São predadores de topo da cadeia alimentar, oportunistas, «espécies-chave» de um ponto de vista ecológico. Segundo Duarte Cadete, um dos biólogos da Dear Wolf – empresa com alvará de turismo de natureza composta por biólogos especializados em vida selvagem –, estes contribuem para o «correto funcionamento do ecossistema», nomeadamente através dum «contributo direto no controlo de densidades» e «estado sanitário de espécies-presa como o javali, o corço e o veado». Além disso, de acordo com o especialista, distribuem-se pelas serranias e zonas mais remotas a norte do rio Douro, existindo ainda uma subpopulação a sul do rio Douro, na região centro do país, extremamente ameaçada. «Alimentam-se das presas silvestres e também ocasionalmente de animais domésticos não protegidos (ovelhas, cabras, vacas e garranos – cavalos semi selvagens). Também podem recorrer a carcaças de animais que morrem por doença ou outra causa no campo», explica Duarte Cadete. E, infelizmente, ao que parece, têm sido cada vez mais os casos de rebanhos mortos no norte do país. Os animais morrem, os lobos comem, os pastores desesperam. No Parlamento Europeu as opiniões dividem-se. Se há quem queria reduzir a proteção deste animal, há quem não compreenda como é que isso pode sequer ser assunto de discussão. Mas, afinal, por que razão se têm visto cada vez mais animais destes em estradas e corriças e cada vez mais protestos das populações?
Um pesadelo para os pastores
Miguel Ruivo vive em Vilarinho de Agrochão, no concelho de Macedo de Cavaleiros. A sua casa é mesmo no meio da aldeia. Já os seus animais têm o seu espaço à entrada da freguesia. No final do mês de março, ao chegar perto das ovelhas, de manhã, o pastor deparou-se com uma cena de terror. Das 14 ovelhas, sobrou apenas uma. «Foi a primeira vez que aconteceu. Os lobos atacaram de noite e mataram-me as ovelhas! Eram 14, agora resta apenas uma. Só ficou a ovelha manca. Eu não dei por nada, porque a minha casa é um bocadinho deslocada do local onde eu as deixo», conta ao Nascer do SOL. Segundo Miguel Ruivo, nessa mesma altura também atacaram um vitelo a um outro senhor, bem como outro rebanho, dentro da corriça de uns vizinhos. «Foi antes de ontem. O senhor tem 200 ovelhas. De manhã, quando lá chegou, estavam duas mortas, comeram-lhe um cordeiro pequeno e morderam mais umas sete ou oito. Há quatro dias também apareceram mortas mais 40 de um outro senhor», lamentou.
«Eu gostava que me ajudassem, mas não me pagam nada. Chegam cá, inspecionam o espaço, andaram à procura dos lobos… Não sei bem como serão as coisas. Ficamos com o prejuízo, mais nada. Isto é o meu trabalho, a minha vida», acrescentou preocupado com o futuro. Na sua opinião, parece que a quantidade de lobos está a aumentar. «Sábado à noite, regressado de um baile, um vizinho viu um lobo a atravessar a estrada. Isto torna-se perigoso também para nós, não é? Quem nos protege destes animais?», interrogou o pastor, que revelou que se ouve na aldeia que «andam por aí a soltar lobos». «Trouxeram-nos do Gerês. Nota-se nas pegadas e na forma como eles matam as ovelhas. O lobo ataca a goela do bicho. Há aqui muitos rebanhos, muitas crias e claro que os animais procuram comida», acredita.
«Entraram na corriça durante a noite e quando lá chegámos de manhã tínhamos oito ovelhas todas mordidas, duas mortas e uma metade comida», revela Adélia, vizinha de Miguel Ruivo. Desde que isso aconteceu, ela e o marido dormem na corriça: «Eu e o meu marido não moramos longe, mas para vermos se eles lá voltam, ficamos a dormir na corriça. Também tenho estado a informar-me um pouco sobre estes animais. Li que se eles matarem e comerem, só passados seis dias é que voltam ao mesmo rebanho», explicou a pastora, realçando que não resta margem para dúvidas: «Trata-se mesmo de lobos».
Tal como a Miguel Ruivo, o que lhe contam é que estão a soltar lobos na zona: «Os lobos chegam aqui, ficam com fome, claro que têm de acabar os rebanhos para comerem… Mas depois dão-nos prejuízo e ninguém assume a responsabilidade», exaltou. «Como é que vai ser? Não pagam nada… Eu hoje tive de ir à veterinária comprar antibiótico para as ovelhas mordidas. Duas até têm buracos na barriga. São só despesas. Ligamos para um lado, dizem-nos para ligar para outro… E ninguém faz nada», condena. «Desde que isto começou a acontecer que nós não dormimos descansados. Sempre a pensar que de manhã podemos ter uma surpresa desagradável», acrescenta Adélia.
Tiros e atropelamentos
Além destes episódios, no dia 12 de abril, um lobo morreu atropelado por um carro, numa estrada na região da Corunha, na Galiza. O motorista relata que três animais o cruzaram ao mesmo tempo, fazendo com que o homem não conseguisse evitar a morte de um deles. Já o motorista saiu completamente ileso, enquanto o carro sofreu danos leves nas proximidades de um farol. Uma equipa do Meio Ambiente foi ao local para se encarregar do corpo do animal e realizar a autópsia.
O evento levantou expectativas entre os moradores da área devido à proximidade das casas – menos de 100 metros – e a presença de três lobos em plena luz do dia naquelas redondezas.
Para além dos passeios, no dia 17 de março, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) disse à Lusa que dois lobos-ibéricos haviam sido encontrados mortos nos concelhos de Montalegre e dos Arcos de Valdevez, estando o Ministério Público a investigar.
«As circunstâncias em que ocorreram as mortes dos dois animais ainda vão ser apuradas. Não aparentando, contudo, haver qualquer relação entre elas», refere o ICNF. «Ao ter tido conhecimento dos dois cadáveres, o ICNF ativou de imediato o protocolo estabelecido no âmbito do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos, que envolve este instituto, a GNR, o Ministério Público e o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV)», explicava na altura à mesma publicação.
Ao Nascer do SOL, o ICNF revelou que, no âmbito do Sistema de Monitorização de Lobos Mortos, este ano já foram recolhidos quatro cadáveres de lobo, todos localizados na região norte.
Segundo a deputada e porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, apesar do lobo ibérico ter um estatuto especial de conservação e ser, desde 1989, uma espécie estritamente protegida, o que se tem verificado no terreno é que «não existe uma efetiva proteção da espécie». De acordo com a representante, são vários os casos que têm vindo a ser denunciados, de vários exemplares desta espécie que têm sido encontrados mortos nas regiões do Parque Nacional da Peneda Gerês e na região de Trás-os-Montes nos últimos anos, «sem que sejam conhecidos os resultados das investigações ou se houve lugar a algum tipo de sanção dos responsáveis pelos crimes». «O PAN lamenta, por isso, profundamente que mais dois exemplares desta espécie protegida tenham sido abatidos no nosso país e, ao que se sabe, mais uma vez com total impunidade dos responsáveis», frisou Inês de Sousa Real. Sobre estes casos em concreto, o PAN deu entrada em março na Assembleia da República de uma pergunta dirigida ao Ministério do Ambiente e Ação Climática, que até à presente data continua sem resposta. «Não compreendemos o silêncio do ministério que tem a tutela do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que é a Autoridade Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade», lamenta.
No entender do partido, o número de abates desta espécie deve «merecer preocupação do Estado» no sentido de «investigar e apurar responsabilidades», além de adotar «medidas urgentes para travar o abate de mais exemplares naquela região», tal como o PAN propôs e foi «rejeitado pela maioria parlamentar do PS».
Na procura de alimento
Como é evidente, desde os terríveis acontecimentos, que a população começou a reagir. O que coloca algumas questões no ar. De quando são os últimos censos da espécie? Por que é que estes não são realizados desde 2002-2003? Será que realmente existe guerra na Europa sobre o assunto? Sabemos que o Parlamento Europeu é pela «redução do estatuto de proteção» do lobo. Portugal é um dos 11 países que continuam a defender a defesa da espécie como até aqui.
Segundo Sara Aliácar, diretora de conservação da Rewilding Portugal – uma organização privada sem fins lucrativos, estabelecida em janeiro de 2019 na Guarda, cuja missão é «promover a conservação da natureza por meio de medidas de rewilding em Portugal» –, com um povoamento disperso como existe no Norte de Portugal, existem estradas e propriedades até em áreas isoladas e áreas naturais, por isso é mais fácil ver um lobo neste tipo de locais do que quando existem povoamentos concentrados e grandes áreas naturais que não são habitadas. «Por outro lado, o lobo é uma espécie que tem territórios grandes, de dezenas ou mais de uma centena de quilómetros quadrados, dependendo do tamanho da alcateia e da densidade de alimento», começou por explicar. Quanto menor é o alimento disponível, maior é o território que o lobo defende e usa para caçar. Isto leva-os a cruzar inúmeras estradas e a passar perto de povoamentos. «Por outro lado, o lobo é uma espécie oportunista e se encontrar alimento fácil, sem proteção, perto de um povoamento pode decidir consumi-lo, apesar de isso ser mais arriscado», continuou.
Interrogada sobre a questão dos censos e da quantidade de lobos que existem em Portugal, a especialista garante que Portugal é dos poucos países da Europa onde a população de lobo «não tem estado a aumentar nos últimos 20 anos». Pelo contrário, defende, «ainda continua numa situação precária e tem vindo a diminuir em algumas zonas, e noutras apenas a manter-se estável».
O último censo da espécie realizou-se entre 2019 e 2021, coordenado pelo ICNF, e os dados serão publicados este ano. Os últimos dados publicados são no âmbito do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal, que foram publicados no final de abril de 2023, e que estimam que o número de lobos no país será aproximadamente 300, dos quais menos de 250 seriam indivíduos maduros (que se podem reproduzir).
«Está em curso o tratamento dos dados recolhidos no âmbito do novo censo nacional 2019/2021, verificando-se a existência de um número de alcateias análogo ao registado no censo anterior, e consequentemente uma estabilidade no efetivo populacional estimado, ou seja cerca de 300 lobos. Acresce que este efetivo, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), é considerado reduzido para assegurar a conservação da espécie a longo prazo, justificando a atribuição do estatuto de conservação de ‘Em Perigo’ no Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal, recentemente publicado», afirma o Instituto.
De acordo com a Pedro Prata, da DearWolf, estes aparecimentos – em lugares menos comuns – justificam-se, por isso, com «o aumento de telemóveis com capacidade de registo fotográfico», com «uma crescente atenção direcionada à espécie», com «perturbação de zonas de refúgio», com «normais movimentos de exploração e dispersão de animais subadultos com menor timidez típica desse estádio de desenvolvimento».
Ajudar os lesados
O PAN lembra ainda que tem defendido a agilização dos mecanismos de compensação por eventuais danos causados pelo lobo ibérico, pois o atual mecanismo existente «dificulta a reparação desses mesmos danos», a par de «uma ausência de programas de reintrodução de presas naturais no habitat destas espécies», bem como a «depredação dos habitats naturais», que «condenam o lobo a uma maior vulnerabilidade».
Como sucede com qualquer outro tipo de espécie que vê o seu habitat destruído pela ação humana ou por essa via ou por outras condições há um declínio de alimento – explica o PAN–, os animais «arriscam a vida junto de povoações» e percorrem maiores distâncias na procura de alimento. «O problema não é a deslocação que espécies como o lobo fazem no nosso território, é antes a forma como temos vindo a pôr em causa áreas naturais e não salvaguardamos a conexão entre as mesmas ou até a criação de corredores ecológicos», defende.
Com vista a apaziguar o conflito existente entre o ser humano e o lobo, a legislação veio prever, nomeadamente, na Lei de Bases da Proteção do Lobo Ibérico e no diploma que a regulamenta, a responsabilidade do Estado em indemnizar os cidadãos que venham a ser considerados como diretamente prejudicados pela ação do lobo, como medida de proteção desta espécie, sendo os mesmos ressarcidos, mediante participação ao ICNF. «Na sequência de inúmeros pedidos apresentados à tutela pelo ICNF, e reforçado por Organizações Não-Governamentais de Ambiente e Grupos Parlamentares, a norma transitória prevista no Artigo 17º do Decreto-Lei nº 54/2016, foi prorrogada até 31 de dezembro de 2024, através do Artigo 154º do Decreto-Lei nº 537/2022, de 12 de agosto, que estabeleceu as normas de execução do Orçamento de Estado para 2022», explica o Instituto. Ou seja, até 31 de dezembro de 2024, são ressarcidos danos em animais que não se encontrem nas situações referidas na alínea a) do n.º 3 do artigo 10.º, se o relatório referido no artigo 9.º permitir concluir que esses danos foram diretamente causados pelo lobo.
No entanto, sucede que todos os cidadãos lesados por danos a animais diretamente causados pelo lobo ibérico ficaram, desde janeiro de 2022 (cinco anos após a entrada em vigor da lei), excluídos de qualquer compensação, de acordo com o Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza. «O PAN considera ser absolutamente premente e essencial a prorrogação do prazo enunciado na disposição transitória, de forma a que não se verifiquem mais situações de abate de lobos por receio ou retaliação de criadores de gado por se verem excluídos das medidas indemnizatórias», reforçou Inês de Sousa Real.
No caso do lobo, o PAN vem, por isso, reiteradamente há vários orçamentos do Estado a apresentar propostas para que esta medida seja resposta, contudo, a maioria parlamentar não nos tem acompanhado, contribuindo assim para a manutenção do atual conflito.
Segundo o ICNF, por diversas razões que se prendem também com alterações no funcionamento do mecanismo de indemnização por prejuízos atribuídos ao lobo, «o número de prejuízos atribuídos ao lobo comunicados ao Instituto, tem vindo a decrescer, não existindo qualquer evidência de que a ocorrência de ataques esteja a aumentar». «As ocorrências de ataques atribuídas ao lobo, comunicadas ao ICNF, são objeto de uma vistoria e sempre que pela informação recolhida – análise de vestígios da presença de lobo e cumprimento dos requisitos legais de proteção do gado, o proprietário dos animais lesados é compensado pelas perdas registadas. Os tratamentos veterinários também são alvo de compensação», garante o Instituto.
No âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum – PEPAC 2023-2027 -, adianta ainda, está prevista uma intervenção agroambiental com vista à proteção e recuperação de espécies da fauna com estatuto de ameaça associadas a sistemas agrícolas – ‘Proteção de espécies com estatuto – Superfície agrícola’, entre as quais o Lobo-ibérico.
À semelhança da medida para criadores de gado, que esteve em vigor no período 2014/2022, está neste momento a decorrer, e até 31 de maio, o período para apresentação de candidaturas à nova medida de apoio ao cão de proteção de gado.
Discussão no PE
No dia 18 de fevereiro, o Público noticiou que os ministros do Ambiente de mais de uma dezena de Estados-membros (incluindo o ministro do Ambiente e da Ação Climática de Portugal, Duarte Cordeiro) se encontravam contra «reduzir o estatuto de proteção do lobo». E, no início de março, enviaram uma carta ao comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas, dizendo serem contra uma resolução sobre carnívoros de grande porte que foi adotada pelo Parlamento Europeu em novembro do ano passado.
Mas o que argumenta a resolução? Segundo o Parlamento, como alguns grandes predadores – nomeadamente lobos e ursos – estão a conseguir aumentar a sua área de distribuição «em muitas regiões da Europa» — e, consequentemente, a prejudicar agricultores e criadores de gado de forma mais significativa —, justifica-se uma «redução do estatuto de proteção» do lobo (Canis lupus).
No entanto, numa altura de crise para a biodiversidade, segundo o Euractiv, site de informação europeia, os ministros rejeitam «de forma inequívoca a tendência da resolução para enfraquecer a proteção legal do lobo». Aliás, os 12 signatários fazem referência ao «papel indispensável» que os grandes predadores desempenham em matéria de regulação dos ecossistemas. Dos signatários fazem parte a Eslováquia, Alemanha, Áustria, Bulgária, Chipre, Eslovénia, Espanha, Grécia, Irlanda, Luxemburgo, Portugal e Roménia.
A resolução em questão cita ainda uma avaliação recente do estado de conservação do lobo na Europa, realizada pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), para referir que a área de distribuição deste predador no continente «registou um aumento de mais de 25%» nos últimos dez anos. «O impacto negativo dos ataques ao gado pela crescente população de lobos é cada vez mais acentuado», argumenta também a resolução.
Mas, para Sara Aliácar, o argumento que está a ser colocado sobre a redução do estatuto de proteção a nível europeu «está ligado aos interesses de lobbys de caça». Não tem uma justificação nem ecológica nem social. «O lobo é um predador de topo, os seus números regulam-se em função do alimento disponível e das condições ambientais, doenças, etc. Desde o ponto de vista social, há quem defenda que reduzir o número de lobos reduz a predação sobre os efetivos pecuários, mas já há vários estudos científicos que mostram o contrário», explica a diretora de conservação da Rewilding.
Segundo o ICNF, as dificuldades de gestão das populações de grandes carnívoros e a sugestão de flexibilizar a aplicação das normas da Diretiva Habitats, bem como de baixar o estatuto de proteção do lobo no âmbito da Convenção de Berna, constituem temas recorrentes das reuniões dos comités destes acordos internacionais. Contudo, diversos países, entre os quais Portugal, têm manifestado a sua discordância relativamente à alteração do estatuto de proteção da espécie, «uma vez que os dados existentes sobre as populações de lobo na Europa não suportam essa necessidade».
Em Portugal, o lobo é, desde 1989, uma espécie estritamente protegida, quer por via de legislação europeia (Convenção de Berna e Diretiva Habitats), quer por via de legislação nacional, não sendo alvo de exploração cinegética ou controles populacionais. «O modelo de conservação do lobo adotado por Portugal tem-se baseado na promoção da compatibilização das atividades humanas, em particular da atividade pecuária, com a presença da espécie, nomeadamente através da compensação pelo Estado de prejuízos causados pelo lobo em animais domésticos, e da promoção da implementação de medidas eficazes de proteção destes contra ataques de lobo», esclareceu a entidade, que defende que este modelo «tem permitido assegurar a estabilidade global da população de lobo em Portugal, sem necessidade de recorrer à exploração ou controle populacionais».
Segundo o ICNF, está por demonstrar objetivamente a eficácia do abate de predadores para minimizar a predação sobre efetivos pecuários e o conflito decorrente da mesma: «Antes pelo contrário, os resultados de vários estudos indicam que o controlo de predadores de topo pode mesmo ter efeitos contraproducentes e impactos negativos significativos ao nível dos ecossistemas», garantiu. Por isso, existindo alternativas não letais eficazes para a gestão das populações de grandes carnívoros, que passam nomeadamente pela promoção de sistemas e práticas de pastoreio adaptados à presença destas espécies, entende-se «não ser necessário flexibilizar as disposições da Diretiva Habitats para gestão das populações de grandes carnívoros, nem rever o estatuto do lobo ao nível da Convenção de Berna».
«A proteção eficaz dos animais domésticos face a ataques de grandes carnívoros, permite não só minimizar os prejuízos e o conflito decorrente desta situação, mas também potenciar a regulação natural das populações destas espécies, bem como as populações das suas presas selvagens», explicou ainda.
Neste sentido, a Comissão Europeia tem apoiado, por exemplo através da PAC e do programa LIFE, a compatibilização da atividade pecuária com a presença de grandes carnívoros, financiando a implementação de medidas de proteção dos efetivos pecuários face a ataques de grandes carnívoros. «Em Portugal, têm existido vários apoios aos proprietários de efetivo pecuário, que desenvolvem a sua atividade em território de lobo, nomeadamente a distribuição de cães de proteção de gado no âmbito de vários projetos LIFE (Coex, Medwolf, Wolflux) e pelo ICNF, bem como uma medida de apoio à manutenção de cães de proteção de gado no âmbito do Plano de Desenvolvimento Rural, da PAC», reforçou o Instituto. Esta medida vigorou no anterior quadro comunitário (2014-2020/2022), tendo tido mais de 3.300 beneficiários.
Interrogada sobre os boatos de que há gente a largar lobos em algumas zonas, Sara Aliácar garante que «nunca foi realizada nenhuma reintrodução de lobos em Portugal nem em nenhum país da Europa». «Existem rumores não fundamentados, baseados na desconfiança que existe com as autoridades e com certos interesses particulares, de que se largam lobos. Infelizmente, alguns jornalistas têm legitimado e dado palco a estas alegações nos meios de comunicação sem as contrastar com os factos. Isso tem efeitos negativos, incluindo para quem trabalha na conservação da espécie. Todas as reintroduções de animais, como no caso do lince ibérico, são públicas e estão documentadas e justificadas. O ICNF requer estudos de viabilidade social e ecológica antes de autorizar uma reintrodução, e os mesmos podem ser requisitados às autoridades», afirmou. «O lobo é uma espécie que sempre existiu em Portugal, que nunca se extinguiu do Nordeste do país, e que tem uma grande capacidade para se deslocar e colonizar novas áreas», reforçou.
Para Aliácar, o Estado «precisa de investir mais em recursos próprios ou apoiando a entidades privadas para que os produtores possam ter acesso a financiamentos para implementar medidas de prevenção de prejuízos». Além disso, a especialista defende o «acesso também a apoio técnico para que conheçam que opções existem, quais se podem adaptar melhor a cada exploração e maneio e como usá-las adequadamente».
Tal como em Portugal, nas Astúrias os protestos contra a proteção destes carnívoros têm-se arrastado ao longo dos anos e intensificaram-se desde que se proibiu a captura do animal, que em 2021 passou a estar incluído na Lista de Espécies da Fauna Selvagem em Regime de Protecção Especial (LESRPE). A sua captura é agora proibida em todo o território espanhol e só é permitida em casos excecionais. Antes da adoção desta medida, nas Astúrias havia um controlo por guardas florestais. A ordem ministerial foi rejeitada pelos agricultores e pelos governos de Castela e Leão, Galiza, Astúrias e Cantábria, comunidades onde vive 95% da população de lobos da Espanha. Ou seja, de acordo com o El País, o controlo das populações de lobos que vivem naquela área deixou de ser permitido e, com essa proteção, há mais animais na região. Consequência?_Também aumentaram os ataques ao gado.
E, na sexta-feira passada, a situação «subiu de tom». Duas cabeças de lobo foram deixadas de manhã cedo na porta da Câmara Municipal de Ponga. Segundo o jornal espanhol, a «descoberta macabra», aconteceu pouco tempo antes da presidente da câmara, Marta María Alonso, chegar à autarquia. Nesse dia, a sua agenda incluía uma reunião do Conselho de Governo com o presidente do principado, o socialista Adrián Barbón.