Desde terça-feira – dia em que entrou em vigor a medida que isenta de IVA um cabaz de 46 alimentos considerados essenciais – que os supermercados se encontram decorados com cartazes pendurados no teto, colados nas portas de entrada e fixados nas prateleiras que indicam as descidas de valores. Além dos avisos, há ainda indicação nas etiquetas de cada produto, em todas as grandes superfícies, como as do Pingo Doce, Lidl, Continente ou Mercadona. O Continente e o Pingo Doce, por exemplo, optaram por assinalar nas etiquetas o preço com IVA e o preço sem IVA, podendo desta forma dar ao cliente uma comparação entre os preços de ‘antes’ e de ‘depois’.
No Lidl, «em tudo o que eram bens essenciais foram alterados os preços para o valor sem IVA». «Para todos os artigos que tinham etiquetas com o valor marcado individualmente, é feito o desconto do IVA automaticamente na caixa. Foi só isso. Deu muito trabalho», admitiu um funcionário da cadeia de supermercados alemã ao Nascer do SOL.
Recorde-se que o acordo para a isenção de IVA neste cabaz surge após a assinatura de um pacto para a estabilização e redução de preços dos bens alimentares entre o primeiro-ministro, António Costa, o diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), Gonçalo Lobo Xavier, e o presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), Eduardo Oliveira e Sousa, em março. Após a assinatura, o chefe do Governo assinalou que a APED assumiu o compromisso de, «15 dias depois da publicação do diploma em Diário da República», o retalho alimentar ajustar os preços em função da redução do IVA. A ASAE dará tempo aos comerciantes. Porém, nem a ASAE nem o Governo dizem quanto. A instituição garante, contudo, que, como faz desde janeiro do ano passado, vai continuar a monitorizar os preços.
Os produtos
A lista de produtos alimentares que passam a estar isentos de IVA inclui legumes, carne e peixe nos estados fresco, refrigerado e congelado, assim como arroz e massas, queijos, leite e iogurtes e frutas como maçãs, peras, laranjas, bananas e melão, três tipos de leguminosas, ou ainda, entre outros, bebidas e iogurtes de base vegetal.
No Pingo Doce da Amadora está tudo organizado, tudo identificado e tudo explicado. Aqui, as alterações das etiquetas começaram a ser realizadas logo na segunda-feira, para que, no segundo dia da semana, tudo se encontrasse preparado para receber os clientes. E, agora, quem deambula no espaço quase fica com a ideia de que tudo está «em promoção».
Os empregados percorrem os corredores, alterando as etiquetas que restam e conferindo se está tudo certo. «Isto está uma grande confusão», diz um funcionário para o outro enquanto repõe os iogurtes. «Já fizeste tudo?», interroga uma outra funcionária com ar de ocupar um cargo superior ao aproximar-se dos dois rapazes. «Que pergunta é essa? Não consigo fazer tudo!», reclama.
3,20 euros não estão a ser repercutidos
O Aldi é outra das marcas de retalho alimentar que atualizou os preços nesta terça-feira, como manda a lei. Num comunicado, diz que a isenção vai abranger «500 artigos» das 46 categorias de produtos e que também terá etiquetas especiais para tornar clara a isenção. «O PVP [Preço de Venda ao Público] final sem IVA estará visível através de etiquetas de preço especiais, com indicação ‘artigo IVA 0%’, de forma que os clientes possam facilmente identificar estes produtos nas prateleiras, bem como o preço final a pagar, dispensando cálculos adicionais e simplificando, assim, a sua experiência de compra. Após o pagamento, o cliente pode confirmar o IVA aplicado a cada produto no respetivo talão de compra», explicou numa nota. E decidiu ir mais além no exigido pela medida do Governo: «Sempre que, devido à isenção do IVA, haja lugar a arredondamento de valores, comprometemo-nos a proceder ao respetivo arredondamento para baixo, de modo a beneficiar os nossos clientes», prometeu.
Mas será que o cabaz alimentar baixou tanto quanto se esperava? De que forma os portugueses enxergam esta medida? Segundo a Deco Proteste, menos de cinco euros é quanto os portugueses começaram a poupar a 18 de abril, com o IVA zero em 41 produtos. A organização de defesa do consumidor comparou os preços de um cabaz de 41 bens alimentares essenciais a 17 de abril (véspera da entrada em vigor do IVA zero) e a 18 de abril (primeiro dia da isenção de IVA), concluindo que este custa 134,11 euros, menos 4,66 euros do que no dia anterior. Isso significa que após a aplicação da medida, há «3,20 euros que não estão a ser repercutidos ao consumidor», já que «a diferença fixou-se em 4,76 euros, quando deveria ascender a 7,85 euros». De acordo com Rita Rodrigues, diretora de comunicação da Deco Proteste, esta discrepância deve-se ao facto de dois produtos terem, inclusive, aumentado de preço: a carne para cozer e a couve-coração. «Ainda que os preços dos restantes artigos tenham baixado, nem todos baixaram 6%», explicou à Lusa esta semana.
«A grande maioria dos produtos baixou de preço, mas há uma diminuição de apenas 3,36%. A únicas exceções são dois produtos: a carne de novilho para cozer (cujo preço médio aumentou 3 cêntimos por quilo) e a couve-flor (cujo preço médio aumentou 2 cêntimos por quilo) que aumentaram o preço. A verdade é que não baixou o preço na proporção de 6%, ou seja, houve uma alteração ao nível do preço base que, deixando de aplicar os 6% de IVA e aplicando 0%, não tem a repercussão desejada», reforçou à TSF.
Contudo, Rita Rodrigues explicou que «não foi possível determinar com exatidão a razão para o aumento dos preços»: «Na prática, quer dizer que por alguma razão os preços subiram e que o IVA zero está a ser aplicado, mas sobre uma base superior. Nos produtos em que o preço não só não diminuiu, como aumentou, nós sabemos que têm oscilações normais, até porque são produtos frescos, portanto, poderá estar justificado. Quando nós falamos num cabaz, não conseguimos encontrar, mas não significa que não exista, uma razão transversal e permita tirar esta conclusão para todo o tipo de produtos».
A opinião do consumidor
Segundo David Almeida, cliente fiel do Continente, o Governo tinha várias opções na mesa e, a seu ver, enveredar pelo IVA ZERO «foi uma decisão muito propositada, altamente dúbia, e em nada socialista». «O IVA zero resultará apenas, a muito curto prazo, num abrandamento da subida dos preços, porque agora as margens de lucro para exatamente os mesmos produtos de há uns dias disparam automaticamente (e os CEOs rasgam grandes sorrisos, embora o operador de caixa vá auferir o mesmo mísero salário no final do mês)», lamenta. «Não excluo também a hipótese das jogatinas de preços que não são novidade, de aumento gradual dos preços nas vésperas da tão esperada data, para depois haver uma redução, iludindo uma descida mais significativa do que realmente é», defendeu.
De acordo com David, mais tarde ou mais cedo, agora sem o «fardo» do IVA, a indústria da distribuição alimentar «terá todo o gosto em retomar a escalada de preços (e lucrar mais do que quando pagava o IVA)», por não existir «nenhum mecanismo que a impeça de o fazer». «O que resultará num retorno à ascensão do custo de vida para todos nós, e a isso soma-se uma diminuição considerável da receita do Estado, que poderia ser aplicada aos serviços e apoios públicos», explicou. «Quando se fala de justiça nas medidas, importa relembrar os lucros históricos que estão a ser tidos à nossa custa. Por isso, que se faça justiça para nós pequeninos, já que as grandes cadeias já são beneficiadas a toda a hora», acrescenta.
Da mesma forma, para Miguel Bernardo, a diferença é quase invisível. «Fui às compras antes e depois da medida ser implementada. Na maioria dos casos, os bens nem baixaram 0,10 cêntimos. Porque o preço também aumentou antes da isenção do IVA, o IVA reduziu e o preço ficou ligeiramente superior. Custa-me a acreditar que isto faça muita diferença… Acho que se devia colocar um limite nos preços, e não retirar o IVA. As grandes superfícies ficam com um montão de lucro, sempre tiveram margem de lucro e só a redução do IVA não faz nada, porque eles continuam a aumentar. Temos de reduzir a taxa de lucro». Segundo Miguel Bernardo, o Governo deveria implementar uma medida onde as grandes superfícies não pudessem obter lucro através dos bens essenciais, ou não pudessem obter a margem enorme que têm.
Quais os produtos com mais descida de preço?
Segundo a Deco Proteste, o preço por quilo de pescada fresca é aquele que mais desceu entre 17 e 18 de abril. Na véspera da entrada em vigor da isenção de IVA, um quilo de pescada fresca custava 9,14 euros. No dia seguinte, passou a custar 7,90 euros por quilo, menos 1,24 euros. Mas tal como suspeitavam David e Miguel, em março o preço era inferior, custando 7,33 euros.
Além da pescada, entre os produtos com as descidas de preço mais significativas estão também o óleo alimentar e o arroz carolino. A 17 de abril, uma garrafa de óleo alimentar custava 3,04 euros. A 18 de abril, o preço desceu 34 cêntimos, para 2,70 euros. Mas, tal como suspeitavam, no dia 28 de março o preço era mais baixo, custando 3,01 euros.
No que toca ao arroz carolino, custava 2,18 euros a 17 de abril. No dia seguinte, com a isenção de IVA em vigor, passou a custar 1,98 euros, menos 21 cêntimos (o arroz carolino tem sido um dos produtos cujo preço mais tem aumentado desde o início de 2022). No dia 28 de março, custava 2,08 euros.
Lá fora
Mas de que forma estão a atuar os outros países? De acordo com a organização de defesa do consumidor, também em Espanha, o Governo avançou com a isenção do IVA em alguns bens alimentares essenciais no início de 2023. Porém, de acordo com a imprensa espanhola, os preços dos alimentos continuaram a subir, «devido aos aumentos dos preços dos fatores de produção do setor agroalimentar».
Já em França, a solução adotada para travar as subidas de preços na alimentação foi um acordo entre o Governo e as cadeias de distribuição alimentar para um «trimestre anti-inflação». O que é que isso significa? As empresas de retalho alimentar comprometeram-se a disponibilizar, durante três meses, alguns produtos ao preço mais baixo possível.