por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto
É certo que 2023 será um desafio para a aplicação dos fundos europeus. Uns a terminar, outros a meio e outros a arrancar. Os atrasos perspetivam-se e os alertas não têm sido poucos, apesar das boas perspetivas do Governo. Os dados mais recentes no que diz respeito ao Portugal 2020 mostram que este programa atingiu, nos primeiros três meses deste ano, uma taxa de compromisso de 116% e uma taxa de execução de 88%. Comparando com dezembro do ano passado, a despesa executada aumentou 643 milhões de euros, “sendo de destacar, com maiores taxas de execução face ao fundo programado, os domínios temáticos do capital humano e da inclusão social e emprego, ambos com 95%, seguindo-se o da competitividade e internacionalização com 87%”, destaca o boletim informativo dos fundos da União Europeia.
No que diz respeito ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), no final do mês passado, tinham sido executados pagamentos no valor de 1.797 milhões de euros, o que representa 11% da verba total dos 16,6 milhões de euros iniciais. Mas de acordo com os últimos dados divulgados pelo relatório de monitorização, o montante somou para 1,8 mil milhões, em que o grande beneficiário foram as entidades públicas ao receber 572 milhões, seguido pelas empresas (346 milhões) e pelas empresas públicas (299 milhões), estando no final da lista as instituições do sistema científico e tecnológico que recebeu apenas 22 milhões de euros (ver infografia).
Olhando para o Portugal 2030, espera-se que sejam aplicados 23 milhões de euros mas o plano anual só será apresentado em setembro.
Para Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), a execução a bazuca deve ser dividida em duas vertentes: níveis de aprovação e de pagamento ainda que, no que diz respeito aos níveis de aprovação, “a AEP congratula-se com os bons níveis de execução, cerca de 12,8 mil milhões de euros em 16,6 mil milhões de euros disponíveis, o que corresponde a uma taxa de aprovação de 77%”. No entanto, o mesmo não acontece com os pagamentos cuja demora “tem sido um fator crítico na execução do PRR, sendo fonte de redobrada preocupação”. Luís Miguel Ribeiro dá números: “Em termos globais, os pagamentos representam apenas 14% do montante aprovado, sendo ainda mais baixa a proporção no caso das empresas (apenas 9%)”.
Já José Eduardo Carvalho, presidente da Associação Industrial de Portugal (AIP), defende que, por vezes, se esquece que “os PRR na Europa foram concebidos para combater uma recessão” e que na maior parte dos países, “este plano começou a ser executado na fase do contraciclo da crise provocada pela pandemia”. O responsável lembra que, “entretanto, entrámos numa retração económica provocada pela inflação, cadeias de abastecimento, crise energética e de aprovisionamento de matérias-primas e estes programas voltaram ao seu objetivo inicial”.
O responsável lembra ainda que o PRR português tem algumas características: é um programa de alívio da pressão sobre as contas públicas estimulando a economia; espera que a elevada afetação de recursos financeiros ao Capex público possa ter efeitos significativos na economia; aguarda que a cooperação entre um número reduzido mas relevante de empresas e entidades de investigação possam produzir novos bens e serviços inovadores com capacidade para transformar o tecido produtivo do país; e tal como os outros, está condicionado a que 2/3 do montante esteja afeto à transição energética e digital.
Por isso, em suma, as expectativas residem “nos efeitos multiplicadores na economia do Capex (isto é, despesa de capital) público; no potencial de transformação da economia provocado pelo investimento das agendas mobilizadoras e verdes que foram aprovadas”.
Questionado sobre que áreas devem ser prioritárias, Luís Miguel Ribeiro diz que o PRR “padece de uma forte alocação ao setor público, sobretudo para financiamento de medidas sociais em detrimento de medidas dirigidas ao setor produtivo (privado)” e por isso a associação espera muito mais deste fundo, “não só para as empresas privadas em geral como também na tipologia das Agendas Mobilizadoras, um investimento amplamente reprodutivo, nomeadamente pelo contributo para a sofisticação do perfil de especialização da economia portuguesa, estimulando a melhoria da produtividade e competitividade”.
O presidente da AEP alerta que há estudos oficiais que mostram que as empresas precisam de continuar a ser “fortemente apoiadas pelos Sistemas de Incentivos, pois por cada euro de incentivo atribuído a projetos de investimento empresarial estimam-se impactos muito positivos, duradouros e estatisticamente significativos em variáveis chave para uma estratégia de crescimento económico forte, sustentado e sustentável da economia portuguesa (investimento, exportações, valor acrescentado, emprego, entre outras)”.
‘Quem cria riqueza são as empresas privadas’
Existem diferenças entre as candidaturas públicas e as privadas. Quem o diz é o secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal (BRP), Pedro Ginjeira do Nascimento: “Temos quase 40 anos de fundos comunitários que, quer por alocação, quer pelo desenho de regras que tratam de forma diferente candidaturas de entidades públicas ou de entidades privadas, tem levado a que mais de 2/3 dos fundos tenham sido alocados ao Estado”, acrescentando que o 1/3 remanescente “foi sendo distribuído pelas entidades sem fins lucrativos como IPSS e outras, as famílias e finalmente as empresas”. Ou seja, “na hora de decidir a aplicação dos fundos, temos escolhido mais Estado, esquecendo-nos de que quem cria riqueza são as empresas, a iniciativa privada”. Em números, no PRR, 70% dos fundos vão para organismos públicos.
“Acreditamos que no Portugal 2030 devia ser o inverso, 70% para empresas, incluindo as grandes empresas, pois são estas o motor da economia”.
Também Pedro Ginjeira do Nascimento lembra um estudo levado a cabo pela NOVA IMS para a Associação BRP que “demonstra que apenas 1% das empresas em Portugal, onde se inserem as grandes, são responsáveis por 57% da criação de riqueza (VABpm), 62% nas exportações, 48% nos gastos com pessoal, 64% nas contribuições para a Segurança Social, e 71% em impostos”. Com estas conclusões não tem dúvidas que “Portugal precisa de mais grandes empresas. E o primeiro passo nesse caminho será eliminar a discriminação que existe em relação às grandes empresas”.
Então as empresas privadas podiam receber mais através destes fundos? “São as empresas privadas que criam riqueza, por isso deveríamos ter uma política económica na qual se inclui a estratégia para os fundos europeus, que privilegiasse as empresas e promovesse o crescimento, a escala e o sucesso das pessoas e das empresas e não o contrário”.
O responsável destaca que existe neste momento “um grande preconceito relativamente às grandes empresas, muitas vezes alimentado pelo próprio Estado, mas parece que esquecemos o papel fundamental que as empresas, sobretudo as grandes, têm no desenvolvimento e sustentabilidade económica e social do nosso país”.
O secretário-geral da BRP, diz que as “empresas grandes – 1% das empresas do país são responsáveis por 64% das contribuições para a Segurança Social e 71% dos impostos arrecadados – deveríamos todos ficar contentes por ter mais destas empresas. Não menos”.
Para se manter competitiva à escala mundial, “sobretudo com o IRA americano, a própria União Europeia está a reforçar o investimento na capacitação e desenvolvimento das empresas, e não pode por isso vedar o acesso aos fundos, como no caso do Portugal 2030”. E acrescenta que a solução encontrada de auxiliar as grandes empresas a partir dos Orçamentos do Estado “está a distorcer a concorrência dos países com mais capacidade financeira face a países que não têm essa folga”. O responsável alerta também que o nosso país “fica assim ainda mais em desvantagem face à Alemanha, Holanda e Dinamarca entre outros. A abertura dos fundos às grandes empresas deve ser feita a partir dos fundos comunitários, para não acentuar a desigualdade que hoje existe”.
Questionado sobre se sente que a maioria dos fundos comunitários são canalizados para o setor público, Pedro Ginjeira do Nascimento é perentório: “Não é uma questão de sentimento, é um facto”. E explica este facto com dados históricos: “O histórico de fundos comunitários em Portugal tem sido muito enviesado para o Estado”. Em números no PRR, 70% dos fundos foram alocados ao setor público “e, mais grave, estão a ser usados para substituir investimento público e até em certos casos para despesas correntes”.
Feitas as contas, em 2022, e segundo a UTAL, “a despesa acumulada com a implementação do PRR ascendeu a 918 milhões de euros (0,4% do PIB), mas estavam previstos 3,2 mil milhões de euros”. Uma taxa de execução que o responsável considera “muito fraca: apenas 29%”. “E mais uma vez são os factos, e não uma questão ideológica que nos levam a ficar preocupados com esta escolha de privilegiar o Estado. Os fundos europeus deveriam reforçar o crescimento do país, mas nos últimos 20 anos crescemos em média 0,9% do PIB e muito abaixo da média europeia”, atira.
Olhando para os dados entre PRR, PT2020, PT2030 e PAC, “vamos receber 4,6% do PIB por ano em fundos comunitários nos próximos tempos, com o primeiro-ministro a referir várias vezes um multiplicador de 3 a 5x para estes fundos”. No entanto, alerta, o Plano de Estabilidade 23-27, apresentado recentemente, “mostra um crescimento do PIB Português de apenas cerca de 1,8% por ano – um valor manifestamente insuficiente para garantir que convergimos de forma significativa”.
E deixa outros dados lembrando que recentemente o Banco de Portugal publicou um estudo que diz que os fundos comunitários vão contribuir com 1,4pp do crescimento dos próximos anos. 1,8 – 1,4%. “Dá um crescimento muito pouco significativo para o país. Não nos podemos contentar com tão pouco”.
Por outro lado, diz, “se vamos aplicar 4,6% do PIB de capital para contribuir com apenas 1,4% de crescimento, estaremos muito longe do multiplicador ambicionado pelo primeiro-ministro. Teremos um multiplicador bem inferior – 0,3x… ou seja, aponta para a destruição de valor”.
E finaliza explicando que “nenhuma empresário ou investidor permitiria tal situação na sua empresa e enquanto cidadãos devemos perguntar-nos se estamos mesmo a dar o melhor uso ao dinheiro que é colocado ao serviço do país”.
O ‘imprescindível’ papel do setor da da construção
Para Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), os fundos europeus “têm por objetivo promover a convergência económica entre os países da UE, o que exige uma estratégia integrada para promover e alavancar o correto posicionamento de Portugal, numa economia mais global, mais sustentável e mais digital”.
O responsável acrescenta que, no que concerne aos investimentos previstos no PRR em construção, com maior impacto na vida dos portugueses, “destacam-se os investimentos em habitação, que totalizam cerca de 2,2 mil milhões de euros, na mobilidade sustentável no valor de 967 milhões de euros e os destinados à eficiência energética em edifícios que ascendem a 616 milhões de euros”.
Sobre o facto de Portugal ter falhado o prazo para a reprogramação do PRR, o responsável avança que “o Governo propôs um reforço das verbas europeias de 1,6 mil milhões de euros, no montante das subvenções, e de 785 milhões de euros, na iniciativa REPowerEU”. E destaca-se “nesta atualização, a previsão de realização de investimentos adicionais, designadamente, na mobilidade urbana e na recuperação do parque escolar, bem como, um reforço, no montante de 200 milhões de euros, dos apoios ao aumento da eficiência energética dos edifícios residenciais e de serviços”.
Manuel Reis Campos diz que são montantes de investimentos acrescidos “que o país necessita, mas que vão exigir um maior esforço nacional na sua concretização e, no que diz respeito ao imprescindível papel do setor da construção e do imobiliário, enquanto motor da economia nacional, há que assegurar uma correta capacitação das empresas incentivando e apoiando o investimento em inovação que está em curso, designadamente em novos processos construtivos, novos materiais e novas ferramentas”.
Saúde e transportes em vista
A área da saúde é uma das abrangidas pelas verbas da bazuca. Um dos objetivos passa por transferir competências nessa área para 201 municípios, estando, ao mesmo tempo, prevista a autorização para os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) utilizarem as restantes verbas do PRR referentes à transição digital na saúde que ainda não tinham sido distribuídas.
De acordo com o Governo, parte da dimensão resiliência, a saúde é uma das áreas de intervenção deste programa. Ao todo estão destinados 1240 milhões de euros que servirão para concretizar projetos relevantes na área da saúde como a criação de 58 novos centros de saúde, a reabilitação de outros 193, a aquisição de 700 viaturas para assistência domiciliária ou a criação de 34 unidades móveis para assegurar a assistência de proximidade nos territórios de baixa densidade.
Já o Metro de Lisboa é uma das empresas abrangidas pelo PRR. A contagem decrescente para terminar o prazo para a apresentação das propostas do prolongamento da linha vermelha do metro de Lisboa – entre São Sebastião e Alcântara – termina já no próximo dia 7 de julho. Lançado no início do ano, o projeto deverá estar concluído no final do primeiro semestre de 2026. Ao nosso jornal, a empresa diz que a expectativa é que “todos os procedimentos processuais necessários e legalmente definidos sejam concretizados dentro do cronograma previsto”, uma vez que “as condicionantes e as medidas de minimização apresentadas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) não colocam em causa o traçado oportunamente submetido a procedimento de avaliação de impacte Ambiental e publicamente divulgado, pelo que o Metropolitano de Lisboa dará continuidade ao investimento”.
O investimento encontra-se previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e conta com um investimento europeu de 304 milhões de euros. O montante global deste projeto é de 405,4 milhões de euros, dos quais 101,4 milhões de euros provêm do Orçamento do Estado.
Também a contar com a verba do PRR está o projeto para o metro de superfície em Odivelas e Loures que pretende fazer uma ligação mais rápida e estruturante entre os importantes polos dos dois municípios, estendendo-se num corredor em «C», ligando o Hospital Beatriz Ângelo ao Infantado, com transbordo e interface para Lisboa na estação de metro de Odivelas. Com um total de 19 estações e cerca de 13 quilómetros de extensão, a linha Violeta servirá o concelho de Loures com 11 estações (nas freguesias de Loures, Santo António dos Cavaleiros e Frielas) e o de Odivelas com oito (nas freguesias de Póvoa de Sto. Adrião e Olival de Basto, Odivelas, Ramada e Caneças). “Estima-se que, num ano, a operação da linha Violeta permita o transporte de cerca de 10 milhões de passageiros e evite a emissão de mais de 4 mil toneladas de dióxido de carbono”, disse Duarte Cordeiro.