O regular funcionamento das instituições democráticas

O Presidente é, nos termos da Constituição, o garante do regular funcionamento das instituições democráticas. Será que neste momento as mesmas estarão a funcionar regularmente?

Luís Menezes Leitão

A Comissão de Inquérito à TAP A comissão de inquérito à TAP tem vindo a demonstrar uma degradação absoluta das nossas instituições democráticas, em termos que justificam que se questione sobre o seu regular funcionamento. Na verdade, segundo refere o art. 1º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (Lei 5/93, de 1 de Março, com sucessivas alterações), os inquéritos parlamentares têm por função vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração. O art. 13º atribui mesmo às Comissões de Inquérito os poderes de investigação das autoridades judiciais. Sucede, no entanto, que agora se soube que houve uma reunião prévia de preparação da CEO da TAP para a sua audição em Comissão de Inquérito, com deputados do PS e membros do Governo. A preparação de uma testemunha para uma inquirição tem um nome técnico: witness tampering (adulteração de testemunho). Que tal tenha sido feito com a presença de um deputado que integra essa Comissão representa uma profunda descredibilização da mesma, que ainda é agravada pelo facto de o mesmo deputado referir que é prática normal fazer essas reuniões de preparação antes das audições das Comissões de Inquérito. Uma audição em Comissão de Inquérito corresponderá assim a uma peça de teatro?

 

Mais curioso ainda foi o Ministro das Infraestruturas ter vindo dizer que tinha sido a CEO da TAP a solicitar essa reunião de preparação com os deputados e os membros do Governo, com o que ele concordou. Parece assim que a CEO da TAP controla a agenda do Parlamento e sabe das reuniões dos deputados com os membros do Governo, merecendo tanto a confiança destes, que até se faz convidada para as suas reuniões, com o que o ministro prontamente concorda. E sobre este procedimento o Presidente da Assembleia da República limita-se a dizer que «personalidades de perfil mais técnico não devem participar em reuniões de natureza política» e que tal «não se repetirá, porque todos vamos aprendendo». Afinal de contas, será o perfil das testemunhas que deve impedir a realização de reuniões com as mesmas antes da audição em Comissão de Inquérito? A preservação da integridade do testemunho não tem relevância?

 

Também é grave que se tenha sabido que a CEO da TAP foi pressionada por um secretário de Estado para alterar a data de um voo em que deveria regressar o Presidente da República, ainda que tal não se tenha concretizado. Além de tal demonstrar uma abusiva interferência do Governo na gestão da TAP, o mais grave é o texto do e-mail, que refere: «Não podemos correr o risco de perder o apoio político do Presidente da República. Ele tem vindo a apoiar-nos em relação à TAP, mas se o seu humor muda tudo está perdido. Uma frase sua contra a TAP/o Governo e o resto do país fica contra nós. Não estou a exagerar. É o nosso maior aliado mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo». Este texto demonstra claramente a existência de um manifesto apoio político do Presidente da República ao Governo, que este se esforça por não perder, tomando iniciativas para esse efeito, o que em caso algum deve corresponder ao normal relacionamento entre estes dois órgãos de soberania.

 

Para demonstrar, aliás, a facilidade com que o Presidente muda de humor em relação ao Governo, temos que depois de há um mês qualificar a actual maioria como «requentada, cansada» e lembrar que não abdicava do poder de dissolução, agora diz antes que não faz sentido a dissolução neste ambiente de crise, até porque a marcação das eleições implicaria uma paragem de quatro meses na vida económica e prejudicaria a obtenção dos fundos europeus.

Neste momento, assistimos a um Governo que ultrapassa tudo o que é admissível na gestão dos negócios públicos, fazendo ataques sistemáticos aos direitos fundamentais dos cidadãos, como se viu no pacote Mais Habitação. Temos um Parlamento que entende que a melhor forma de fiscalizar os actos do Governo passa por Comissões de Inquérito em que as testemunhas são preparadas antes de deporem, a menos que o seu perfil técnico não o torne conveniente. E temos um Tribunal Constitucional, que não apenas tem uma jurisprudência complacente perante ataques do poder político a instituições públicas independentes, como as Ordens Profissionais, como também os seus juízes se mantêm no cargo muito para além do seu mandato.

O Presidente é, nos termos da Constituição, o garante do regular funcionamento das instituições democráticas. Será que neste momento as mesmas estarão a funcionar regularmente?