Sinais de desprestígio…

Esta idiotice, porque de uma idiotice precipitada se trata, terá consequências muito para além da animosidade de Costa. 

1. Na sequência do meu texto na semana passada sobre a problemática dos professores, um dos meus grandes amigos, professor de e com carreira feita, qual ‘grilo falante’, disse-me de imediato, assim que leu o texto: «Não falaste dos cartazes quantas vezes desprestigiantes para quem tem a responsabilidade de ensinar e educar!».

Nem foi preciso esperar muitos dias para se constatar a total razão da sua crítica. De facto, eu até já tinha dado pelo baixo nível de múltiplos cartazes que habitualmente acompanham as manifestações, mas, sinceramente, nunca lhes atribuí a importância que deveria. Manifs são manifs, eu terei uma indulgência (excessiva) para com as emoções de quem reivindica, e a verdade é que quando se compactua com exageros, estes sobem para o nível seguinte.

No Peso da Régua, em pleno 10 de Junho, deu-se o que seria expectável, porque faltou o elementar bom senso a um caricaturista com indiscutível talento, para não dizer que lhe fugiu ‘o pé para o chinelo’. Um cartaz lamentável, desnecessariamente insultuoso, visou o primeiro-ministro que, cheio de razão, reagiu ‘a quente’ e extravasou eventuais complexos da sua origem goesa. 

Perante a legítima reação de António Costa, o autor, dizem, que até pertencerá a um dos sindicatos que participaram na manifestação, já se veio explicar. Mas, como já deveria saber, as explicações (ou desculpas) evitam-se! Há, no universo dos caricaturistas, autores com mais ou menos talento gráfico, outros com maior ou menor humor e há os que não têm inteligência suficiente para perceber que cartazes destes têm um efeito boomerang que, neste caso específico, se vira contra toda uma classe. 

Ter razão nas reivindicações (ou em muitas delas) é um ativo precioso, demasiado valioso para se desperdiçar em lateralidades que só prejudicam quem reivindica e faz com que a opinião pública perca o respeito por toda uma classe, sobretudo quando tantas greves e tão prolongadas vêm de há muito afetando toda uma população, em particular os estudantes que perdem os estímulos de aprender, mas também os seus familiares que falham obrigações, como as de ir trabalhar.

Esta idiotice, porque de uma idiotice precipitada se trata, terá consequências muito para além da animosidade de Costa. Este incidente será seguramente explorado até à exaustão pela implacável máquina comunicacional que o Governo contratou, aproveitando a fragilidade em que ficou toda uma classe que permitiu este ‘tiro no pé’. Os sindicatos irão sofrer pela aleivosia e os representados sentirão uma forte desmotivação nos próximos tempos, pelo rótulo desprestigiante que lhes ficou ‘colado à pele’.

 

2. Um dia é a operação ‘Tutti Frutti’, outro dia é a ‘Penalti, agora são suspeitas em negócios no Ministério da Defesa e na Câmara de Gaia, há tempos foi em Caminha em que 300 mil euros foram adiantados por conta de uma miríade, já nem sabemos quais as investigações em curso e, do que memorizamos, uma certeza fica: os processos arrastam-se infindáveis e… acusações? Eu ajudo: pouquíssimas, quando as há!

Temos de reconhecer imaginação aos nomes que a PJ inventa para os processos, mas a admiração fica-se por aí. De resto, alegadamente por falta de meios, os processos andam mais lentos do que uma tartaruga centenária e… em regra, desaparecem das notícias, alguns prescrevem e outros são desfeitos por um qualquer juiz.

Um exemplo bem flagrante que caracteriza esta morosidade (para além da ‘Operação Marquês’) é precisamente na operação ‘Tutti Frutti’, há 7 anos a marinar perante a passividade generalizada. Agora que se falou nela, parece que a procuradora-geral Lucília Gago ‘acordou’ da letargia e nomeou uma equipa de cinco magistrados do Ministério Público e mais cinco inspetores da PJ para tratar de acelerar a investigação. Haja saúde e aguardemos os resultados, se algum dia os houver…

A verdade é que, perante estas realidades descoroçoantes, o eleitorado já nem confuso fica, quanto mais siderado, perante tanto fumo, normalmente sinal de fogo. Perde a confiança nas instituições, no funcionamento da justiça, ‘encolhe os ombros’ e murmura entredentes, também a pensar no SNS e/ou na Educação, que ‘isto está tudo podre’. Quando surge uma sondagem como a que o Expresso recentemente publicou, em que se denota uma flagrante perda de confiança nas instituições, nos políticos ou no Governo, aqui D’El Rei! 

Durante uns dias ‘agitam-se as águas’, os comentadores de todos os quadrantes bramam e reconhecem a urgência de que alguma coisa tem de ser feita, mas como o nível da crispação política interpartidária está em altos decibéis, inexistindo qualquer vontade coletiva de ‘começar vida nova’, o mais provável é que se fizermos nova sondagem daqui por um ano, os já péssimos indicadores de confiança tenderão a agravar-se. 

Encetámos há anos um círculo vicioso, onde predominando o desiderato de ganhar eleições sobre a necessidade (e urgência) de reformas, chegámos a este ponto que a tal sondagem bem retrata e tão bem se reflete nas elevadíssimas taxas de abstenção nas eleições. Que tal começar exatamente por aqui revendo o sistema eleitoral, introduzindo o conceito de ‘círculos uninominais’ que claramente aproximam os eleitos dos eleitores e em que estes se sentirão de facto representados?

 

P.S. – O discurso do Presidente Marcelo no 10 de Junho, foi mais um dos que ficarão a marcar o seu mandato. Abrangente nas mensagens, apelou à união dos portugueses, relembrou a nossa abertura ao mundo, em particular a capacidade de acolher e integrar pessoas de tantas nacionalidades, nós que fomos (e somos) um povo de emigrantes e apelou à criação de riqueza com uma distribuição menos desigual. Sobre os desaguisados com Costa, nenhuma referência direta, mas todos conotámos uma sua frase bem mordaz ao desagrado recentemente sentido quando se referiu que «para dar novo viço ao que disso precisar, temos de plantar, semear, podar e cortar ramos mortos», um plural nada inocente se nos recordarmos da vacuidade de alguns ministérios. Chapeau!