Por Raquel Abecasis
Lula da Silva antecipou em 24 horas a sua chegada a Portugal para uma visita que promete ser a mais polémica de um Presidente brasileiro ao nosso país. Envolta em trapalhadas desde que foi anunciado, o programa da viagem de Lula da Silva teve que ser ajustado para evitar incidentes políticos e diplomáticos. O Presidente brasileiro já tinha previsto deslocar-se a Portugal para participar numa cimeira Luso-Brasileira que tinha ficado adiada porque Jair Bolsonaro nunca quis deslocar-se a Portugal. Agora, Lula retoma as relações com o país irmão com uma visita que já fez correr muita tinta e promete dar ainda muito que falar.
Pela primeira vez em 49 anos, o dia 25 de Abril vai ser marcado na Assembleia da República, não por uma, mas por duas sessões solenes. Para dar a volta ao imbróglio diplomático criado por Marcelo Rebelo de Sousa e pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, ao convidarem Lula da Silva para uma casa que não era a sua, os deputados inventaram uma sessão extra para evitarem desconvidar o Presidente brasileiro. Mas a decisão proposta não foi consensual, porque Chega e Iniciativa Liberal acham inaceitável que este Presidente brasileiro seja convidado para falar no Parlamento. As críticas acentuaram-se depois das polémicas afirmações de Lula da Silva a propósito do conflito na Ucrânia.
O cenário está montado para o Chega assumir todo o protagonismo nos próximos dias. Embora noutro tom, também a Iniciativa Liberal contesta o convite a Lula da Silva para discursar na Assembleia da República, ainda por cima numa data tão importante como a de 25 de Abril. Socialistas e sociais-democratas têm-se esforçado por evitar que a discussão interna se transforme num conflito diplomático que possa afetar as relações entre os dois países, com consequências para os muitos portugueses que vivem no Brasil e os cada vez mais brasileiros que vivem em Portugal.
Certo é que Lula vai discursar numa sessão que antecede a sessão solene das comemorações do 25 de Abril, com sete lugares vazios, já que só o lider parlamentar do Iniciativa Liberal estará presente na sala e é já certo que os doze deputados do Chega estarão sentados nos seus lugares, mas com adereços claramente ostensivos para o Presidente Brasileiro. Lá fora, nas imediações do palácio de São Bento estará uma manifestação de protesto barulhenta contra a presença de Lula em Portugal. É um protesto convocado pelo Chega, mas a que prometem juntar-se muitos brasileiros anti Lula e a associação dos ucranianos em Portugal, que, depois de ouvir as declarações do chefe de Estado brasileiro defendendo posições que foram consideradas pró-Rússia, vai também fazer-se representar na manifestação de desagrado.
Os efeitos deste mal estar são ainda difíceis de prever e vão depender em muito da dimensão da manifestação do dia 25 de Abril, de haver ou não protestos nos outros dias em que Lula estará presente em Portugal e do impacto que terá a encenação que o Chega está a preparar para o hemiciclo. André Ventura já foi avisando que «não vai ser bonito».
Interesses do PT em Portugal evitam confito diplomático
Sabia que Dilma Rousseff é uma das novas proprietárias de uma habitação em Lisboa? E que a par da ex-Presidente brasileira outras destacadas figuras da política e da cultura brasileiras, sobretudo associadas ao Partido Trabalhista de Lula da Silva, fizeram a mesma opção e adotaram Lisboa como sua segunda casa nos últimos anos?
«O cenário alterou-se drásticamente nos últimos anos no que respeita ao número e tipo de brasileiros que têm interesses em Portugal». José Manuel Diogo, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira diz ao Nascer do SOL que esse é o principal fator que garante que, apesar dos protestos, não haverá consequências de maior nas relações diplomáticas e comerciais entre os dois países.
Outra personalidade com grande peso na vida pública brasileira que também adquiriu residência em Lisboa e que aqui passa grandes temporadas é Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (o Tribunal Constitucional brasileiro). Aliás, foi para negociar com este juiz que Lula da Silva esteve em Novembro em Portugal. Ainda antes da segunda volta das eleições presidenciais no Brasil, Lula queria garantir junto do decano dos juízes brasileiros que o STF autorizaria uma emenda à lei brasileira no sentido de garantir que o teto de gastos a que o Governo de Brasília está obrigado não fosse impactado pelas despesas com a ‘bolsa família’, o subsídio que o Presidente prometeu aos brasileiros com maiores dificuldades de sobrevivência. O assentimento de Gilmar Mendes, crucial para que a emenda pudesse passar, foi conseguido aqui em Lisboa e, dizem os analistas, foi fundamental para a vitória de Lula na segunda volta das eleições brasileiras.
Portugal é hoje o paraíso escolhido por uma vasta comunidade dos chamados brasileiros de ‘alta renda’. «Há muitos brasileiros que vêm porque Portugal virou moda», garante José Manuel Diogo. De acordo com o presidente da Câmara do Comércio e Indústria luso-brasileiro, da cultura ao mundo dos negócios, «há hoje muitos interesses brasileiros instalados em Portugal». Mesmo os que dividem a sua vida nos dois lados do Atlãntico, fizeram grandes investimentos no nosso país, «muitos deles estão ligados ao aparelho do PT e Lula da Silva sabe disso». Esta é a principal razão pela qual ninguém espera que os incidentes da visita presidencial que se realizará por estes dias venham a afetar as relações amigáveis entre os dois países irmãos.
Do lado de lá do Atlântico, os empresários portugueses alinham pela mesma bitola. Contactado pelo nosso jornal, Armando Abreu, presidente da Federação das Câmaras Portuguesas no Brasil, garante que as polémicas políticas relacionadas com a visita de Lula da Silva a Portugal não estão a preocupar os empresários portugueses no Brasil. «O momento é muito favorável para os empresários portuguese e aqui ninguém acredita que o debate político em Portugal tenha alguma influência nos nossos negócios», diz Armando Abreu.
Outro fator que se está a revelar à prova de bala para as relações entre os dois países é o estatuto de livre mobilidade para os cidadãos dos países da CPLP. É ao abrigo deste estatuto que muitos brasileiros têm aproveitado para rumar a Portugal. Tendo em conta o inverno demográfico que se agudiza por cá, são bem vindos novos e jovens portugueses com sotaque brasileiro.