Com o fim do Ramadão, que comece a esperança

A barbárie anda à solta. Comanda estados e exércitos. Mas é radicalmente individual. Seja em Lisboa ou na Palestina, nas planícies lamacentas da Ucrânia ou nas escolas americanas, o mal está nos indivíduos e nas suas ações, não no seu contexto.

Há décadas em que nada acontece e há semanas em que acontecem décadas, postulou Lenine. Estamos num tempo que encaixa na segunda formulação do revolucionário. Tristemente, quase tudo o que nos aconteceu foram tragédias.

A guerra da Rússia na Ucrânia parece não ter fim à vista.

A outra guerra, longe das nossas comoções mas tão ou mais trágica do que a anterior, transformou o Iémen numa sangrenta medição de forças entre a Arábia Saudita e o Irão, opondo sunitas e xiitas, e perigando o reatar das relações entre as duas maiores potências regionais. Um recomeço que, diga-se, muito se deve a Pequim, que sentou Riade e Teerão à mesma mesa

Esperemos que a Turquia tenha a mesma capacidade conciliadora na mediação do conflito entre russos e ucranianos.

Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, já perdemos conta à loucura trágica que anda de mãos dadas com o acesso livre a armas que, de tempos a tempos, atacam os lugares mais sagrados das nossas sociedades: as escolas dos nossos filhos.

Um fenómeno que tocou o nosso país, num ato isolado, mas não menos significativo, perpetrado por um cidadão do mundo e que feriu a comunidade ismaili e o povo português.

Era afegão, mas isso importa pouco. O Afeganistão e o seu povo já são vítimas de demasiados preconceitos religiosos e políticos, internos e externos, e subjugados a um governo despótico que vota milhões à miséria e à ignorância. A insanidade de um homem não se confunde com o sofrimento de um povo – tal como os desmandos na TAP não se confundem com as capacidades do povo português. 

Sábio, ponderado, o povo português respondeu à altura e a uma só voz. Não confundiu a árvore com a floresta. E não entrou no jogo dos intolerantes que encontram na hipérbole do caso concreto a oportunidade para a generalização necessária do preconceito com base na cor, no credo e na cidadania.

A justiça dos homens, e a de Deus, que se ocupe do crime e do seu autor. Quanto a nós, centremos os nossos pensamentos na memória eterna das duas vítimas, duas mulheres, com nomes, famílias e vidas por viver.                           

E porque o mal é uma constante de todos os tempos e de todos os lugares, voltamos ao Médio Oriente e à martirizada Palestina, onde num dos lugares mais importantes para o credo islâmico, a mesquita de Al-Aqsa, muçulmanos, no mês do Ramadão foram atacados pelo exército de Israel quando praticavam o seu culto.  Premeditado, pensado e (ir)refletido, o ataque hediondo ceifou vidas de homens e mulheres inocentes que sem delito, sem ameaça de armas e sem aviso, foram assassinados apenas e só porque praticavam o seu culto no mês mais sagrado do calendário islâmico.

Vai haver quem diga que foi um erro de Israel. Esses ficarão sempre na dúvida porque nunca lhe será explicado. Mas quem conhece a região sabe que tanto as seguranças palestinas e israelitas são muito criteriosas no acesso ao perímetro dos locais sagrados das três religiões monoteístas. [Convém lembrar que Jerusalém foi o primeiro lugar para onde os muçulmanos se dirigiram e que só depois do Profeta Mohammad ter recebido a revelação, a direção dos peregrinos mudou para Meca].

Compreende-se a ira e revolta do mundo islâmico perante tamanho crime do exército israelita.

A barbárie anda à solta. Comanda estados e exércitos. Mas é radicalmente individual. Seja em Lisboa ou na Palestina, nas planícies lamacentas da Ucrânia ou nas escolas americanas, o mal está nos indivíduos e nas suas ações, não no seu contexto.

É improvável controlar o mal, mas cada um de nós pode conte-lo se respeitar e perceber que todos somos parte de todos, que é mais o que nos une do que aquilo que nos separa como humanidade.

É trabalho dos mais velhos – pais, avós e educadores – passar de geração em geração os preceitos da boa educação e dos valores éticos, morais e, religiosos, para que aqueles que ficam sejam melhores do que os que estão.

O mundo está a mudar.  Não muda a constância dos valores e do respeito de todos os povos pelos seus semelhantes, como no tempo dos Profetas Moisés, Jesus e, Mohammad (que a paz esteja com eles).

Terminou o Ramadão no dia 20 de Abril. A par do dia da peregrinação a Meca, é o dia mais importante do calendário lunar e islâmico.

Eid Mubarak, a todos os irmãos e, irmãs muçulmanos/as. E que o fim do Ramadão abra um período de esperança para todos os homens e mulheres do mundo.