Precisamos de um golpe de asa’…

Se foi a tempo de inverter as sondagens, é algo que veremos nas próximas semanas, mas é inquestionável que o Governo entrou desde há algum tempo em campanha eleitoral.

1. Em vésperas de comemorar os seus 50 anos, o Partido Socialista (PS) decidiu dar uma prenda aos reformados portugueses, uma faixa eleitoral nada despicienda dos seus eleitores. Coincidência ou não, este anúncio surgiu imediatamente na sequência de afirmações de Montenegro em que o PSD se demarca do Chega e que o colocam, até perante o Presidente Marcelo, como líder da oposição, conforme decorre de uma nota informativa da Presidência da República. Se até aqui, era o próprio Presidente Marcelo que sistematicamente duvidava que a direita democrática pudesse constituir alternativa, creio que a partir daqui tudo será diferente.

Já o tinha aqui escrito que bastava Montenegro fazer prova de vida e explicar aos portugueses que o PSD se constitui como alternativa real à governação socialista que o PS iria finalmente ficar preocupado. Este anúncio que saiu de uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros no passado dia 17 de abril, corrobora a necessidade imperiosa que o PS sentiu de ‘tirar um coelho da cartola’ e responder às quedas das sondagens, porque sabe perfeitamente que, a partir de agora, o povo português vislumbra a existência de uma alternativa.

Este anúncio da reposição do valor das pensões que era há muito reclamado pela oposição perante as boas contas do Estado, altamente favorecido pelo incremento quer do PIB quer das receitas fiscais que a inflação proporcionou, obrigou António Costa a vir a reconhecer o que jamais anteriormente quis admitir: faltava devolver esta fatia de 3,57% nas pensões para se cumprir com a Lei.

Ainda bem que assim foi, para os reformados e para o país. Reclamando falar verdade e ser transparente com os eleitores, Costa anunciou com pompa e circunstância estes aumentos. As televisões aproveitaram e passaram até à exaustão imagens de anos anteriores onde Costa se contradisse com o que agora anunciou, mas o essencial é que finalmente repôs o valor a que os reformados tinham direito. Se foi a tempo de inverter as sondagens, é algo que veremos nas próximas semanas, mas é inquestionável que o Governo entrou desde há algum tempo em campanha eleitoral.

Como prova do que afirmo, relembro que se têm sucedido os muitos anúncios a corroborar a visão assistencialista e omnipresente do ‘Estado-PS’: (i) aumento intercalar de 1% à função pública; (ii) distribuição de subsídios de renda e juros bonificados no crédito à habitação; (iii) aumento do subsídio de alimentação; (iv) reforço do abono de família; (v) apoio trimestral de 90 euros a famílias desfavorecidas; (vi) IVA Zero em 46 produtos, para além do (vii) agora anunciado aumento das pensões. Um fartote, com a curiosidade de a propósito do IVA Zero, assistimos a Costa ir visitar 2 (dois) hipermercados e a inspecionar os preços, qual líder maior da ASAE! 

Medidas para estimular a economia é que escasseiam. Vislumbrei a promessa de redução do IRS até 2027 (certamente para uma cada vez maior classe média-baixa) e um reforço de Eur 4 MM para o PRR. Manifestamente curto, para um país com uma carga fiscal brutal de 36,4% do PIB e com um crescimento anémico de 1,8% do PIB (aceitando como boas as previsões governamentais), pelo que perante tanto conformismo e esta visão socialista de Estado-protetor, a única coisa que poderemos ter como certo é que continuaremos a cair nos rankings europeus.

2. Falemos brevemente das projeções económicas constantes para este ano no Programa de Estabilidade 2023/27 e que o próprio Conselho Nacional da Finanças Públicas aceitou como razoáveis, num país que presentemente tem o segundo maior défice comercial da Europa (tal como antes da troika) e que precisa do setor privado para investir, quer para aumentar as exportações quer para substituir importações. Vejamos então algumas dessas rubricas que ajudam a explicar as razões pelas quais o crescimento previsto ser apenas de 1,8% do PIB em 2023 (a depender essencialmente da procura interna em 1,6%):

• Qual a surpresa se o consumo privado apenas cresce 0,6%? Como poderia este crescer mais, se andamos todos “afogados” em impostos que, juntamente com a inflação (5,1% em 2023 – só?), nos retiram poder de compra? 
• O consumo público aparece com 2,6%, pouco ambicioso, mas também explicado pela sobrecarga imensa do peso dos salários num funcionalismo público que não para de crescer e do significativo peso das pensões, pelo que não sobra muito para estimular a economia…
• Se falarmos no crescimento do investimento (3,4%), este é perfeitamente descoroçoante, sobretudo se considerarmos as verbas do PRR que vão entrar e que deveriam ter efeito multiplicador. 
• As exportações têm uma estimativa de 4,3%, o que será bom indiscutivelmente; mas com os ataques do Governo ao Alojamento Local, será que realmente esta rubrica não se irá ressentir?

Uns comentários finais: (i) sobre a dívida pública (107,5%), eu queria era vê-la a diminuir nominalmente e não apenas pelo efeito do crescimento do PIB, mas já perdi ilusões; (ii) sobre o saldo orçamental, todos nós aprovamos um défice de 0,4%, sobretudo porque estamos pessimamente habituados desde há décadas. Mas deveríamos ser ambiciosos, evitar mais dívida e procurar superavits, porque os juros vão continuar a doer.

Em conclusão, não se vislumbra qualquer ‘golpe de asa’ e, o mais certo, é continuarmos ‘pobretes, mas alegretes’.

P.S. 1 – Como é possível o Governo, arguindo o interesse público, se escudar em detalhes temporais meramente formais ao referir que 2023 está fora do âmbito da Comissão de Inquérito da TAP para recusar a divulgação do parecer jurídico que sustenta a demissão por justa causa da CEO? Na minha opinião, o interesse público exige exatamente a respetiva divulgação, pelo que a democracia está a sofrer tratos de polé por quem deveria ser o seu garante!

P.S. 2 – Depois da TAP, também a CP deu lucro em 2022, uns escassos Eur 8 milhões, após ser recebida uma indemnização compensatória de Eur 85,3 milhões. Esta semana, no Polígrafo da SIC, relembrou-se que desde 2016, todos nós já lá metemos Eur 3,6 MM. Pergunto ao Governo: a CP também não deveria privatizada? De certeza?