Foi uma verdade escondida a de que, em situação de inflação, o maior ganhador é o Governo através do aumento da receita fiscal.
Comprovou-se agora quando se analisou a diferença entre a receita fiscal e a despesa de 2022.
Não se diga que o Governo não imaginava tal coisa. Era obrigatório saber do princípio geral, era inadmissível não se dar conta da evolução da receita.
E saliente-se que tomou uma particular medida quanto ao problema dos combustíveis.
Portanto, quanto ao mais, apenas quis adiar o obviamente necessário.
Embora o ministro das Finanças tenha afirmado, em tempo, que não permitiria o controle da inflação feito à custa dos portugueses, foi isso mesmo que fez.
Os preços de bens essenciais subiram porque não houve apoio à produção e o preço no consumidor aumentou por incapacidade de intervir.
Claro que o problema tinha sido suscitado, que outros países foram mais lestos.
A posição do governo foi, de ordinário, a negação.
Subir os salários, não, por receio da espiral inflacionista.
Diminuir ou zerar impostos, não, por previsão que o imposto viesse a ser consumido pelo aumento do bem.
Foram negativas claras, não insinuaram a possibilidade de encontrar soluções aplicáveis com sucesso.
Afinal, não há verdades eternas.
Os funcionários públicos tiveram um pequeno aumento, o IVA de alguns produtos alimentares foi anunciado que será zero.
Logo, havia outras soluções, havia espaço para a criatividade, havia lugar a acordos, controle e equilíbrio.
O grande espetáculo do anúncio de hoje tendeu a fazer esquecer a insensibilidade.
Ao longo do tempo em que tudo aconteceu e os portugueses se viram a braços com a dificuldade das suas vidas, o governo desempenhou a figura do pensador de Rodin, do negacionismo de Schopenhauer.
Os portugueses foram pagando e suportando e suportando e pagando.
É certo que existiram alguns apoios esparsos àqueles mais débeis.
Mas os outros, os outros muitos que pagam impostos sobre o rendimento e contam os tostões no fim do mês ficaram esquecidos.
Talvez ninguém se lembre que o Estado, o tal Estado, paga porque distribui o rendimento que recebe.
De quem?
De quem paga impostos e sofre a inflação que lhe come o valor dos seus proventos.
Tirando os poucos que muito têm, é a classe média que paga mais. Até que se canse e desista e se revolte.
São todos aqueles que têm perdido rendimentos ao longo dos últimos anos e poder de compra no último.
O Governo sabe não serem discrepâncias entre poderes que mais o fragilizam.
Sabe, também, que as oposições ainda não têm força suficiente.
Sabe que a utilização dos partidos emergentes à direita enfraquece a alternativa.
A verdadeira força é a daqueles que na sua casa não encontram soluções para as suas dificuldades e no governo não divisam respostas.
De habilidade em habilidade, de anúncio em anúncio, de dois passos atrás e um à frente, a recusa sobe nas sondagens.
A situação atual tende a ser a de que a maioria sabe o que não quer mas ainda não escolheu a saída.
Daqui a um mês poderão ter alimentos mais baratos. Só daqui a um mês.
Em abril serão chamados a preencher o IRS.
Haverá campainhas a tocar pela inação do governo.
E o grosso dos reformados constatarão que foram esquecidos.
Não me custa admitir que o ministro das Finanças venha dar o dito por não dito e antecipe cenários de leite e mel.
Tarde, irremediavelmente tarde.