Sistema financeiro volta a tremer

Os bancos americanos não têm dado descanso, desde março. Subida das taxas de juro estará a penalizar, mas analistas contactados pelo Nascer do SOL afastam cenário de novo subprime.

O sistema financeiro norte-americano continua a tremer e depois das falências do Silicon Valley Bank (SVB), Silvergate Bank e Signature Bank foi a vez do First Republic colapsar, esta semana. Uma instabilidade que se arrasta há cerca de dois meses e está a deixar os investidores em alerta. Um cenário que não surpreende os analistas contactados pelo Nascer do SOL face ao aumento contínuo das taxas de juro levado a cabo pela Reserva Federal norte-americana (Fed). 

Ainda esta semana, o banco central voltou a subir os juros em 25 pontos – o 11.º aumento consecutivo – mas deu sinais de um possível abrandamento no futuro. Jerome Powell, presidente da Fed, mostra-se, no entanto, tranquilo, referindo que «o sistema bancário dos EUA é sólido e resistente» e que não tem «planos para uma consolidação bancária adicional», sublinhando também que «os fluxos de depósitos dos grandes bancos finalmente estabilizaram».

Para Vítor Madeira, analista da XTB, «era previsível que as subidas das taxas de juro poderiam colocar os bancos numa situação mais vulnerável, apesar de que numa fase inicial beneficia o setor, a médio e longo prazo pode prejudicar os bancos com menor liquidez», acrescentando ainda que o Silicon Valley Bank – o primeiro a colapsar – foi «uma das vítimas das políticas monetárias agressivas conduzidas pelos Bancos Centrais, visto que as subidas das taxas de juro penalizaram o preço das obrigações do tesouro a que o banco tinha elevada exposição, por via de uma má gestão de risco». 

Também Mário Martins chama a atenção para a subida muito agressiva dos juros por parte da Fed, mas, ainda assim, acredita que o sistema financeiro norte-americano «está hoje muito bem capitalizado e os reguladores/supervisores atuaram de forma célere, estancando a crise logo no seu início».

Ainda esta semana, o JPMorgan Chase anunciou a compra da maioria dos ativos do First Republic após a queda do banco, depois de as ações do banco terem caído mais de 97% desde que os problemas do Silicon Valley Bank vieram à tona, em meados de março.

O Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) – a agência governamental independente que garante os depósitos dos clientes bancários – garantiu cobrirá 80% de quaisquer perdas incorridas na carteira de créditos à habitação residenciais unifamiliares e empréstimos comerciais do First Republic nos próximos cinco a sete anos. O JPMorgan Chase também irá assumir a dívida corporativa do First Republic e receberá 50 mil milhões de dólares (45,6 mil milhões de euros) em financiamento do FDIC para concluir o negócio. Também o Silicon Valley Bank e o Signature Bank foram assumidos pela FDIC no mês passado.

 

Crise regional

Para já, Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, diz que a atual crise bancária norte-americana tem-se circunscrito aos bancos regionais. «Depois da crise do subprime e conscientes da existência de bancos sistémicos, ou seja, bancos demasiadamente importantes para caírem (too big to fail), cujo seu desaparecimento poderia ter um impacto negativo no sistema financeiro regional e global, as autoridades norte-americanas exigiram aos bancos rácios de capital bastante mais elevados, assegurando dessa forma um sistema bancário mais sólido», revela. 

O responsável recorda ainda a legislação criada, em 2010, a chamada lei Dodd-Frank, que veio «reforçar as exigências de capital e um escrutínio mais rígido a todos os bancos com mais de 50 mil milhões de dólares de ativo, ou seja, se é ‘demasiado grande para falir’ também tem que apresentar rácios mais sólidos e prestar contas às autoridades mais frequentemente». 

No entanto, lembra que, em 2018, esta lei foi parcialmente revertida, «tendo o valor mínimo do ativo subido de 50 mil milhões para 250 mil milhões de dólares, afastando do perímetro de controlo e escrutínio boa parte dos bancos regionais norte-americanos. Silicon Valley Bank, Signature Bank e First Republic tinham ativos à volta dos 210 mil milhões de dólares, um valor inferior ao escrutínio mais rígido».

 

Nova crise de subprime?

Apesar desta instabilidade, Mário Martins refere que são casos distintos, seja nos riscos em causa, como na estabilidade do sistema.

Também Pedro Assunção, chief investment officer, da Forste, acredita que esta crise estará mais relacionada com a que ocorreu em meados dos anos 80 – das Savings & Loans – e menos do que ocorreu em 2008. «Se assim for, e tendo em conta que aproximadamente 1/3 das S&L faliu ao longo de 10 anos, num processo arrastado mas muito menos penoso do que a crise de 2008, podemos esperar mais episódios como o do SVB ou do First Republic, mas sem um efeito sistémico no setor bancário», salienta.

E chama a atenção para o facto de a crise em 2008 ter ganho uma verdadeira dimensão quando foi permitido que a Lehman Brothers falisse. «O seu papel como uma das placas centrais na actividade de estruturação de crédito, fez com que a sua queda tivesse milhares de ramificações, gerando um verdadeiro efeito sistémico a nível mundial. Esta crise, até à data, não tem nenhum destes contornos. Não está centrada em ativos tóxicos nem nenhum dos intervenientes tem um papel central no sistema», acrescenta.

Ainda assim, refere que tanto o SVB, como o Signature Bank e o First Republic, partilham características com outros bancos regionais americanos e face a esse cenário entender que «é fácil acreditar que o problema pode não estar sanado. Para mais, o ciclo de crédito ainda não começou a deteriorar-se verdadeiramente. Quando isto acontecer os riscos vão aumentar».

 E acrescenta: «O facto de os acionistas destes três bancos terem perdido todo o seu dinheiro também não está a ajudar a recuperar a confiança nos outros bancos. Vai possivelmente ser necessária uma reestruturação mais profunda do sistema, se se quiser evitar que uma faixa de bancos intermédios desapareça e que a concentração aumente muito no sistema bancário americano (como já aconteceu com a JPM a ser autorizada a comprar outro banco apesar de já ultrapassar a quota de 10% dos depósitos)». No entanto, lembra que a crise tem beneficiado os maiores bancos, já que estão a ganhar quota de mercado porque os depositantes consideram-nos mais seguros.

Também pouco otimista está Vítor Madeira, já que admite que não existem crises iguais, uma vez que, entende que cada situação é diferente. «Existe risco de uma crise financeira global. Sabemos que o risco sistémico na banca é sempre algo que deve ser considerado. Neste momento ainda não se sente diminuições significativas no preço das casas, caso isso aconteça poderia desencadear problemas acrescidos para os bancos no caso de haver incumprimentos pelas famílias», refere. 

 

Dores de cabeça na Europa

Para o analista da ActivTrades, «a normalização da política monetária, irá, certamente, causar algumas dores de cabeça às instituições menos bem preparadas para este novo paradigma de juros altos, nomeadamente ao nível das imparidades, no entanto o sistema está hoje bastante mais sólido e capaz de navegar um ciclo normal de recessão ou crescimento muito diminuto».

Também o economista do Banco Carregosa lembra que os bancos europeus «são bastante escrutinados e seguem tramites de rácios de capital suficientemente sólidos».

Uma opinião partilhada pelo analista da XTB, ao reconhecer que podemos assistir a esta instabilidade «caso o rumo da inflação não siga o que os bancos centrais esperam», defendendo que, «nesse caso, então significa que os bancos centrais terão que subir ainda mais as taxas do que o esperado e isso poderia provocar uma recessão profunda que por sua vez poderia provocar às empresas e às famílias o incumprimento com as suas obrigações bancárias e poderia levar a sérios problemas para os bancos». 

Já Pedro Assunção refere que a queda do Credit Suisse, a intervenção do Banco Nacional Suíço e a venda à UBS, parece ser um caso isolado. «O CS era o ‘elo mais fraco’ da banca europeia, com perdas significativas de recursos ao longo de 2022. Por isso, foi a transposição mais fácil daquilo que se estava a passar nos EUA. E era um caso de conhecidos problemas há anos e este episódio veio simplesmente encurtar dramaticamente o tempo disponível para os resolver», acreditando que «não é evidente que mais algum banco europeu esteja na mesma posição de perda de clientes e recursos que possa provocar uma corrida ao banco. Além disso, os bancos europeus sofreram um aumento significativo de regulamentação desde a crise financeira e, ao contrário do que sucedeu nos EUA para os bancos como o SVB, não houve qualquer alívio por exemplo na condução de stress tests. Isto permite ter um pouco mais de confiança no conhecimento sobre situações de risco e em princípio na capacidade de intervenção antecipada para reforço dos capitais se necessário».

E mesmo reconhecendo que nenhum banco está isento de risco, está confiante que há um menor risco de uma corrida a um banco europeu. «Tal como nos EUA o ciclo de crédito na Europa ainda não teve grande deterioração. Isso vai acontecer ao longo dos próximos meses à medida que a subida de taxas produz o seu efeito nos custos financeiros e as condições económicas se deterioram. Nessa altura veremos se efetivamente os cenários de stress foram bem simulados e se os bancos estão de facto suficientemente capitalizados», conclui.