A medida de IVA 0% já foi aprovada. Vai mesmo permitir que os portugueses poupem alguma coisa?
A medida foi pensada e negociada com o Governo para ter efeito no bolso dos portugueses. Dizer que a redução do IVA são uns cêntimos, acho que também não é inteiramente correto, principalmente se pensarmos que vai estar em vigor por seis meses. Seis meses de poupança de IVA a 0%, já representa um valor que qualquer pessoa sensata acha considerável. Antes de se começar a dizer que são uns cêntimos é preciso ter respeito por uma medida que vai ter um impacto no orçamento do país e que, tudo somado, vai representar uma poupança para os consumidores. Para todos os consumidores, mas sobretudo para quem está a sofrer mais com a inflação. Vai ter um efeito não proporcional, mas interessante. Já tínhamos defendido que isto podia ser uma ideia interessante para o consumidor. Em agosto e setembro do ano passado, nas conversações que tínhamos com o Governo, já tínhamos prestado toda a informação para que o Governo pudesse tomar a decisão. O Governo na altura não quis tomar a decisão política, não quis abdicar dessa receita, agora entendeu que era aceitável e faz também todo o superavit orçamental da receita fiscal. Parece-nos uma medida adequada e que vai ter impacto. Em paralelo com esta medida, o que a APED defendeu e, felizmente, foi bem-sucedida e esteve ao lado da CAP nesta luta, foi que os preços dos bens têm aumentado e há uma razão específica e clara para isso. Não foi a distribuição que aumentou os preços porque entendeu, foi toda a cadeia de valor que foi sendo impactada nos últimos meses por um crescimento do custo dos fatores de produção. Esta medida da redução do IVA, conjugada com apoios que a APED defendeu – e a CAP, naturalmente – junto da produção, vai ajudar a mitigar os efeitos nocivos da inflação e dos efeitos dos custos.
O Governo aceitou a medida, mas tinha rejeitado até então. Cedeu à pressão?
Não diria que cedeu à pressão. Acho que o Governo percebeu o erro que estava a fazer, o erro de ter lançado, através do ministro da Economia e do secretário de Estado da Economia, algumas declarações que foram alarmantes e que foram danosas para a reputação do retalho alimentar e concretamente dos hipermercados e dos supermercados. Percebeu que isso tinha sido um erro de comunicação e quis estudar melhor e perceber que toda a cadeia estava a ser impactada e que algo tinha que ser feito para bem dos consumidores e para bem do funcionamento de toda cadeia de distribuição.
É fácil aplicar esta medida? Não está tudo automatizado?
Por isso é que pedimos que, depois de publicado em diploma, só entre em vigor 15 dias depois. Vai ter de haver uma data específica, um dia zero, para todos os operadores alterarem as referências. Não nos podemos esquecer que não são 44 produtos, são 44 categorias de produtos, o que significa que são milhares de produtos em certas lojas. É preciso adaptar os sistemas informáticos e isso não se faz carregando num botão. Envolve muito trabalho técnico e, depois, envolve muito trabalho operacional, na loja, com a mudança das etiquetas, da informação, para que o consumidor consiga identificar o cabaz e os bens facilmente. 15 dias, do ponto de vista operacional são suficientes, mas são o mínimo para que não haja falhas.
Existiu alguma contrapartida?
A contrapartida foi visível no discurso do primeiro-ministro. Foi corrigir a imagem que tinha sido lançada pelo Governo de que os únicos responsáveis pelo aumento dos preços era a distribuição. Claramente o Governo corrigiu isso. É evidente que o dano foi enorme nas nossas empresas, mas corrigiu e admitiu que tinha errado. Isso não foi propriamente uma moeda de troca, foi a assunção de que o Governo tinha errado e estava a corrigir algo que foi, para nós, muito complicado de gerir. Lembro que a única coisa que, se quiser, do ponto de vista negocial, é que quisemos garantir que a produção tinha os apoios necessários para ajudar a combater a inflação e garantir também a legalidade do acordo. Ninguém pode dizer que os preços vão baixar ou estagnar, o que se pode é, em conjunto, trabalhar para mitigar os efeitos do aumento dos custos dos fatores de produção e isso está revertido para o documento e é isso que vamos fazer. Agora é tempo de tratar das questões operacionais e esperar que os apoios à produção produzam efeitos no curto e médio prazo.
Disse que concordava que os produtos fossem tabelados. Porque não?
Não se pode, é ilegal. Não se podem tabelar produtos, não se podem concertar preços. A Autoridade da Concorrência não permite isso, nem podemos fazer isso. Para além de ser ilegal, qualquer tentativa é contrária à ideia que pode beneficiar o consumidor. O que beneficia o consumidor é a enorme concorrência que existe entre as empresas de quererem todas ganhar clientes, não perder clientes e, no final do dia, oferecer os preços mais baixos para que nada falte.
Os supermercados não se podem aproveitar e subirem os preços?
Acho que não porque, repito, estas empresas são sérias, são empresas que estão em Portugal há muitos anos, algumas são centenárias e querem continuar a operar por muitos mais anos. São empresas que têm, no seu todo, 95 mil pessoas a trabalhar e estas pessoas têm sofrido bastante, têm sido ofendidas e são o nosso principal ativo. Não está na natureza das nossas empresas – nem nunca esteve – aproveitarmo-nos de uma situação inflacionária. E, portanto, as empresas vão continuar a fazer um esforço para reforçar as campanhas e a promoção destes produtos e vão cumprir, na íntegra, a legislação aplicada com esta descida do IVA.
Mas há uma comissão de acompanhamento…
Há uma comissão de acompanhamento que não é só para a distribuição. Há uma comissão de acompanhamento para estar ao lado da produção agrícola, indústria e da distribuição para identificar se a utilização dos recursos financeiros estão a ser aplicados na produção agrícola nacional e para verificar, em toda a cadeia, o cumprimento do acordo. Nada de extraordinário e estamos muito confortáveis com isso.
Como vê as críticas da oposição, que se estendem ao consumidor…
Isso são críticas ao Governo e a APED não faz comentários sobre política partidária.
Os preços podem alguma vez voltar aos níveis de antes da guerra ou da pandemia?
Estamos a ver que, devagar mas de forma consistente, no último mês e meio, a inflação tem estabilizado ou descido. Estamos a ver que alguns custos que provocaram este distúrbio em todo o mercado também têm estabilizado ou descido. Casos da energia, transportes, fertilizantes…. Diria que dificilmente estes produtos irão baixar para esses níveis, mas seguramente a batalha agora é, por um lado, evitar que subam mais e que o mercado funcione e que, de alguma forma, se consiga mitigar este crescimento dos preços. Mas ainda vamos ter alguns meses de sofrimento. Infelizmente, a guerra está longe de terminar e este desajustamento ainda pode continuar mais uns tempos, mas é com medidas destas que se conseguem mitigar estes efeitos.
Há quem diga que daqui a uns tempos esta redução não dará em nada…
Também vemos muita opinião publicada a dizer que em Espanha não resultou. E isso é uma análise errada, injusta e de quem não avaliou ou não estudou bem o que se está a passar porque o próprio banco de Nacional de Espanha já está a afirmar que, numa série mais longa, já se nota que os preços estão a baixar, a ser mitigados e que a redução do IVA está a ter um efeito na economia. O que aconselharia é alguma prudência na forma como se estão a avaliar estas coisas e, sobretudo, seriedade. Tem de haver seriedade nesta análise. Numa série mais longa isto vai ter um efeito positivo na vida das pessoas.
Mas as grandes cadeias continuam a ter grandes lucros…
Tenho alguma dificuldade em perceber essa observação. Todas as empresas anseiam por ter resultados positivos. Não entendemos que os resultados sejam proporcionais a lucros extraordinários. O que há é investimento, aberturas de mais lojas, mais emprego a ser criado e, para termos este tipo de empresas a criar mais emprego, a distribuírem mais riqueza e a pagarem mais têm de ter resultados sustentáveis. A retórica de que as empresas têm lucros a mais é uma retórica que temos dificuldade em perceber até porque, quando normalmente se referem a estas empresas, esquecem-se que a sua rentabilidade está espelhada em vários relatórios e até pelo próprio Banco de Portugal, que tem vindo a diminuir. Temos dificuldade em entender como é que se faz uma análise com tão pouca objetividade, como é que se faz este tipo de observações e não se olha para a riqueza que estas empresas criam através dos seus impostos, através do emprego que criam, através do investimento que continuam a fazer em Portugal.
Têm sido o bode expiatório?
Acho que fomos usados para afastar a opinião pública de alguns problemas reais do país. Isso foi dito ao Governo e achamos que este pacto resulta disto e que o Governo quis emendar à mão, corrigindo essa injustiça. Mas a verdade é que o dano foi feito e fomos usados para distrair a opinião pública dos assuntos sérios e isso deixou-nos muito desconfortáveis. Ainda bem que chegámos a um acordo e esperamos que com isto seja reposta a verdade e os consumidores percebam que possam confiar nas empresas. A distribuição, em Portugal, tem sido sempre uma referência para os consumidores portugueses. Repito, somos exatamente as mesmas empresas que eram identificadas pelos portugueses durante a pandemia como empresas sérias e que os ajudaram num período tão complicado das nossas vidas. Os portugueses sabem e confiam nas nossas empresas e não adianta tentar lançar cortinas de fumo ou lançarmo-nos uns contra os outros dentro da cadeia de valor, porque estaremos sempre a precisar da produção, a produção precisa de nós e a indústria agroalimentar precisa de nós tanto quanto a produção e distribuição. A cadeia funciona, os vários operadores – seja no retalho, seja na indústria, seja na produção – estão a funcionar e estão com vontade de cumprir os seus objetivos com empresas saudáveis, fortes, sustentáveis do ponto de vista financeiro e ambiental. Vamos continuar a fazer o nosso trabalho assim nos deixem e assim o Governo cumpra a sua parte.
E como veem a criação do Observatório dos Preços?
Temos de esperar para perceber. A ministra da Agricultura, na reunião da PARCA referiu que, nos próximos dias, iríamos ser chamados para falar sobre o assunto e aguardamos para perceber o que poderá resultar daqui.
E o imposto sobre os lucros extraordinários? Nunca mais se falou, o que está a causar este impasse?
Acho que as empresas estão a fazer o seu papel que é apresentar as suas contas e os seus resultados. E estão a aguardar serenamente os próximos passos. É da responsabilidade do Estado e da Autoridade Tributária esse tema. A APED não conhece quais são os trâmites e os próximos passos.