Habitação. Lisboa com a maior taxa de esforço da Península Ibérica

Estudo da Century21 diz que é “evidente que no acesso à habitação as famílias portuguesas estão obrigadas a uma taxa de esforço exponencialmente superior à das suas congéneres espanholas”.

O acesso à habitação em Lisboa conta com a maior taxa de esforço da Península Ibérica. Esta é uma das principais conclusões do mais recente estudo da Century21 sobre a capacidade de acesso das famílias à habitação.

O estudo revela que o rendimento líquido médio – rendimento bruto deduzido de impostos – dos agregados familiares nacionais “é praticamente metade do das famílias espanholas, tendo em conta o diferencial dos salários”.

Feitas as contas, em Portugal, o rendimento líquido disponível das famílias varia entre os 1973 euros em Lisboa e os 1426 euros de Viana do Castelo, enquanto a média das capitais de distrito se situa nos 1545 euros. Olhando para a vizinha Espanha, o rendimento médio disponível das famílias nas capitais das comunidades autónomas situa-se entre os 2900 euros em Mérida e os 4300 euros em Madrid, mas na maioria das cidades este valor situa-se entre os 3300 euros e os 3700 euros. Para além de Madrid, Barcelona também apresenta um rendimento médio familiar superior a 4000 euros.

O estudo da Century21 demonstra que, excluindo as maiores cidades ibéricas, “os valores dos rendimentos familiares são bastante homogéneos, em cada país. Contudo, ao contrário do que se observa com os rendimentos, há uma disparidade acentuada entre as diferentes capitais no que respeita o preço das casas”.

No que diz respeito aos valores, em Portugal, o valor de um apartamento de 90 metros quadrados varia entre os 375 480 euros em Lisboa e os 59 040 euros na Guarda. Já a média nacional é de 152 159 euros. Nas capitais das regiões de maior densidade populacional – Lisboa e Porto – os imóveis com preços médios de 375 000 euros e 250 000 euros, respetivamente, “deixam a grande distância qualquer outra cidade, embora a região do Algarve apresente também alguns concelhos com preços acima dos 200 000 euros”. E, diz a Century21, no núcleo das cidades costeiras, universitárias, ou mais turísticas, os preços situam-se entre os 115 000 euros e os 160 000 euros. Já o interior do país apresenta “preços marcadamente inferiores”, com a possibilidade de compra de uma casa de 90 metros quadrados abaixo dos 100 000 euros.

Em Espanha, Madrid e Barcelona são as únicas cidades a registar valores médios de aquisição de habitação superiores a 300 000 euros, “e Palma de Maiorca – provavelmente pela sua vocação turística – a que mais se aproxima desse patamar, com cerca de 280 000 euros”, detalhando que “as cidades a norte têm, geralmente, preços mais elevados, com destaque para Bilbao e Pamplona, as duas acima dos 200 000 euros. Nas restantes cidades, os preços variam entre os 102 000 euros e os 170 000 euros, enquanto Mérida apresenta um valor médio de cerca de 66 000 euros”.

Para Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Ibérica, é certo que “a comparação realizada sobre o acesso à habitação em Portugal e Espanha evidencia as enormes divergências no rendimento médio familiar entre ambos os países, enquanto os valores dos imóveis se mantêm similares”. Para além disso, acrescenta o responsável, “existe o desafio comum da falta de oferta nas zonas de maior concentração demográfica, junto das principais metrópoles, com Lisboa e Madrid a liderarem os fluxos de procura”.

Ricardo Sousa detalha que “a única forma de superar os desafios de acessibilidade da habitação é aumentar a oferta de soluções habitacionais, em linha com as expetativas e capacidades financeiras das famílias. Nesse âmbito, em Madrid existem dois megaprojetos urbanísticos – Madrid Nuevo Norte e Estratégia Sudeste (Valdecarros, Berrocales, Los Ahijones, Los Cerros e El Cañaveral) – que vão colocar no mercado cerca de 43 000 casas na capital espanhola, a partir de 2024. Uma realidade bastante diferente do que se antevê para Lisboa, ou mesmo para a AML”.

Olhando então para a taxa de esforço, o estudo refere ser “evidente que no acesso à habitação as famílias portuguesas estão obrigadas a uma taxa de esforço exponencialmente superior à das suas congéneres espanholas”. Em percentagens, em Espanha, comprar uma casa de 90 metros quadrados supera os 33% da taxa de esforço aconselhada apenas em Barcelona (34%). Palma de Maiorca está agora no limite (33%) enquanto o acesso à habitação em Madrid e Bilbao está já a implicar mais de 30% do orçamento das famílias, embora ainda abaixo do limite.

Nas restantes capitais, assim como no contexto das áreas metropolitanas de Madrid e Barcelona, o esforço para aquisição está no patamar dos 20%, enquanto em Toledo e Múrcia o nível de esforço é inferior e Mérida apresenta o mínimo de 14%.

É certo que “Portugal contrasta bastante neste indicador”. Em Lisboa, a compra de casa exige uma taxa de esforço de 67%, e no Porto de 50%. Ligeiramente mais baixa, a taxa de esforço em Faro atinge os 39%. Com a exceção das capitais, da grande parte dos concelhos da AML, AMP e Algarve, nas restantes capitais de distrito este indicador é de 30% ou inferior, com grande parte das cidades a situar o esforço para aquisição em cerca de 20%, e com os 13% da Guarda a fixar a menor taxa de esforço do país. No entanto, a taxa de esforço em 15 das 18 capitais de distrito é inferior à recomendada.

Ricardo Sousa adianta “em Espanha, as famílias de 14 das 15 cidades analisadas não precisam de ultrapassar a taxa de esforço recomendada (33%) para arrendamento ou compra de habitação”, com exceção apenas para Barcelona, “onde a taxa de esforço para aceder a uma casa de 90 metros quadrados é ultrapassada, tanto na compra, como no arrendamento em 34% e 40%, respetivamente”. Já em Portugal, acrescenta, “o grande desafio do acesso à habitação verifica-se nas áreas metropolitanas de Lisboa, Porto e no Algarve que, em conjunto, apresentam a maior concentração demográfica do país. A tendência de concentração das famílias nestas áreas urbanas provoca um incremento da procura e uma maior pressão sobre a oferta de habitação já insuficiente e pouco ajustada à classe média, nestas regiões”.

E no arrendamento?

O estudo olha também para o mercado do arrendamento comparando também Portugal e Espanha. No país vizinho, “os valores para arrendamento apresentam uma forte heterogeneidade entre as capitais das comunidades autónomas, com a renda de 90 metros quadrados em Barcelona, Madrid, Bilbau e Palma de Maiorca a superar os 1 000 euros mensais, num máximo de 1 609 euros na capital catalã. Este valor praticamente triplica a renda mais barata do país: 473 euros registados em Mérida”.

E diz que “além desta amplitude acentuada, há ainda uma considerável dispersão nos valores praticados no arrendamento, com as restantes cidades a registarem rendas entre os 600 euros e os 900 euros mensais”.

Já em Portugal, arrendar uma casa com os mesmos 90 metros quadrados em Lisboa, custa mais do triplo do que os 351 euros que se paga, por exemplo, em Beja, a cidade com arrendamento mais barato do país. Em números, “a capital apresenta um preço médio de 1161 euros, um valor não muito distante da média dos 1017 euros cobrados na área metropolitana de Lisboa. As cidades do interior continuam a ser as mais acessíveis, mantendo uma tendência registada desde 2018”.

Em Portugal, a taxa de esforço para arrendar ultrapassa os 53% nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, na capital, na cidade do Porto e os 45% em Faro, em 2022. “Em nove capitais de distrito, o rendimento das famílias não permite arrendar uma casa de 90 m2, o que implica optar por casas mais pequenas”, diz o estudo.

No limite estão os 50 metros quadrados observados em Lisboa, “uma tendência visível também na média das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Além do Porto, noutras cidades do país, como Braga, Aveiro, Coimbra, Setúbal e Faro obter um arrendamento adequado ao rendimento implica ter acesso a casas com menos de 90 metros quadrados. É nas cidades do interior que o rendimento permite arrendar áreas iguais ou superiores a 90 metros quadrados, com um máximo de 130 metros quadrados, em Beja”.

Já em Espanha, arrendar 90 metros quadrados supera a capacidade económica das famílias apenas em Barcelona (40%) e Madrid fica no limite (33%), “enquanto nas restantes capitais a opção de arrendamento implica alocar menos de 30% do rendimento disponível, uma tendência que é observada na grande maioria dos municípios das áreas metropolitanas de Madrid e Barcelona”.

Sobre a origem destas assimetrias, o estudo diz que “o elevado grau de dificuldade que os portugueses registam no acesso à habitação é o reflexo da inadequação da oferta existente de imóveis ao nível de rendimento das famílias nacionais. Já é indiscutível que a principal solução para resolver a questão da acessibilidade da habitação, em Portugal, passa por aumentar o fluxo de imóveis, para venda e arrendamento, adaptados aos escalões de rendimento das famílias portuguesas”.

Sobre este assunto, o CEO da Century 21 Ibérica, diz que “quando se olha para as duas capitais ibéricas, constata-se que Madrid e Lisboa são incomparáveis em termos geográficos. A cidade de Madrid ocupa uma área seis vezes superior à de Lisboa e regista um nível de densidade populacional inferior ao da cidade de Lisboa. Por outro lado, na análise das respetivas áreas metropolitanas constata-se que a AMM tem uma densidade populacional superior à AML, o que demonstra que existe uma clara oportunidade de desenvolvimento e atração de residentes de Lisboa para outros concelhos da AML, assente na implementação de infraestruturas de mobilidade urbana integradas, numa lógica metropolitana”.

E acrescenta que “Madrid apresenta também uma oferta muito superior de imóveis direcionados para a classe média em comparação com Lisboa, onde o problema da falta de habitações adequadas ao rendimento das famílias prevalece sobre todas as outras tendências e acentua ainda mais a clivagem entre os vários indicadores analisados”. “Menor disponibilidade de parque habitacional, para compra ou arrendamento, em linha com a capacidade financeira dos agregados familiares, baixo rendimento e maior carga fiscal são os principais desafios que as famílias portuguesas enfrentam no acesso à habitação”, conclui Ricardo Sousa.