Substituir trabalhadores por máquinas – desde robôs a plataformas de inteligência artificial (IA) – levanta vários problemas, nomadamente, no que que diz respeito à arrecadação de impostos. E aí as opiniões são unânimes em relação ao caminho a seguir face à sua tributação, de acordo com os economistas ouvidos pelo jornal.
Eugénio Rosa considera “um absurdo” a proposta de tributar os robôs, como meio de financiar o Estado ou a Segurança Social. “Só compreendo tal proposta ou devido à incapacidade dos seus proponentes para apresentarem propostas válidas para resolver os problemas graves que atualmente as sociedades enfrentam ou então com o propósito de desviar a atenção da opinião do verdadeiro problema atual e cada vez mais grave: a concentração excessiva da riqueza num punhado cada vez mais restrito de indivíduos”.
E refere que a ideia de tributar robôs assemelha-se “muito ao ‘ludismo’ do século XVIII na Inglaterra, embora com as características atuais, visando canalizar o ‘ódio’ e o medo da opinião publica contra os robôs como estes fossem a causa dos males sociais atuais. Tributá-los seria tributar a inovação, o progresso, o investimento, o aumento rápido da produtividade, a criação de mais riqueza, e impedir a libertação da humanidade de tarefas rotineiras e monótonas, como também impedir a criação de condições que permitissem reduzir o horário de trabalho e ter uma vida mais consentânea com a natureza humana – mais tempo para si próprio e mais tempo para a família”, mas deixa uma ressalva: “Se os resultados da utilização de robôs fossem distribuídos de uma forma justa, não concentrada em poucos e não vingando o princípio, atualmente dominante, de que o vencedor fica com tudo”.
Já João César das Neves defende que “um dos maiores problemas da inteligência artificial é que vem rodeada por mitos, fábulas e ilusões”, mas admite que “se eliminarmos esses enganos vemos que se trata apenas de máquinas e, por isso, devem ser tratadas como tal, também nos impostos”, isto é, “devem ser tributadas como máquinas, nem mais, nem menos”.
Paulo Rosa admite que, diante de robots cada vez mais sofisticados, sobretudo alicerçados na inteligência artificial, capazes de substituírem o ser humano em tarefas e trabalhos cada vez mais complexos, cresce a ideia de tributação das ferramentas tecnológicas que ocupam gradualmente o lugar do Homem em todo a cadeia produtiva. Mas apesar de considerar que a automação pode ser um substituto para o trabalhador humano também pode ser visto como um complemento – usado em conjunto – com o trabalho. “Um substituto nos setores de mão-de-obra intensiva e um complemento nas empresas tecnológicas de forte crescimento e de capital intensivo. As máquinas substituem o homem nas tarefas mais básicas (as calculadoras poupam mão-de-obra nos cálculos de uma mercearia), nas tarefas mais árduas (as máquinas substituem o homem na construção de barragens), mas são atualmente cada vez mais um complemento na realização de projetos de arquitetura e engenharia, na segurança, no ensino e no conhecimento, na medicina e na saúde, e na conquista espacial”, defendendo também que “é de esperar no futuro um constante reequilíbrio entre o incentivo à automação e robotização e a preservação dos rendimentos daqueles que vivem do fruto do seu trabalho”.
E deixa uma alerta: “Quando falamos de inteligência artificial, a sua tributação é logo uma das primeiras palavras que surge, não só no que concerne aos impostos que venham a recair sobre o trabalho da inteligência artificial (IA), procurando sempre o reequilíbrio no fio da navalha entre progresso económico e postos de trabalho humanos, mas também a possibilidade de a IA otimizar a eficiência fiscal das empresas, diminuindo desta forma a receita fiscais dos Estados. Entretanto, também os governos tenderão no futuro a investirem e apostarem cada vez mais em IA para criar legislação robusta que permita manter a receita que cada governo ache adequada a cada momento da sua governação. Os Estados têm o poder de lançarem impostos”. No entanto, admite que, “para eliminarem lacunas fiscais que tenderão a custar parte da receita dos governos nas próximas décadas, especialistas em tecnologia e direito trabalham em conjunto para criarem inteligência artificial de forma a blindarem a sua legislação e manterem a sua receita fiscal. Entretanto, também os agentes económicos, nomeadamente famílias e empresas, procuram brechas na lei alicerçados na inteligência artificial e nas suas potencialidades ao nível da eficiente leitura da legislação vigente”, refere o economista do Banco Carregosa.
Mais dúvidas são colocadas por Vítor Madeira, analista da XTB ao considerar que “é bastante questionável a tributação sobre os robôs ou a inteligência artificial”, lembrando que, estamos a falar de uma ferramenta de trabalho e, desta forma, seria como o Estado estar a tributar uma máquina de trabalho de um carpinteiro, “em que graças a ela, o mesmo trabalho que necessitaria de quatro homens durante quatro dias, agora consegue-se com um homem durante quatro horas”. E lembra que, adicionalmente, a tributação é feita logo desde a matéria-prima, como é o caso dos componentes e da mão-de-obra, até ao produto final e face a este cenário “portanto poderia haver uma espécie de ‘licenças de utilização’, mas é uma matéria bastante questionável”, defendendo, ao mesmo tempo, que a tributação “iria promover a ineficiência já que cria um desincentivo à não utilização das melhores capacidades dos recursos, não promovendo o desenvolvimento da humanidade”.
Segurança Social em causa?
Em relação à sua sustentabilidade, a opinião é quase unânime junto dos economistas contactados pelo nosso jornal. João César das Neves dá como exemplo os avanços tecnológicos dos últimos séculos. “Se estes forem eficazes vão aumentar o produto e o bem-estar, o que torna mais sustentável a Segurança Social. No limite, se realmente vierem a ter efeitos sobre e a distribuição funcional do rendimento, o que há a fazer é ajustar as formas de financiamento da Segurança Social”.
E em relação à hipótese do Estado poder vir a perder receitas não hesita: “O Estado arranja sempre novas formas de arranjar receita, e neste caso nem deve ter de se esforçar muito, porque os impactos não devem ser grandes”.
Uma opinião partilhada por Vítor Madeira ao afirmar que “já vimos imensos avanços na história e conseguimos perceber que a população consegue ‘inventar’ ou ‘reinventar’ novos trabalhos”. E daí acreditar que “não será a inteligência artificial a terminar com a maioria dos empregos, pelo menos para já”, mas lembra que o facto de a população na Europa estar envelhecida será um problema maior para essa questão.
Quanto à possível perda de impostos, o analista da XTB_considera que a receita fiscal não está inversamente correlacionada com o avanço tecnológico, logo, no momento que existe produção, criação de riqueza ou consumo, o Estado tem capacidade para tributar. “Num momento inicial poderia levar ao aumento do desemprego e diminuir as receitas do Estado, mas rapidamente haveria um ajuste, basta pensarmos que hoje existem empregos como programadores informáticos, youtubers, gestores de redes sociais, jogadores de póquer, etc. Deste modo, não me parece que seja a inovação tecnológica a incapacitar as receitas por parte do Estado”.
Eugénio Rosa é mais crítico, afirmando que, em Portugal a digitalização da economia está dificultada pelos baixos salários e salienta que, “enquanto continuar a ser um país de salários mínimos ou próximos de salários mínimos, as empresas continuarão a não ter qualquer estímulo para introduzir robôs e a inteligência artificial”. E o economista diz ainda que o que é necessário e que é urgente não é tributar os robôs, a inovação e o progresso, mas tributar a riqueza criada e distribui-la de uma forma justa, deixando um alerta: “A continuar este movimento de concentração excessiva da riqueza em cada vez menos indivíduos, o que pode ser acelerado pela introdução da IA e de robôs – em 2021, foram vendidos no mundo cerca de 487 mil robôs para a indústria e a taxa de crescimento foi de 27% – as convulsões e revoluções sociais serão inevitáveis”. Daí considerar que, no caso concreto da Segurança Social, a proposta da tributação como sistema de financiamento é ridícula e só serve para iludir, pois não resolveria nada” e, face a este cenário, defende que as contribuições das empresas para a Segurança Social passassem a ser calculadas, não com base na massa salarial – esta seria só utilizada no cálculo das quotizações dos trabalhadores para a Segurança Social – mas com base na totalidade da riqueza líquida criada pelas empresas.
Já o economista do Banco Carregosa vê mais os avanços tecnológico como uma fonte de financiamento.”O ser humano vive em sociedade e ninguém fica rico ou ganha dinheiro isolado numa ilha. As empresas necessitam de compradores para os seus produtos. Eventualmente poderá existir alguma fricção pontual e temporária entre o emprego humano que vai sendo substituído pelas máquinas cada vez mais aperfeiçoadas, como sempre existiu em cada avanço tecnológico ao longo da história da humanidade”. E chama ainda a atenção para o facto de que se uma empresa aumentar o número de máquinas ou a sua automação, o fator capital aumentará e o fator trabalho será mais valorizado, logo os salários reais sobem. “Mais tecnologia é sinónimo de mais emprego e melhor remunerado, bem como de melhores pensões de reforma depois de uma vida de trabalho”.
Os mais afetados
Paulo Rosa reconhece que todas as áreas são afetadas, apesar de umas serem mais dos que outras, salientando, no entanto, que os trabalhos mais dependentes da criatividade tendem a ser os menos afetados, acolhendo cada vez mais trabalhadores vindos de trabalhos mais rotineiros, facilmente mecanizáveis e que requerem mais força física. “Há séculos que a mecanização e há décadas que a robotização substituem gradualmente o trabalho físico humano. Entretanto, atualmente, a inteligência artificial promete substituir cada vez mais o trabalho intelectual menos complexo. Contudo, as profissões mais criativas, bem como a monitorização do próprio trabalho da inteligência artificial e tarefas que os consumidores exijam a presença humana ou necessitem desta, tendem a concentrar a maior parte do trabalho no futuro”.
Vamos ficar todos desempregados? O economista do Banco Carregosa ironiza: “Ficaremos desempregados tal como os remadores das galés gregas e romanas, portageiros, datilógrafas e telefonistas, mas aptos para novos empregos de maior valor acrescentado e mais bem remunerados”.
Já César das Neves reconhece que as atividades que terão mais impacto serão aquelas que estarão “mais dependentes da informação, da imprensa ao direito, do ensino à política, da saúde à justiça”.