Na semana passada, a 29 de maio, o volume de afluências para as 77 barragens públicas nacionais monitorizadas (das 80 existentes) traduziu-se numa descida de 0,12%, portanto, 16 hectómetros cúbicos (hm3). A capacidade total de armazenamento na rede pública de barragens é de 13 215 hm3.
“A 29 de maio de 2023 e comparativamente ao boletim anterior (de 22 de maio de 2023) verificou-se o aumento do volume armazenado em 4 bacias hidrográficas e a diminuição em 11”, divulgou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), sendo que “das albufeiras monitorizadas, 57% apresenta disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e 9% têm disponibilidades inferiores a 40% do volume total”. Sabe-se igualmente que os armazenamentos no fim do mês, por bacia hidrográfica, “apresentam-se superiores às médias de armazenamento do mês de maio (1990/91 a 2021/22)”, exceto para as bacias Mondego, Sado, Ribeiras Costa Alentejo, Mira, Arade, Ribeiras do Barlavento e Ribeiras do Sotavento.
“De acordo com os dados divulgados no final de maio, a situação das barragens portuguesas tem sido preocupante, com apenas duas bacias hidrográficas apresentando aumento no volume armazenado, enquanto outras dez registam uma diminuição preocupante. No mês de maio, cerca de 40% do território nacional foi declarado em estado de seca severa e extrema, o que nos deixa extremamente preocupados. Embora algumas albufeiras estejam acima da média histórica, várias ainda apresentam volumes muito inferiores”, começa por dizer Hélder Lopes, climatólogo da Meteored Portugal (equipa do tempo.pt), em declarações ao i.
“O Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) revelou que das 58 albufeiras monitorizadas, 30 possuem disponibilidade hídrica superior a 80% do volume total, indicando uma condição relativamente favorável. No entanto, sete albufeiras registam disponibilidades inferiores a 40% do volume total, evidenciando uma situação alarmante, que requer medidas urgentes”, avança Hélder Lopes, que se doutorou em Geografia e Planeamento Regional na Universidade do Minho e em Geografia – Ramo de Mudanças Globais e Sistemas Naturais na Universidade de Barcelona.
“Uma análise mais aprofundada revela que algumas bacias hidrográficas, incluindo as Sado (56,5%), Mira (34,9%), Barlavento Algarvio (12,7%), Sotavento Algarvio (47,2%) e Arade (37,4%), estão abaixo das médias históricas de armazenamento. Isso indica que a crise hídrica persiste em determinadas regiões do país”, salienta, avançando que “diante dessa situação preocupante, as autoridades portuguesas declararam estado de seca severa e extrema em 40% do território nacional, com o objetivo de alertar a população e as entidades responsáveis sobre a necessidade de adotar medidas de preservação de água e estratégias de gestão hídrica eficazes”.
De facto, a ministra da Agricultura e Alimentação, Maria do Céu Antunes, afirmou, no início do mês passado, ter assinado um despacho que reconhece a situação de seca severa e extrema em 40% do território nacional. “Esta situação meteorológica afecta fortemente a actividade agrícola e o rendimento dos agricultores. É de máxima importância o reconhecimento desta realidade para que possamos ajudar os agricultores. É uma situação que sinalizámos na semana passada, no Luxemburgo, na última reunião Agrifish e esperamos da Comissão um apoio firme para fazer face a esta situação estrutural”, declarou a ministra.
Segundo o índice PDSI (Palmer Drought Severity Index), no final de abril verificou-se “um agravamento da intensidade de seca em relação aos meses anteriores, com cerca de 40 municípios na classe de seca severa e 27 na classe de seca extrema, uma superfície equivalente a cerca de 40% do território”. O Ministério observou igualmente que os valores das temperaturas média e máxima estão acima do normal, juntamente com o surgimento de ondas de calor, tiveram um papel importante nesta situação. Além disso, a falta de chuvas significativas durante os meses de março e abril resultou em níveis baixos de humidade no solo, com maior impacto na região sul do país.
Por isso, será possível “a aplicação de um conjunto de medidas que carecem de aprovação da Comissão Europeia, como o pastoreio em áreas de pousio antes de 31 de julho, a flexibilização da alimentação dos animais em Modo de Produção Biológica, o alargamento do intervalo entre partos e da percentagem máxima de novilhas na intervenção PEPAC de pagamento à vaca em aleitamento”.
“Para lidar com os impactos da escassez de água, a Comissão Europeia aprovou um pacote de medidas excecionais no valor de 180 milhões de euros para apoiar o setor agrícola, um dos mais afetados. Essas medidas têm como objetivo estabilizar os preços dos alimentos e mitigar os efeitos negativos causados pela seca”, observa Hélder Lopes, que também é investigador do Laboratório de Paisagens, Património e Território (Lab2PT) e colaborador do Grupo de Climatologia do Instituto de l’Aigua (IdRA, Grupo de Climatologia – Barcelona).
“A ministra da Agricultura e Alimentação destacou a importância dessas medidas excecionais e ressaltou a necessidade de uma operacionalização eficiente para garantir o apoio necessário ao setor agrícola, além de contribuir para a estabilização dos preços dos alimentos”, continua. “Diante da crise hídrica, é fundamental que a população esteja consciente da importância do uso criterioso da água. A adoção de práticas de preservação e a conscientização sobre a escassez hídrica são fundamentais para enfrentar essa crise e garantir um futuro mais sustentável para o país”, frisa.
“A situação no sul do país, onde a escassez de água é mais acentuada, requer, aliás, também uma reflexão especial. É evidente que medidas urgentes (ou emergenciais) são necessárias para lidar com a crise atual, mas também é importante considerar soluções a longo prazo. Nesse sentido, pode ser necessário iniciar análises e estudos sobre projetos que possam viabilizar o fornecimento de água a essas regiões, como o uso de transvases”, declara, mencionando que “estes sistemas de transporte de água de uma bacia hidrográfica para outra poderão possibilitar o abastecimento de áreas onde a água é escassa a partir de regiões com excedentes hídricos”.
“Essa prática tem sido adotada noutros países com sucesso, permitindo a distribuição mais equitativa dos recursos hídricos e o desenvolvimento sustentável de regiões afetadas pela seca. No entanto, é importante destacar que a implementação de projetos de transvases requer uma análise cuidadosa e holística. É fundamental considerar os impactes ambientais, sociais e económicos potenciais dessas intervenções, bem como garantir a sustentabilidade a longo prazo do abastecimento de água”, reflete acerca das infraestruturas que são abordadas nas páginas 12-13.
“É, de facto, legítimo e necessário iniciar uma análise e estudo sobre projetos que possam viabilizar o abastecimento de água a longo prazo nas áreas do país onde a escassez é mais grave, primando, ainda assim, por soluções sustentáveis e equitativas no abastecimento de água nessas regiões”, finaliza.