre as principais razões para os produtos continuarem com preços tão altos, a Unimark explica que “além dos preços da energia e dos combustíveis, outros fatores influenciam os custos dos bens e serviços”, lembrando que os preços das matérias-primas “que, com a alteração das fontes de abastecimento, nomeadamente noutros continentes, estão a incorporar custos de logística mais altos”. Mas diz que, apesar das limitações referidas “os custos de mão de obra também não descerão e são relevantes na maior parte dos setores económicos”. É que, garante, “a grande maioria destas situações é irreversível e terá de ser tida em conta nos desenvolvimentos futuros da economia”.
As críticas surgem de todos os lados e os portugueses são claros ao garantir que já não têm carteira para aceder a todos os produtos. Sobre essa crítica, a Unimark diz que “como é natural a perda de poder de compra, agravada pelas subidas das taxas de juro, com forte impacto nas pessoas (e nas empresas), em particular nas prestações relacionadas com a habitação, levam a centrar e atribuir as críticas quer à especulação quer injustamente ao comércio”.
Mas o Governo prometeu a entrada do Observatório dos Preços. Como é que a Unimark vê esta medida? “Precisamente para ver se há setores que podem ter ganhos eticamente condenáveis com a crise, o Observatório de preços é insuficiente”, lembrando que a associação e a confederação do setor, ADIPA e CCP, “têm defendido a necessidade de haver um acompanhamento de toda a cadeia de valor para que os consumidores compreendam quais na cadeia de valor, produção, industria ou comércio que mais vantagens está a ter”, diz ao nosso jornal.
A verdade é que os lucros das grandes empresas de distribuição têm crescido. Apesar de admitir que muitos dos lucros da Jerónimo Martins se devem à inflação, Pedro Soares dos Santos defendeu ainda que a redução do IVA é possível mas, para isso, o Governo tem que ser honesto. E acusou o Ministério da Economia de “denegrir a imagem do setor”.
Já a CEO do grupo Sonae, Cláudia Azevedo, chegou a dizer que “tentar fixar preços dá sempre mau resultado: um produtor português que tem de melhorar os seus fatores de produção não vai querer vender a uma cadeia portuguesa com os preços fixos. Vai vender para fora. Um produtor estrangeiro não vai vender a Portugal com margens tão baixas. O resultado final de uma política dessas é ter as prateleiras vazias. Isso ninguém quer”.
E o Observatório dos Preços?
Antes da ideia de avançar com a redução do IVA, o Governo já tinha avançado com o Observatório dos Preços (OP) que tem como objetivo garantir que o consumidor paga um preço justo pelos bens alimentares. Ao nosso jornal, o Ministério da Agricultura já tinha explicado como vai funcionar este mecanismo e quais as fases a ser implementado. “O Governo acompanha com toda a atenção a evolução dos mercados, estando disponível, como é público, para a todo o momento avaliar e decidir em função da realidade concreta e de acordo com os instrumentos de política publica disponíveis, de forma a garantir os direitos dos consumidores, bem como dos produtores, distribuição, retalho e comercialização”, avança, acrescentando que não vai deixar de procurar “em cooperação com todos os agentes da cadeia agroalimentar soluções que mitiguem os efeitos do conjunto de crises que sucessivamente temos, enquanto comunidade, enfrentado”.
O ministério liderado por Maria do Céu Antunes lembra que este mecanismo “está em funcionamento desde outubro de 2022”, trabalhando, além do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas (SIMA), com dados da Rede de Informação de Contabilidades Agrícolas (RICA), do Instituto Nacional de Estatística (INE), do Eurostat e da DOCAPESCA. E avança que está “neste momento em fase de finalização o concurso internacional para aquisição de informação sobre preços no consumidor, dos últimos três anos”, lembrando que o objetivo “de monitorizar a transmissão dos preços ao longo da cadeia, através do alargamento do âmbito da recolha e divulgação dos dados, deverá proporcionar aos intervenientes no mercado uma melhor compreensão do funcionamento da cadeia de abastecimento, melhorando assim o seu desempenho global”.
Revela ainda que durante o período em que o mecanismo esteve em funcionamento foi “possível analisar a tendência de evolução dos preços praticados na produção, informação que também serviu de suporte à decisão política de orientar cerca de 80 milhões de euros de apoios em medidas excecionais, para mitigar os efeitos das sucessivas crises que a agricultura nacional e os agricultores tem enfrentado, nomeadamente dos efeitos da guerra na Ucrânia”.
Concluída que está a primeira fase da criação do OP, “previsivelmente a segunda (aquisição de informação de preços no consumidor ao longo dos últimos 3 anos) e a terceira fase (análise da cadeia de valor nas fileiras) estarão concluídas em abril, a segunda fase, e em junho (no limite de todos os prazos) a terceira fase”, acrescenta, lembrando que com base na informação produzida e publicada pelo OP será definido, até ao final do ano, “um conjunto de boas práticas que dará lugar à atribuição de um Selo de Adesão que acompanha a venda do produto ao consumidor final, que garante que ao longo da cadeia ninguém foi prejudicado”.