Eles não podem com ele – e nós é que perdemos

Durão Barroso foi tudo e conseguiu praticamente tudo aquilo que um político ciente das suas qualidades poderia almejar. Mas, talvez por isso, eles não lhe perdoem.

Por João Rodrigues, Advogado, Vereador do Urbanismo e Inovação da CM de Braga

1. Ninguém gostará de clichês. Tampouco, de generalizações. Mas há muito se diz que, ao português, lhe pesa o sucesso e o bem-estar do vizinho.

Certo é – e não querendo eu dar a afirmação por verdadeira – que não são raras as vezes em que nos deparamos com uma situação reveladora deste sentimento. Mas talvez os japoneses, os argentinos ou os egípcios possam dizer exatamente o mesmo que nós, portugueses, e esta característica seja mais universal do que nos tentam incutir.

E se este mau estar com o sucesso dos outros é corrente, também é verdade que se verifica nos mais diversos domínios das nossas vidas: nos locais de trabalho, entre amigos (?) e até dentro das famílias. A inveja (não gosto muito da palavra, mas as coisas têm o nome que têm) não escolhe espaço. E a política e o poder não fogem à regra – são lugares onde o sucesso, por ser alvo, muitas vezes, mata.

2. Pelo caminho que fez, desde muito novo. Pelo sítio de onde veio, que não era necessariamente o óbvio. Pelo poder que deteve, interna e externamente. Pelo papel que desempenhou em momentos chave da nossa história recente. Pelo que conseguiu depois de abandonar a política ativa. Por tudo isto, José Manuel Durão Barroso é, com toda a certeza, o político português de maior sucesso da nossa história mais recente.

Durão Barroso foi tudo e conseguiu praticamente tudo aquilo que um político ciente das suas qualidades poderia almejar. Mas, talvez por isso, eles não lhe perdoem.

3. Licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa. Na Suíça, obteve o diploma de Estudos Europeus do Instituto Universitário de Estudos Europeus da Universidade de Genebra e concluiu o mestrado em Ciência Política, ambos com distinção. Foi assistente em Lisboa e na Universidade de Genebra, tendo sido também professor convidado da Universidade de Georgetown, na capital norte-americana.

Foi eleito deputado pela primeira vez em 1985, tendo sido logo nomeado subsecretário de Estado dos assuntos internos do primeiro governo de Cavaco Silva. Dois anos depois, com a moção de censura do PRD, foi nomeado secretário de Estado dos assuntos externos e da cooperação, cargo que voltou a ocupar aquando da segunda maioria do mesmo Cavaco, em 1991. Um ano depois, sobe a ministro dos Negócios Estrangeiros.

Nos Negócios Estrangeiros, foi talvez um dos maiores artífices do processo que levou à independência de Timor-Leste e, ao mesmo tempo, ocupou também um lugar na história dos processos de paz em Angola e Moçambique (o papel que teve neste último é quase apagado, por mera conveniência, pela maioria das pessoas que versa sobre o tema).

Em 1999, chegou à liderança do PSD e, em 2002, a primeiro-ministro. Apanhou um país de tanga, deixado ao Deus-dará por António Guterres, que já não se conseguia mover no pântano em que nos metera a todos.

Em 2004, passou a presidir à Comissão Europeia, tendo conquistado um segundo mandato, em 2009, no decorrer da maior crise económico-financeira de que aqueles que são hoje vivos têm memória. Não lhe bastasse ter liderado a Comissão num período especialmente conturbado do ponto de vista político e social, a verdade é que chegou a 2014 com esses problemas ultrapassados, recebendo o aplauso e o reconhecimento unânime dos líderes europeus. Pelo meio, ainda recebeu em mãos o Nobel da Paz em nome da União.

Quando abandonou a política ativa, foi escolhido para ocupar a presidência não executiva da Goldman Sachs International, um dos cargos mais influentes deste colossal grupo financeiro e, entretanto e com a pandemia, ainda foi chamado para liderar a Aliança Global para as Vacinas. Entre os fatores decisivos para a escolha de Durão Barroso, quem o escolheu destacou o óbvio: o seu «notável estatuto e experiência, o seu historial como líder, a sua vasta experiência na presidência de Instituições com múltiplos stakeholders e o seu empenho na cooperação internacional».

No meio disto tudo, há dias, recebeu o grau de Doutor Honoris Causa, pela Universidade Católica Portuguesa – feito que não lhe é novo: foi a 34.ª vez que uma universidade o fez. Sim, não houve engano: a 34.ª vez que o mesmo português recebeu tal distinção. As universidades de Genebra, Georgetown, Pittsburgh, Edimburgo, Universidade Técnica de Lisboa, Roma Sapienza, Universidade Hebraica de Jerusalém, Brasília, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Kobe, foram algumas das instituições que lho conferiram.

4. Mas, talvez por tudo isto, parece que não lhe perdoam. Não lhe perdoam o sucesso, apelidando-o de sorte. Não lhe perdoam a inteligência, chamando-lhe artistice. Não lhe perdoam o poder que conquistou, quando tentam passar a ideia de que foi marioneta de alguém.

5. Isto posto, se é verdade que Durão Barroso foi o mais influente e mais bem sucedido político português das últimas décadas, parece também ser o mais desaproveitado de todos eles.

Com isto, não quero dizer que Durão Barroso tenha de ser querido por todos ou, ainda menos, opção eleitoral. Digo é que não pode continuar a ser tratado como se de um pária falássemos. A forma como Durão Barroso é tratado pela opinião é bem reveladora do estado em que nos encontramos.

A incapacidade de verem o óbvio; a necessidade de apagarem os seus sucessos; (e) a tentativa constante de resumirem o seu percurso ao facto de Durão ter (como gostam de dizer) ‘abandonado’ o país, têm feito com que a maior perda não seja do próprio. No fim do dia, a maior perda é mesmo nossa: um país que se dá ao luxo de abdicar deste ativo, não está, com toda a certeza, a prepara da forma mais conveniente o caminho que tem a seguir.