Andou pela Marinha, mas foi na Proteção Civil que se tornou um rosto conhecido dos portugueses. Agora na Secretaria de Estado da Proteção Civil diz que o país está preparado para as maiores catástrofes e que a Jornada Mundial da Juventude está a ser devidamente preparada. Reconhece que este verão vai ser complicado, devido à possibilidade de grandes incêndios, mas defende que o Governo fez um investimento enorme na prevenção e ataque aos fogos.
Patrícia Gaspar acredita ainda que os famosos Kamov vão chegar à Ucrânia, não sabe é quando.
Foi um dos rostos do trágico incêndio de Pedrógão Grande. Qual é a diferença entre estar no lado operacional e no governativo? Como olha para estes dois mundos?
Complementares, mas, obviamente, muito distintos. Eu estava, na altura, numa posição completamente operacional, naquela que é a estrutura operacional da Proteção Civil, onde basicamente nós executamos coisas, executamos a política de proteção civil no que diz respeito à resposta, às emergências.
Mas executam o quê?
Na altura, que era adjunta de Operações Nacional, a minha função era garantir que o sistema respondia, sobretudo quando estávamos a falar de ocorrências de maior importância, porque a esmagadora maioria das ocorrências não chega sequer ao comando nacional, são tratadas e trabalhadas e resolvidas na primeira linha de resposta, que é municipal, que é um local importante. Felizmente, a esmagadora maioria das ocorrências não exigem outro tipo de intervenção mais estratégica. Quando se fala de ações de maior monta é quando entra o comando nacional, aqui na linha da resposta propriamente dita, pois há todo um trabalho de planeamento, preparação de conceção de exercícios, de treinos, de cooperação internacional, a ligação ao Mecanismo Europeu de Proteção Civil, que era, e é, tudo concentrado no comando nacional. Aqui é um mundo completamente diferente, é onde se faz política, que depois acaba por ser materializada num outro patamar. É um desafio completamente diferente, se calhar mais complexo, mas mais difícil, de enorme responsabilidade. Às vezes um bocadinho mais frustrante.
Porquê?
Porque as coisas às vezes são difíceis de acontecer. O processo de governação é muito complexo, sobretudo numa área destas que no fundo não governa sozinha e que implica sempre uma grande articulação e um grande trabalho a montante feito com outras áreas do Governo. É uma área muito sensível, sobretudo depois de 2017 tornou se uma área cada vez mais transversal, e ainda bem, porque é assim que a política de proteção civil deve ser vista. Nós não conseguimos fazer proteção civil só no Ministério da Administração Interna. Se não houver, de facto, um grande alinhamento das outras áreas do Governo que concorrem, umas de forma mais direta e outras de formas de forma mais indireta, para a política de proteção Civil, nós não conseguimos fazer grande coisa. Tivemos o maior teste que podíamos ter tido e foi um privilégio estar nestas funções quando estivemos a responder à pandemia, que foi uma surpresa para todos. Foi algo que ninguém conseguiu, nem aqui nem no resto do mundo, antecipar que nos obrigou ao exercício normal de adaptação e de reinvenção do próprio sistema. Porque nós não tínhamos claramente procedimentos específicos para pandemias, era uma coisa que estava sinalizada, que nós tínhamos como algo que eventualmente poderia acontecer, mas acho que o sistema deu provas disso mesmo, que era algo que sempre disse que o sistema tinha, que era a necessária flexibilidade e a necessária capacidade de adaptação para agarrar naquilo que era a forma de trabalhar noutras áreas e conseguir exportá-los e adaptá-los a cenários de surpresa.
Na altura dos incêndios de Pedrógão Grande as pessoas reconheciam-na na rua?
Muito.
Mais do que hoje?
Sem dúvida. Vamos lá ver, é impossível. Estive durante 50 dias seguidos a entrar em casa dos portugueses, pelo menos duas vezes por dia. Pelas minhas contas, foram quase 50 dias seguidos no Verão. Mesmo quem não sabia o que era a Proteção Civil acabou por perceber naquele verão. Tive dos episódios mais caricatos, estive em sítios onde não me deixavam pagar o pequeno-almoço, por exemplo, porque era uma forma de agradecer o trabalho que nós estávamos a fazer. Eu podia dizer que não era bombeira, mas as pessoas diziam: ‘Não, não, mas está a ajudar e isso é muito importante’. Nunca tive uma má reação, nunca fui mal tratada, nunca fui xingada. Nunca senti que não houvesse um reconhecimento, muito pelo contrário. Foi um ano muito difícil.
Como secretária de Estado não tem ninguém que lhe queira pagar o pequeno-almoço…
Isso nunca aconteceu, contudo há uma coisa engraçada que não sei se é bom se é mau. Cada vez menos, mas há uma grande dificuldade em fazer descolar A Patrícia Gaspar operacional da Patrícia Gaspar secretária de Estado. Se reparar, em muitas das entrevistas publicadas, a fotografia que continua a aparecer sou eu fardada.
E isso incomoda-a?.
Nada, de todo.
Mas também gosta de ser reconhecida na nova função.
Sem dúvida. Mas o trabalho que se faz na Proteção Civil para os portugueses… acho que eles o sentem mais diretamente nas suas vidas do que aquilo que é feito ao nível do Governo. É muito natural que uma figura da Proteção Civil fardada, que na altura estava ligada a um episódio terrível que ceifou a vida a não sei quantas pessoas, recolha algum apreço muito direto por aquilo que aquela pessoa está a fazer. Foi a Patrícia, hoje é o André e amanhã será outra pessoa qualquer. As pessoas consideram sempre que a ação governativa é uma coisa mais afastada, mais esotérica, menos palpável. Aqui nunca ninguém me ofereceu pequeno-almoço, mas também nunca fui maltratada, nem nunca senti que houvesse despeito ou que houvesse menos apreço, mas é uma manifestação pública diferente.
Depois de Pedrógão Grande vieram cá equipas estrangeiras para perceber o que se tinha passado. Muito se escreveu sobre as condições adversas. Acha que foi feito tudo para evitar futuras tragédias?
Acho que estamos a fazer tudo o que é possível. O Governo aqui teve um papel importante, na medida em que foi necessário reagir de forma muito rápida e garantir que púnhamos em marcha um processo de transformação que, no médio e longo prazo, nos conferisse uma maior confiança na nossa capacidade de responder a eventos daquela natureza. E isso também passava, obviamente, pela ação governativa, pese embora haja depois uma operacionalização e materialização daquilo que foi e que ainda está a ser decidido em termos legislativos, para que isso depois aconteça no terreno. Não lhe consigo dizer que fizemos tudo porque o processo não está terminado e isto não é política. Isto é a realidade dos factos, a transformação que o país precisa não se consegue operar em cinco anos, nem se calhar em seis anos. E é por isso que, por exemplo, o sistema que nós adotámos, o plano que nós aprovámos é um plano a dez anos, não é um plano que se consiga despachar, salvo seja, em dois ou três anos.
Estamos a falar de mudanças profundas no país e que se vão refletir não só naquilo que é a resposta aos incêndios propriamente ditos, mas tem a ver com toda a abordagem do sistema de proteção civil. Quando entrei para a Proteção Civil, em 2000, nós falávamos em cheias, incêndios, inundações e sismos. Eram os grandes quatro riscos que nós estudávamos quando éramos apresentados ao sistema de Proteção Civil. E eu ainda sou do tempo em que se fazia estágio. Hoje em dia, a Proteção Civil responde perante uma série de eventos de uma complexidade cada vez maior, o mundo mudou, o nosso país mudou. Nós temos hoje em dia níveis de conforto, níveis de desenvolvimento completamente distintos daquele que tínhamos há 20 ou 30 anos. Mas isso também tem e teve um preço. O preço foi o aumento das vulnerabilidades aqui e na maior parte dos países ocidentais – os outros países têm outro tipo de problemas. E este preço, para o podermos pagar e para podermos garantir que conseguimos estar preparados, que conseguimos ter planos, que conseguimos responder a estes novos desafios, implica uma transformação profunda do sistema de proteção civil. Lembro-me que quando se começou a falar de alterações climáticas, por exemplo, que era uma coisa que uns diziam que existiam, outros que não existiam, que era um mito e tal. Havia várias escolas de pensamento. Hoje em dia, está perfeitamente consensualizado que elas existem, que já estão a ter efeitos bastante visíveis e que correm a um ritmo que nós temos muita dificuldade em acompanhar. Se olhar para as últimas declarações de Mami Mizutori, representante Especial das Nações Unidas para a redução do risco de catástrofes, ela tem tem dito isto mesmo e tem feito inúmeros apelos neste sentido. Temos mesmo que readaptar os nossos sistemas.
Se a Europa no passado viveu o verão mais quente de que há registo, o que esperar neste ano, onde as previsões apontam para um verão com ainda mais calor?
Todo o planeamento efetuado teve em conta as previsões de agravamento meteorológico, conhecidas há vários meses e que têm vindo a ser reforçadas. Neste sentido, reforçámos os meios humanos e terrestres do dispositivo e estamos no processo de procurar reforçar também os meios aéreos. O dispositivo terrestre contará, em 2023, com 13 891 elementos e 2 990 viaturas durante o período de maior empenhamento de meios (entre 01 de julho e 30 de setembro), o que, face a 2022, representa um aumento de 974 operacionais e de 157 veículos. Por outro lado, foram também implementados procedimentos adicionais que visam reforçar a capacidade de atuação das diferentes forças, designadamente através da constituição de cinco equipas reforçadas para gestão de ocorrências mais complexas, foi reforçada a capacidade de coordenação aérea com dois helicópteros da Força Aérea alocados ao dispositivo, operacionalizadas equipas especializadas do ICNF em comportamento do fogo, para apoio à decisão operacional, reforço da capacidade de vigilância ativa pós-rescaldo com equipas dedicadas, por forma a evitar reativações e reacendimentos, reforço do treino operacional, com ações já em curso nas diferentes sub-regiões e envolvendo cerca de 5 400 operacionais e estão a ser implementados procedimentos mais restritos para controlo do uso do fogo durante as operações de combate.
Xavier Viegas defendeu ao nosso jornal, há um ano, que é preciso reduzir a área de eucaliptos, apostar na construção de charcas e por aí fora. Esses conselhos têm sido seguidos? São viáveis?
Charcas e pontos de água é uma coisa que todos os anos acaba por ser feita. É uma área de intervenção muito ligada aos municípios, ao próprio ICNF, tem a ver com a dimensão da prevenção, e tem-se feito um caminho que é difícil que é a transformação da paisagem. O que se pretende é que a floresta se mantenha, porque é um dos nossos principais ativos. Garantir que conseguimos continuar a ter floresta, mas que ela é uma floresta ordenada, preparada para que cada vez que haja um incêndio não venha a ganhar as dimensões que ganhou em Pedrógão e que ganhou depois em outubro de 2017.
Em que medida é que se vai conseguir combater as alterações climáticas, já que as condições são muito mais propensas a incêndios de grandes dimensões?
Está a falar na regra dos 30. Temperaturas superiores a 30 graus, ventos superiores a 30 km hora e humidade do ar inferior a 30%.
Como combatemos isso?
O fenómeno em si nós dificilmente vamos conseguir alterar. Os incêndios florestais ou incêndios rurais, em teoria, poderiam ser evitados brutalmente. Se nós descontarmos os incêndios que têm causa natural e que são uma expressão irrisória, todos os outros acabam por ter mão humana, intencional ou não intencional. Se conseguíssemos, de facto, garantir todos esses, nós tínhamos dois, três incêndios por dia, se calhar nem tanto e o problema estava resolvido. Mas não acredito que algum dia consigamos chegar a esse patamar. Vamos sempre ter incêndios. O que temos de fazer? Temos que garantir que o número é cada vez mais reduzido – temos feito um caminho nessa ótica, sou do tempo em que nós tínhamos 600 incêndios por dia. 500 incêndios por dia num dia de verão era normal. Hoje em dia, nos dias maus, chegamos aos 200, 200 e picos. É uma realidade bastante diferente da que tínhamos em 2010.
Mas esses não tinham a dimensão que tem estes agora.
Porque temos hoje em dia um fator potenciador dos incêndios que não tínhamos se calhar em 2012 ou 2010. E, de facto, quando estes incêndios ocorrem em períodos de seca extrema, em períodos em que temos os combustíveis completamente prontos para arder, com temperaturas elevadíssimas, com ventos brutais e com a humidade do ar, às vezes, inferior a 10%… qualquer ignição rapidamente dá azo a uma ocorrência enorme. O que acontece? Nós temos ainda 10% destes incêndios que nos escapam. Temos uma taxa de sucesso do ataque inicial na ordem dos 90%. Significa que em cada 100 incêndios, 90 nós conseguimos apagá-los no intervalo dos primeiros 90 minutos. Depois sobram aqueles dez, que são os que ganham maior dimensão e depois depende do sítio onde acontecem, à hora a que acontecem. Um incêndio que comece numa zona de acessos difíceis às 02h00, vou demorar muito mais tempo. Primeiro a detetá-lo, segundo, a conseguir ter meios naquela zona e, portanto, tenho automaticamente um potencial enorme de progressão.
Qual é o papel dos drones, por exemplo, hoje em dia nessa luta contra esses 10% de incêndios que não são combatidos imediatamente?
Os drones têm um papel importantíssimo no combate e também podem ter na prevenção. Mas, se formos olhar para aqueles 10% dos incêndios que nos escapam, os drones são um importantíssimo instrumento de apoio à decisão operacional.
E funcionam à noite?
Funcionam à noite com câmaras térmicas que conseguem, por exemplo, ajudar a detetar os pontos quentes.
Quantos drones teremos em Portugal no Verão?
Não lhe consigo dizer.
Não tem uma ideia?
Largas centenas. Nós temos os UAVs da Força Aérea Portuguesa, que são os maiores, são uma coisa diferente.
Mas eles já levam água?
Não, só retiram a imagem. Temos drones na GNR, na Força Especial de Proteção Civil, já temos muitos corpos de bombeiros, muitos serviços municipais de Proteção Civil que também já se equiparam com este tipo de instrumentos. E é por isso que não consigo dizer ao certo quantos drones existirão neste âmbito capazes ou potencialmente mobilizáveis para este tipo de operações.
Acha normal haver tantos drones de entidades diferentes? Não é um sinal de que…
Isso é um mito, isso é um mito. Aquela conversa de que estamos a duplicar meios é um mito. Tudo aquilo que existe neste momento faz falta, faz sentido e pode ser potenciado. Onde é que está a chave de sucesso? Na coordenação! Em cada posto de comando tem que haver coordenação, para garantir que tenho no teatro de operações, aquilo que efetivamente preciso, aquilo que efetivamente faz falta.
Vamos imaginar que a GNR põe um drone no ar…
Não põe, não pode, os drones no ar só sobem à ordem do posto de comando operacional.
Que é da Proteção Civil.
Agora volta a Patrícia fardada. Estive em Monchique a comandar as operações no grande incêndio de Monchique, em 2018. Não houve nenhum drone no ar sem a minha autorização e é por isso que são tão importantes os mecanismos de comando e controlo, sobretudo nas operações de maior complexidade. Primeiro, os drones não podem voar enquanto os meios aéreos estão a operar. Não sei se sabe, mas hoje [dia 18] cancelaram, durante meia-hora, as aterragens no Aeroporto Lisboa porque foi avistado um drone num dos corredores de acesso à pista. Meios aéreos e drones é uma coisa que tem de ser muito bem gerida. Eu punha os drones no ar quando os meios aéreos paravam a operação. Onde é que os drones podem ser muito importantes? Chegam rapidamente a sítios onde tenho mais dificuldade em pôr meios apeados ou meios terrestres, veículos.
Mas os drones não podem ser utilizados na prevenção?
Podem, em períodos de maior risco, em zonas de maior risco, posso complementar a vigilância terrestre, a vigilância dos postos de vigia com drones.
Quando os incêndios estão a progredir os drones podem ver para onde estão a ir.
Podem ver, por exemplo, como é que está a ser a progressão de um determinado incêndio, de uma determinada frente… Podem-me ajudar a verificar, por exemplo, se os meios estão bem colocados num determinado teatro de operações. Pode ser importantíssimo, e isso é que é a grande mais valia nas ações de rescaldo e vigilância pós incêndio, porque os pontos quentes não são visíveis a olho nu. Uma das grandes ajudas que tive em Monchique foi um drone equipado com uma câmara térmica. Um trabalho importantíssimo, que é feito, por exemplo, ao nível do núcleo de apoio à decisão que a Força Especial de Proteção Civil, que funciona neste momento em Carnaxide, que é recolher as imagens dos drones e perceber numa área onde já não está a arder, visível a olho nu. O incêndio está apagado, mas sei que tenho ali quatro, cinco, seis pontos quentes, onde vou ter que integrar equipas especializadas para o reforço do rescaldo naquelas zonas. O drone aí é um apoio fundamental.
É frequente as pessoas, não os especialistas, dizerem que antigamente havia os guardas florestais que desempenhavam um papel fundamental de prevenção. Havia as casas dos guardas florestais…
Não há dúvida de que nós temos um problema estruturante grave no nosso país, no mundo rural, que tem a ver com o êxodo que houve nos últimos anos destas zonas, levou a que milhares de pessoas abandonassem as suas terras à procura de outras condições nas zonas mais urbanas, sobretudo no litoral. Há um problema de despovoamento crónico e isto reflete-se na manutenção, na gestão, no tratamento dos espaços rurais. O novo sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais assenta em quatro pilares com quatro dimensões importantes. Não quero ser teórica, mas que vão ao encontro daquilo que me está a dizer. Os dois primeiros, e que são mais na área de prevenção, que não é tutelada pelo Ministério da Administração Interna, tem a ver com o cuidar e valorizar os espaços rurais. Por que é que antigamente os espaços rurais eram cuidados? Porque extraía-se valor desses espaços. As pessoas que trabalhavam, que viviam da terra, tinham muito mais cuidado, porque era uma fonte de rendimento importantíssima. Quando as pessoas abandonaram as terras, quando temos terrenos que estão, digamos, sem um cuidado permanente, sem um cuidado diário, deixam de ter valor. Isto é um ciclo vicioso. Criam-se barris de pólvora. Quando o fogo entra, entra à séria, e, portanto, é muito mais difícil travar um incêndio dessa dimensão. E por isso é que estamos a trabalhar a montante também. Não estamos a trabalhar só na resposta, estamos a trabalhar na causa do problema. A tal transversalidade do Governo.
Agora assistimos às casas florestais serem transformadas em casas de charme e por aí fora.
Casas boutique! Os guardas florestais, nessa altura, de facto, tiveram um papel importantíssimo naquela que era a manutenção, a vigilância e a guarda dos espaços florestais. Foram decaindo, estiveram para ser extintos, não sei se sabe, ainda do tempo do ministro Eduardo Cabrita decidiu-se, no pós 2017, recuperar os guardas florestais. Eles estão integrados na Guarda Nacional Republicana.
Mas já não têm casas.
Optou-se por outro modelo de gestão e, portanto, não têm as casas, não vivem ali, mas tem uma função importantíssima de vigilância. Têm percursos definidos.
Não acha que há um complexo ideológico em relação a essas casas? Antigamente víamos que as pessoas tinham até as suas cabras que também limpavam o terreno.
Essa função hoje em dia consegue ser desempenhada por outros sistemas que entretanto foram sendo robustecidos. Há cerca de dois anos foi aprovada pela primeira vez uma directiva específica integrada para a questão da vigilância e proteção, precisamente para garantir que todos os meios que podem contribuir para essa vigilância que antigamente se calhar era feita até só pelos guardas florestais e que hoje em dia está a ter muito mais capacitada, porque antigamente eram só eles. Neste momento, temos as torres de vigia, temos os próprios bombeiros, temos o próprio CNF, temos sistemas de videovigilância que concorrem também para esta questão da vigilância florestal.
Mas então com tantos meios qual a razão para termos mais incêndios?
Temos vindo a reduzir o número de incêndios.
Que têm uma dimensão muito maior.
Mas o número reduziu. Agora, conjugam-se outras questões. O facto de termos cada vez mais potencial para termos incêndios mais catastróficos, com uma progressão cada vez mais acelerada e que torna muito mais difícil a resposta nesses cenários não é pela falta de guardas florestais, é precisamente pelo facto que nós temos cada vez mais condições meteorológicas e do ponto de vista climatérico até, para termos esse tipo de ocorrências. Se viu o que aconteceu em Espanha, no mês de março, ali na zona de Valência, isto há uns anos era impensável ter incêndios dessa dimensão nesta altura do ano.
Vou citar outra vez Xavier Viegas. Por mais que cuidemos e façamos marcha atrás na floresta, o risco de incêndios vai agravar-se. Estamos condenados a este estado de coisas?
Não, recuso-me a achar que estamos condenados.
A Califórnia arde todos os anos.
Neste momento, até temos incêndios na Alemanha, na Suécia. Em 2018 tivemos que ir para a Suécia ajudar a apagar incêndios. É todo um contexto global que está diferente, que se está a alterar e que nós estamos a fazer um esforço muito claro e muito objetivo para sermos capazes de acompanhar estas alterações. Isto já não é apagar o foguinho no quintal do tio Francisco. Temos de estar preparados para conseguir gerir ocorrências como aquelas que aconteceram ano passado no Serra da Estrela. Mas, ao mesmo tempo, sensibilizar as pessoas, e isto é fundamental, para a complexidade da resposta a este tipo de operações. Quando tínhamos 300 incêndios por dia, a maior parte deles começava de manhã e acabava à tarde, eram pouco frequentes aqueles incêndios que ultrapassaram as 24 e as 48 horas. Agora temos tido cada vez mais incêndios que duram três, quatro, cinco, seis dias. Este incêndio de Valência durou quase duas semanas. Os incêndios no Chile, onde nós tivemos a nossa força destacada, foi quase um mês a arder. Os bombeiros de todo o mundo não ficaram incompetentes de repente. Os serviços de proteção civil não ficaram todos incapazes, não é? Às vezes gera-se um bocadinho aquela perceção pública de que o sistema não está a conseguir responder a isto, mas não é verdade. Tudo o que gostaria era não ter incêndios que durassem mais de 90 minutos. Significava que tinha uma taxa de sucesso de 100% no ataque inicial. Isso é muito difícil, mas tenho 90%, o que é muito bom. O que significa que o nosso dispositivo responde a 90% das ocorrências que nós temos todos os dias. E mesmo dentro daqueles 10% que nós não respondemos, nem todas assumem ocorrências de enormes dimensões.
Como reage às críticas de alguns presidentes de câmara, entre os quais o de Manteigas, sobre a falta de verbas disponibilizadas pelo Governo para o combate aos incêndios florestais?
O MAI alocou este ano ao DECIR a maior dotação inicial de sempre, na ordem dos 54 milhões de euros. Esta verba destina-se sobretudo a garantir o pagamento atempado do dispositivo terrestre e outras despesas extraordinárias associadas a eventuais ocorrências de maior complexidade que possam vir a ser registadas. Por outro lado, o MAI aumentou ainda todos os valores da Diretiva Financeira: aumento de 5,1% do valor dos pagamentos diários efetuados ao pessoal que integra as equipas de intervenção e outros grupos de reforço, indexado ao acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos, dos salários e da competitividade, assinado em 2022; aumento de 7,8% no valor de comparticipação dos custos com a alimentação, indexado ao índice de preços no consumidor relativo ao ano económico anterior; aumento médio de 10% dos valores de referência para veículos e de 5% para os equipamentos; aumento de 75% no valor diário, por operacional, a pagar às associações humanitárias que acolhem equipas de intervenção exclusivas do DECIR e que se destina a apoiar os custos com o apoio logístico, valor que passa de 1€ para 1,75€ por operacional.
A Liga dos Bombeiros aplaudiu o dispositivo de combate aprovado, mas ao mesmo tempo criou um comando nacional autónomo.
Quando esta nova direção da Liga tomou posse, muito rapidamente começámos os contactos negociais, que são os habituais, e a Liga foi colocando em cima da mesa uma série de aspirações, de desejos, de enfim, não digo reivindicações porque não chegámos a esse ponto. Uma das questões que foi sendo abordada nestes contactos foi, de facto, a criação de uma estrutura de comando autónoma no âmbito dos Bombeiros Voluntários. Nós fomos sempre dizendo que isto era um assunto sensível, de uma enorme complexidade e que tinha que ser discutido com muita calma, com muito detalhe, que tem que envolver não só a Liga, mas que tem que envolver outras associações que também são representativas dos bombeiros. Uma estrutura nova tem implicações com todo o setor dos bombeiros e não só com os bombeiros ditos voluntários, detidos por associações humanitárias de bombeiros voluntários. Temos que envolver a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, a Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários, a própria Liga, obviamente, nós e também outras áreas do Governo, porque isso tem uma implicação grande.
Há associações que nunca mais acabam.
Sim, mas eu não posso fazer uma alteração tão radical da forma como os bombeiros se organizam no nosso país, que está regulada e legislada.
Como é que os bombeiros criaram uma estrutura autónoma, passando por cima do que está na lei?
Eles conseguem criar uma coisa autónoma, criaram esta estrutura, aprovaram esta estrutura, mas não tem respaldo na lei.
Como vão lidar com isso?
As coisas no terreno vão ter que continuar a acontecer como já aconteciam até aqui.
E que é?
O respeito por aquilo que decorre primeiro da Lei de Bases de Proteção Civil, onde está instituída a figura do Comando Único do Comando Unificado, em seguida, pelo Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro, que define quem a cada momento comanda as operações de socorro, as operações na área da Proteção Civil e ainda com o Sistema de Gestão de Operações, que também define quais são os procedimentos para o comando operacional no terreno. Os bombeiros têm uma estrutura de comando. Quando nós falamos em bombeiros voluntários, não falamos em uma organização nacional. Nós não podemos comparar a organização dos bombeiros à organização da GNR ou da PSP ou das Forças Armadas, pois são organizações do Estado que são uma organização. Os bombeiros, por vicissitudes históricas que nós não temos tempo agora para estar aqui a dissecar, organizaram-se de forma diferente de outras organizações do Estado. Começaram por ser uma movimentação que emanou objetivamente da sociedade civil, que se foram organizando, que foram começando a cumprir uma função, que em teoria é uma responsabilidade do Estado, que tem a ver com a segurança dos portugueses, tem a ver com a prestação de socorro, mas que, no nosso país, neste caso em concreto, em vez de se edificar esta capacidade na esfera exclusiva do Estado, edificou-se através desta rede de associações humanitárias que foram criando corpos de bombeiros e que respondem e respondem muito bem àquela que é a sua principal missão de fazer a proteção.
Faço-lhe uma provocação. Acha que faz sentido existirem bombeiros voluntários?
Claro que faz sentido.
Por que não hão de ser bombeiros profissionais se não há voluntários que não recebam? Há algum bombeiro que não receba?
Pode haver, mas deixe-me terminar para se perceber a lógica. Quando nós falamos nesta evolução, percebemos a diferença que existe entre aquilo que são os bombeiros voluntários e aquilo que é a GNR, a GNR têm um comando unificado, a PSP também, as Forças Armadas também. Nos bombeiros existe um comando que está clarinho, que termina no comandante de cada um dos corpos de bombeiros. Não há nem um bombeiro no nosso país que não tenha uma referência em termos de comando, é o seu comandante, o seu segundo comandante, os adjuntos.
Mas não é o comandante nacional?
Não, é o comandante do corpo de bombeiros. O que nós temos depois é uma organização que está assente na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, que define as regras de como é que a cadeia de comando evolui em operações que extravasam a área de atuação de um determinado corpo de bombeiros. Se eu tiver um incêndio florestal, para dar um concelho que eu conheça bem, em Palmela, os bombeiros de Palmela respondem: Temos os Bombeiros de Palmela, os Bombeiros do Pinhal Novo, os das Águas de Moura. O incêndio extravasa os limites do concelho de Palmela, tenho que acionar meios de outros corpos de bombeiros. Automaticamente um sistema de comando operacional entra em funcionamento e que determina quem são os elementos que vão assumindo estas estas funções de comando. E posso dizer-lhe que em mais de 95% dos casos, quem comanda as operações de proteção civil em socorro em Portugal são os elementos dos corpos de bombeiros, são comandantes de bombeiros. São eles que comandam mais de 95% das operações. Depois temos uma camada mais pequena de ocorrências de maior dimensão onde entra a estrutura da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Aliás, os comandantes, os elementos de comando, os corpos de bombeiros são dos poucos elementos no nosso país que comandam outras forças. Imagine o comandante dos bombeiros de Palmela, que está a comandar uma operação no seu município, tem bombeiros de várias corporações, pode ter a PSP, pode ter a GNR pode ter o INEM pode até ter as Forças Armadas e é ele o comandante das operações de socorro. Estamos a falar em 5% das ocorrências que são comandadas pelos elementos da Proteção Civil. Que são as mais complexas. Esta estrutura que os bombeiros agora criaram não encontra base legal. Nas operações de proteção e socorro, enquanto a legislação for a que está em vigor, é ela que tem que fazer valer e é ela que vale.
E se houver um caso concreto?
Não acredito que isso vá acontecer. O que me diz a minha experiência é que o bom senso vai imperar. Os bombeiros foram e são uma força respeitadora da lei.
Então qual a razão para terem criado esta associação?
Essa pergunta terá que a fazer a quem a criou.
O que estou a perguntar é se isso acontecer…
Não acredito que isso vá acontecer. É um cenário que nem sequer consigo conceber.
Mas como é que o Governo vai reagir se eles o fizerem. Põe o Exército a obrigá-los a obedecer?
Se acontecer uma situação pontual terá que de ser vista pontualmente, mas estou perfeitamente convencida de que não chegaremos a esse ponto.
Mudando de assunto, como é que a Proteção Civil está preparada para uma tragédia durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ)? Imaginemos um incêndio de grandes proporções algures no Centro do país, alguém atira uma bomba de mau cheiro no recinto da JMJ e cria o pânico. Isto é, a necessidade de ocorrer a várias situações?
Vai ser um momento de enorme complexidade e uma operação muito desafiante, não só do ponto de vista da proteção civil, mas também das forças de segurança, e é por isso que foi constituído o grupo trabalho, uma equipa que está a trabalhar em estreita articulação, juntamente com o Sistema de Segurança Interna e que engloba estas duas dimensões: a componente safety da proteção civil e a componente security das forças de segurança. O que está a ser montado da nossa parte, que é parte que está sob a minha responsabilidade, é um dispositivo específico, um plano de operações específico para orientar e definir aquela que vai ser a intervenção da Autoridade Nacional de Emergência Proteção Civil, quer em termos de prevenção e preparação, quer depois em termos de resposta à organização do terreno, à organização dos postos de comando. O trabalho de articulação com as outras forças.
Quantas operacionais estarão afetos a esta organização? Como é que vamos ‘pescar’ pessoas para resolver os desafios operacionais?
Está muito assente naquilo que é a capacidade de resposta dos corpos de bombeiros da zona da Grande Lisboa e concelhos limítrofes, onde, felizmente, há uma grande capacidade de resposta. É um desafio enorme a todos os níveis: logísticos, de segurança, de controlo de trânsito, controlo de movimentação, é de facto, uma das maiores operações que alguma vez tivemos a nível nacional. O que posso garantir é que todas as entidades responsáveis estão a trabalhar em grande articulação para que todos estes procedimentos corram da melhor forma. Neste momento nós temos de um plano de contingência que está a ser elaborado.
Se houver um terramoto nessa altura?
O que nós temos preparado é um plano que está sendo ultimado pela ANEPS, de resposta para os diferentes cenários que se adivinham de maior probabilidade numa situação deste género. Normalmente, prendem-se com incêndios, doenças, tudo o que tem a ver com o pré-hospitalar, com o eventual controlo de multidões, que são os cenários que tipicamente têm maior probabilidade de acontecer. Nós quando planeamos, planeamos para cenários e, portanto, calcula-se, faz-se uma análise de risco e prevê-se quais são os cenários mais prováveis de acontecer. E depois criamos planos e preparamo-nos para responder perante esses cenários. Já um sismo é uma coisa que pode acontecer em qualquer dia.
Foram a outros países onde tenha acontecido a JMJ para saber o que foi feito?
Todo o planeamento que foi feito nas últimas jornadas, está bastante acompanhado e é um dos processos que está a ser de alguma forma trabalhado pela equipa que está a preparar a nossa participação, o acolhimento deste evento aqui.
Mas não houve nenhum exercício para testar a resposta?
Exercício ainda não houve.
E acha normal?
Não sei se ainda vai existir alguma coisa até ao dia da jornada, mas as ações de planeamento estão a ser feitas, os planos não estão ainda terminados. Há muito trabalho ainda em curso. Ainda há cerca de duas semanas fiz uma reunião com a Autoridade Nacional de Emergência da Proteção Civil, onde nos foi apresentado todo o trabalho que está em curso e estou confiante que vamos ter um dispositivo robusto, preparado e capaz de responder àquelas que são as ocorrências que tipicamente acontecem nestas situações.
Se houver um terremoto em Lisboa de uma magnitude grave o que está preparado?
Teríamos, nesse caso, que acionar aquilo que é o Plano Especial de Risco Sísmico para a área Metropolitana de Lisboa, onde estão definidos todos os procedimentos de resposta para uma situação de sismo. E que teria de ser rapidamente adaptado a uma circunstância em que temos muito mais pessoas nesta área do que é normal. Havendo um sismo, a primeira coisa que se vai ter que fazer é perceber o que aconteceu e o que é que temos em mãos, quais são as zonas afetadas, porque as zonas não são afetadas todas da mesma maneira, quais são os edifícios que estão de pé e os que não estão, quais são as vias de acesso que estão disponíveis e não estão disponíveis.
Mas existe uma previsão sobre os sítios que provavelmente serão mais afetados.
Nós temos um simulador de risco sísmico. O plano que nós temos neste momento em vigor foi feito com base nas projeções que este simulador nos dá, quer aqui em Lisboa, quer no Algarve e, portanto, todos os procedimentos que são desencadeados a posteriori dependem muito daquilo que for a situação, de como foi o impacto daquilo que foram as ações de reconhecimento, mas que vão ter que ser feitas a seguir a um sismo e, em função disso, as estruturas de comando e as estruturas de coordenação vão ter que atuar e perceber para aquele cenário como é que vou objetivamente reagir e como é que vou dar o apoio às pessoas. Todos os sistemas de aviso e alerta que nós temos vão ter que ser, digamos, adaptados àquele caso em concreto, porque os telemóveis podem não estar a funcionar numa primeiro momento, as primeiras 24 horas a seguir a um sismo, aqui e em qualquer país do mundo, são provavelmente dos momentos mais complexos para qualquer sistema de proteção civil. Porque ninguém consegue dizer eu vou fazer isto, vou fazer aquilo, não sabem, vão fazer. Tem uma série de procedimentos previstos que têm que ser adaptados em função da escala e do impacto do acontecimento. Uma das chaves, eu diria da nossa resposta operacional perante um sismo e que decorre deste plano especial, é aquilo que está designado como um esquema de sustentação operacional. No limite, todas as forças da região de Lisboa podem estar inoperantes.
É suposto não estarem em zonas sísmicas.
Toda a zona de Lisboa e Vale do Tejo e concelhos limítrofes estão numa zona de risco sísmico e podem ser afetados.
Se isso acontecer é melhor confiarmos no Espírito Santo?
Não, claro que não. Temos que preparar e esperar o melhor, mas planear para o pior. Esse tem sido sempre o lema. Aquilo que nós incluímos e que não está noutros planos, que não têm esta dimensão de incógnita, que tem a resposta a um sismo, aqui a resposta vem de fora. O que está planeado é que são os distritos adjacentes a Lisboa, Setúbal e Santarém que vão enviar forças e que vão despertar os meios para entrar na zona de sinistro e poder desencadear os procedimentos pressupostos. O que está previsto no plano tem sido alvo de exercícios, tem sido alvo de grande interação entre as forças de proteção Civil, de um lado e do outro dos distritos e até ao nível dos municípios. Um sismo em Lisboa, é por ventura, não digo que seja o meu maior pesadelo, mas tenho a certeza que será um momento muito difícil. É um momento para o qual nos temos vindo a preparar e a planear. É um momento que sei que vai ser realmente a maior disrupção que alguma vez iremos ter no nosso país se algum dia acontecer. Temos participado em tudo o que são ações de treino lá fora, nomeadamente em exercícios com cenário em eventos sísmicos, porque sabemos que esta é uma fonte de formação importantíssima. Fomos para a Turquia, para o sismo do Irão, estivemos no sismo em Marrocos, no sismo do Haiti que responde a dois objetivos fundamentais: em primeira linha, a um objetivo de solidariedade internacional e de podermos ajudar um país que num dado momento se vê completamente absorvido e que precisa objetivamente de ajuda do exterior, mas também é uma forma importantíssima das nossas forças se treinarem em situação real e trazerem para o nosso país as aprendizagens que depois podem e devem ser incorporadas no nosso processo de planeamento. Devo dizer que, quando fizemos o plano de emergência de risco sísmico para a área metropolitana de Lisboa, que foi aprovado em 2009, ele foi objeto de três exercícios de teste, um deles europeu, com equipas internacionais que coincidentemente eu tinha estado em 2007 numa missão internacional no sismo do Peru, numa missão das Nações Unidas e da União Europeia. E garanto que muitas coisas que estão no plano vieram da experiência que na altura tivemos com esta missão.
O ano passado foram feitas reportagens em Pedrógão Grande e as pessoas disseram que não tinha sido feito nada e que estava tudo igual.
O que posso dizer – não sendo esta a minha área de intervenção, a prevenção, nós vamos continuar a ter floresta, que é um desejo de todos – é que não se consegue limpar toda a mancha florestal de um país por decreto. É preciso ter consciência dos timings das áreas que estamos a falar, do enorme investimento que tem vindo a ser feito e, sobretudo, de alguns resultados que nem sempre são visíveis a olho nu. Acho que há muita perceção de quem passa numa estrada e olha para uma mancha florestal – eu própria olho quando passo em determinadas zonas vejo, às vezes, e penso que ainda dizem que já não há nada para arder, que já ardeu tudo no nosso país e continuamos a ter enormes manchas florestais. Mas continuamos a ter um trabalho de limpeza e um trabalho de organização que nem sempre é visível a todos. Ontem, vi uma reportagem interessantíssima, não sei se viu, sobre a limpeza duma zona florestal em Ovar. A limpeza está feita. Eu, olhando, vejo que a limpeza está feita, mas não sei se qualquer pessoa olhando para aquela mata percebe que aquela mata está limpa, porque nós continuamos a ter árvores, continuamos a ter arbustos, continuamos a ter floresta. Dizer que desde 2017 nessa área não se fez nada, parece-me muito injusto. Fez-se muita coisa. Está tudo feito? Não, nem nunca estará tudo feito, sabe porquê? Porque o mato que eu limpo este ano vai crescer e para o ano vai crescer outra vez. Se calhar vou ter que fazer duas intervenções por ano em algumas zonas, dependendo de meteorologia. Depende se chove, se não chove, se faz calor e, portanto, a limpeza dos terrenos, a manutenção das florestas e das zonas florestais, com a limpeza e com o ordenamento necessário, é um trabalho que vai ter que entrar nas nossas rotinas, como tantos outros.
Como é que uma prática se sente num mundo teórico.
A minha carreira foi feita no campo técnico da Proteção Civil, no campo do operacional da Proteção Civil. Ao vir para aqui, o grande desafio foi transformar a minha bagagem, a minha experiência ao serviço da política. Sou uma servidora pública, sou funcionária pública e posso dizer que estranhei o convite, tive muito receio, mas depois pensei bem, está na altura de pôr ainda mais ao serviço do meu país aquilo que tenho e aquilo que trago. Acho que a opção de terem trazido para a Proteção Civil da Secretaria de Estado da Proteção Civil uma pessoa da área, uma pessoa que não era política, mas que tinha 20 anos de experiência neste domínio, reflete a vontade na altura de conferir a esta área uma seriedade e uma dimensão técnica e científica.
Nunca teve vontade de voltar a vestir a farda?
Claro que sim, mas sei que nunca mais a vou voltar vestir.