Vila de Cima e Vila de Baixo (parte 2)

Nova Iorque, março 2023

por Pedro Ramos

Queridas Filhas,

Na Vila de Cima Manuel Humilde, conhecido como Nelo, seguiu uma filosofia diferente de Xico Iluminado de Vila de Baixo. Na sua vida liderando empresas e organizações locais, Nelo impressionou-se na capacidade de equipas se superarem na procura de um sonho de um futuro melhor. Para Nelo, o maior centro de energia de Vila de Cima era a sua população. A sua prioridade foi despertar e aumentar o brilho dos olhos dos sonhadores, empreendedores e construtores de Vila de Cima.

Na primeira semana, Nelo lançou um concurso para escolher o parque e rua onde se organizariam as festas populares anuais. Seria no parque e rua com melhores notas atribuídas por um júri independente que visitaria Vila de Cima no próximo trimestre, um mês antes das festas. Cada vizinhança organizou-se para tentar ganhar. Grupos de vizinhos recolheram o lixo, arranjaram as plantas, retiraram os graffitis e concertaram os bancos para tentar ganhar. Muitos reformados, que pouco saiam de casa e socializavam, ajudaram no projeto e fizeram novos amigos. Todos os parques e vizinhanças se tornaram agradáveis e mais pessoas aproveitavam os dias de sol para aí descansar e socializar. Entretanto, Nelo conseguiu reduzir o número de empregados necessárias para os jardins e manutenção local. Isso permitiu realocá-los para outras funções municipais substituindo trabalhadores que se reformaram.

Estas poupanças deram opções a Nelo. Metade foram alocadas a reduzir a contribuição autárquica. A outra metade foi usada para eletrificar e limpar um edifício municipal em ruínas há alguns anos. Nelo anunciou que novas empresas poderiam usar gratuitamente espaço nesse edifício para perseguir as suas ideias. Empreendedores talentosos de Vila de Cima e de outras Vilas das redondezas aproveitaram estas condições e abriram empresas. Algumas foram falhando e sendo substituídas por outros projetos. Outras tiveram sucesso e começaram a recrutar mais pessoas. Muitas destas vieram de fora de Vila de Cima e algumas mudaram-se e compraram casas na Vila. A forte procura de espaço levou a abertura de novas ruas em Vila de Cima e construção de novos prédios e moradias.

Os novos habitantes e as novas empresas aumentaram significativamente as receitas de Vila de Cima. Nelo usou parte destas para manter os novos espaços e reabilitar mais prédios municipais em ruínas, e também para reduzir as contribuições autárquicas.

Nesta altura, as contribuições autárquicas de Vila de Cima eram já bastante inferiores que as dos outros municípios da região. As contribuições autárquicas de Vila de Baixo eram agora o dobro das de Vila de Cima, e continuavam a subir com os projetos públicos de Xico Iluminado. Em resposta, muitas famílias de Vila de Baixo, iam-se mudando para Vila de Cima, começando pelas mais jovens.

Uma tempestade rara, trouxe inundações calamitosas para Vila de Cima e Vila de Baixo. Os Bombeiros de Vila de Cima rapidamente restauraram a ordem pública e salvaram as pessoas mais afetadas. Por precaução, Nelo contratou temporariamente vários peritos de proteção civil e de reconstrução, e depois de terem reposto a normalidade em Vila de Cima, Nelo ofereceu-os a titulo gratuito a Vila de Baixo.

Seguindo o exemplo de Nelo, e na sequência da cultura de serviço público e cidadania que se instalava em Vila de Cima, os negócios locais organizaram uma coleta a favor dos que mais tinham perdido nas inundações. Curiosamente, os novos negócios, lançados nas ruínas recuperadas por Nelo foram os que mais dinheiro contribuíram.

A energia humana de Vila de Cima começava a ser elogiada a nível nacional. Líderes partidários começaram a aparecer nas festas municipais para se associarem aos sucessos locais. Após eleições legislativas, Nelo foi convidado para se juntar ao Governo. Surpreso com a honra, Nelo tristemente teve que declinar: «O meu maior erro, foi no meio de tanto projeto não ter treinado e desenvolvido um bom grupo de sucessores». Nelo mostrou-se disponível para servir o país assim que o seu erro fosse reparado.

Nelo elevou 4 dos seus colaboradores mais próximos para o grupo de gestão municipal. Durante dois anos, estes colaboradores rodaram entre si assumindo funções plenas de presidente da câmara, com Nelo do seu lado como chefe de gabinete para corrigir e dar feedback em algo que lhe parecesse menos correto. Findo esse período, Nelo integrou o governo nacional e nomeou o seu sucessor.

No Governo, Nelo substituiu Xico iluminado que saiu desgastado depois de má gestão do seu ministério composta pelas notícias do declínio de Vila de Baixo. A lealdade partidária de Xico foi recompensada, e ele foi aconselhado a assumir um cargo em Bruxelas durante uns anos de forma a reabilitar a sua imagem. Um dos discípulos de Nelo foi eleito presidente da Câmara em Vila de Cima e outro em Vila de Baixo. Os restantes discípulos lançaram projetos empresariais próprios.

Como ministro, Nelo sentia saudades dos tempos de Vila de Cima. E interrogava-se no que seria possível se 10 milhões de portugueses acordassem com um brilho nos olhos todos os dias. Mas ninguém no Conselho de Ministros queria falar disso. O primeiro-ministro preocupava-se com uma carreira na União Europeia. E os ministros ocupavam-se em contar espingardas para ascender a primeiro-ministro…

{relacionados}