Tabaco. Nova lei queima crise política

Chega denuncia ‘manobra de diversão’ do Governo para afastar a crise política e as polémicas sobre membros do Governo e o caso TAP da agenda pública e mediática.

As novas restrições ao tabaco, aprovadas esta quinta-feira em Conselho de Ministros, conseguiram eficazmente colocar meio país (fumadores e não só)  a falar sobre cigarros, depois de duas semanas em que o caso Galamba abriu telejornais e encheu manchetes na imprensa. Desde os revendedores de combustíveis ao setor da restauração, a proibição da  venda de tabaco nas bombas de gasolina e em máquinas automáticas no interior de restaurantes, bares e estabelecimentos afins tem sido genericamente mal recebida. Contudo, a contestação não fica por aqui.

Do lado dos partidos da oposição, há quem veja este novo pacote de medidas do Governo como uma cortina de fumo para abafar o ambiente de polémica em que está envolto o Executivo de António Costa.

«É uma manobra de diversão. É uma questão que traz bastante conturbação social e que tem em vista, a nosso ver, desinsuflar outros assuntos mais importantes a nível nacional, como a idoneidade do Governo, a relação entre São Bento e Belém ou a execução dos fundos do PRR», considera Pedro Frazão,  em declarações ao Nascer do SOL.

O deputado do Chega, que integra a comissão parlamentar de Saúde, diz que está também em causa uma «restrição à liberdade», dada a proibição de fumar ao ar livre junto a edifícios públicos ou em esplanadas fechadas ou parcialmente fechadas.

«Fumar é um ato lícito, obviamente que existe em contraponto o valor de saúde, mas esse deve ser direcionado do ponto de vista da literacia para a saúde, da promoção de campanhas antitabágicas, e não através da restrição de um direito dos cidadãos», argumenta, denunciando que com estas novas regras «há uma entrada dentro de uma esfera de liberdade do cidadão».

Já o PSD não faz juízos sobre as intenções do Governo em lançar este debate para a ordem do dia, mas critica a postura dos socialistas em relação a propostas anteriores que, por exemplo, previam a alocação de 3% da receita fiscal  em produtos de tabaco para a promoção da saúde.

«Isto é incoerente, porque o Governo nos momentos em que teve   oportunidade no passado de votar a favor de propostas que poderiam ajudar a contribuir para melhorar a resposta da saúde não o quis fazer», critica Ricardo Baptista Leite, em declarações ao Nascer do SOL.

Ainda assim, o deputado social-democrata recorda que as medidas do Governo são um reflexo de um conjunto de propostas de uma diretiva europeia e, por essa razão, «o PSD é a favor de políticas que procurem diminuir o consumo e a oferta destes produtos no mercado, sobretudo com foco na população mais jovem».

Apanhados de surpresa

Eram 9h30 da manhã, o centro comercial Vasco da Gama, no PArque das Nações, em Lisboa, já estava aberto, mas algumas lojas ainda não tinham começado a trabalhar. Andreia Leal desfrutava do seu cigarro aquecido antes de ir abrir a sua loja. Enquanto falava com o Nascer do SOL, descobriu que a partir de agora já não poderia fumar em «locais de acesso ao público em geral ou uso coletivo». Via-se na sua cara de espanto que estas medidas a tinham apanho desprevenida. Andreia, apesar de responder com  reticência, concordava com a medida, pois compreende a tentativa de «tentar limitar cada vez mais o acesso ao tabaco».

Foi anunciada pelo Governo, na passada quarta-feira, numa nota, intitulada «Geração sem tabaco até 2040», uma proposta de lei com as novas restrições aos fumadores. Com estas medidas passará a ser limitada a venda de tabaco apenas a papelarias e aeroportos a partir de janeiro de 2025 e não será possível fumar ‘ao ar livre’ em locais como ‘estabelecimentos de saúde, estabelecimentos de ensino, recintos desportivos’, salienta o comunicado.  

Estas medidas procuram aumentar as «restrições ao fumo e à venda de produtos de tabaco, tendo por objetivo diminuir os estímulos ao consumo e contribuir para uma geração livre de tabaco até 2040». Em entrevista à SIC Notícias, a secretária de Estado de Promoção da Saúde, Margarida Tavares, sublinha que o objetivo destas medidas é «promover a saúde», procurando-se com estas limitações que os «jovens experimentem menos o tabaco e fiquem menos dependentes do tabaco, e também que as outras pessoas que já fumam sejam incentivadas a deixar de fumar e também proteger as pessoas que não fuma da exposição ao fumo do tabaco».

À saída da Gare do Oriente, Paulo Margarido conta que fumar tabaco é um «vício como outro qualquer». Não concorda com as medidas restritivas, porque acredita que «as pessoas não vão deixar de fumar», mesmo que diminuam os locais de venda ou os sítios onde se pode fumar. Segundo a proposta de lei, a partir de 2025 as vendas em máquinas automáticas vai deixar de ser possível em restaurantes, bares, salas e recintos de espetáculo, casinos, bingos, salas de jogos, feiras, exposições e bombas de gasolinas. Em suma, lê-se na proposta, a proibição de venda de tabaco estende-se à «generalidade dos locais onde é proibido fumar, redefinindo-se igualmente os espaços onde é permitido a instalação de máquinas de venda automática, as quais devem localizar-se a mais de 300 metros de estabelecimentos de ensino».

Em tom de exaltação, Paulo Margarido finaliza a conversa afirmando que «os fumadores são sistematicamente discriminados».

Com as novas medidas do Governo, deixará de ser permitido fumar em muitos lugares ao ar livre. Já a partir de 23 de outubro deste ano vai ser proibido fumar no «perímetro» de escolas, hospitais, centros de saúde, recintos desportivos e até em «estações, paragens e apeadeiros de transportes públicos». O Governo estende ainda estas restrições a esplanadas cobertas. Margarida Tavares explicou, em declarações ao Jornal de Notícias, que basta haver «algum tipo de cobertura, e não é preciso ser completa», para ser proibido fumar.

Tiago Pereira, sentado num café na estação de comboios da Gare do Oriente, onde a partir de outubro será proibido fumar, concorda com Paulo Margarido. Com um cigarro na mão e as malas à sua volta, o viajante acredita que o «ser humano tem que se adaptar». «Se eu estou aqui, sem tabaco, e o tabaco está ali, e apetece-me fumar, eu vou até ali». Tiago acrescenta ainda que «tudo tem os seus pontos negativos e os seus pontos positivos», mas, se estas medidas existem para limitar onde não se deve fumar, devem ser criados mais espaços onde as pessoas possam fumar: «Eu sou fumador e não sou contra isso [as restrições], as pessoas que estão aqui não têm de estar a levar com o meu fumo. No entanto, acho que tem de haver sítios estipulados para nós fumarmos».

No que toca aos sítios onde se pode fumar, a secretária de Estado corta o mal pela raiz e defende que «basicamente deixa de haver locais onde seja possível fumar». No caso de restaurantes, bares e discotecas que instalaram em janeiro deste ano equipamentos que permitam «ter espaços separados e protegidos para fumadores», estes poderão mantê-los em 2030. No entanto, estas medidas visam «impossibilitar a criação de novos espaços reservados a fumadores nos recintos onde já é proibido fumar nas áreas fechadas», com exceção de locais como «aeroportos, as estações ferroviárias, as estações rodoviárias de passageiros e as gares marítimas e fluviais», onde não é possível ir fumar a outro local.