Juros: ‘Perspetivas de recessão aumentam’

A presidente do BCE esteve em Portugal e os alertas deixados não foram animadores. Especialistas ouvidos pelo Nascer do SOL analisam o discurso e defendem o que esperar daqui para a frente.

A presidente do Banco Central Europeu (BCE) esteve em Sintra e o discurso foi muito pouco animador. Christine Lagarde disse ser preciso trazer as taxas de juros para níveis «suficientemente restritivos» e mantê-las «pelo tempo que for necessário». Até porque, nas suas palavras, «alcançámos progressos significativos, mas – confrontados com um processo inflacionista mais persistente – não podemos vacilar, nem ainda declarar vitória».

Quem se mostrou em desacordo com esta posição foi o primeiro-ministro português, António Costa, que publicamente assumiu não compreender a «natureza» do ciclo inflacionista. E é preciso lembrar que Lagarde considerou que a inflação é consequência do aumento dos salários. «O BCE tem uma política soberana na definição da política monetária. Acho que não tem havido a suficiente compreensão por parte do BCE da natureza especifica do ciclo inflacionista que temos estado a viver», disse o primeiro-ministro, acrescentando que não têm sido tidos em «devida conta quais são os fatores que têm alimentado esta tensão inflacionista». 

António Costa acrescentou também que o aumento de lucros extraordinários «tem contribuído mais para a manutenção da inflação do que as subidas salariais». «E não compreender a natureza específica deste ciclo inflacionista… acho que limita muito a capacidade de o enfrentar porque, se não acertamos bem no diagnóstico, a terapia raramente acerta», criticou.

Costa diz esperar que «a partir de setembro possamos começar a retomar uma trajetória de política monetária mais adequada àquilo que é fundamental, que é salvaguardar as condições de vida das famílias, a capacidade das empresas investirem e da Economia continuar a crescer e a gerar empregos que gerem salários melhores».

Ao Nascer do SOL, Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, considerou que Lagarde adotou em Sintra «uma postura ainda mais restritiva, referindo que a enérgica alta das taxas de juro ainda está longe de ter terminado e de que o mecanismo de transmissão à economia e, consequente, abrandamento da inflação para o objetivo do BCE ainda estão distantes». Defendendo ser certo que a inflação tem desacelerado na Europa, o economista disse que o BCE «procura também acompanhar a evolução da inflação nos EUA e, principalmente, a política monetária da Reserva Federal norte-americana», lembrando que o banco central dos EUA tem mantido a sua postura restritiva, sendo esperado um aumento das taxas de juro em 25 pontos base em julho para o intervalo de 5,25% a 5,50%. «Pelo diferencial das taxas de juro, esta é uma razão suficiente para o BCE manter também a sua política restritiva, afastando, assim, uma eventual crise cambial», avança.

Questionado sobre que conclusões podem retirar-se deste discurso e destes alertas, Paulo Rosa diz que «uma inflação que começou por ser maioritariamente do lado da oferta, sobretudo um choque energético, foi gradualmente generalizando-se a toda a economia, tendo sido impulsionada em grande parte pelas margens o ano passado, ameaça agora ser mais persistente do que o esperado à medida que os aumentos salariais suportam também a inflação, corroborando os receios de Lagarde». Mas, alerta, a sucessiva subida das taxas de juro «aumenta as probabilidades de uma recessão na Zona Euro».

Já no que diz respeito às consequências que este aumento das taxas de juro pode trazer para a Europa e para Portugal, o economista do Banco Carregosa é claro: «As perspetivas de uma recessão aumentam significativamente à medida que o BCE sobe os juros».

No que respeita especificamente a Portugal, «mais dificuldades se avizinham para os detentores de dívidas, nomeadamente para as famílias que recorreram ao crédito à habitação indexado à Euribor», detalhando que à medida que são renovadas as taxas de juro associadas aos contratos de crédito à habitação, «agora em níveis muito mais elevados, as dificuldades das famílias aumentam e o rendimento disponível diminuiu, penalizando também o consumo e as perspetivas económicas».

É que as carteiras dos portugueses podem não aguentar. «Se as taxas de juro continuarem a aumentar e permanecerem em níveis elevados durante um período de tempo prolongado, as dificuldades para os portugueses vão intensificar-se substancialmente», alerta Paulo Rosa.

Já Pedro Assunção, chief investment officer da Forste, diz que a mensagem dos bancos centrais no fórum de Sintra foi clara: «O problema da inflação não está sanado nas economias desenvolvidas e por isso é necessário os bancos centrais manterem uma política monetária restritiva durante mais tempo. Isso vai provavelmente incluir mais alguns aumentos de taxas, quer na Zona Euro quer nos EUA, mas sobretudo pode implicar a manutenção de taxas de juro elevadas durante bastante tempo». E defende que não foi nada «de muito diferente daquilo que tem sido repetido no fim de basicamente todas as reuniões dos bancos centrais dos últimos meses».

O especialista lembra ainda que a preocupação do BCE é, neste momento, «reduzir a taxa de inflação o mais depressa possível para que o processo inflacionista não se enraíze», acrescentando que «quanto mais tempo a inflação se mantiver acima do objetivo maior a tendência para que os aumentos de preços e salários se prolongue no tempo». E a dificuldade neste processo «é que os efeitos da subida dos juros demoram a surgir na economia real». 

Na Europa, embora o crescimento económico não seja muito forte e esteja novamente a abrandar, «o mercado de emprego está sólido e a escassez de mão-de-obra qualificada mantém a pressão sobre os salários».

Assim, Pedro Assunção questiona: deve o BCE «confiar que as subidas de taxas realizadas até agora são o suficiente e parar em breve, ou continuar a pressionar até ver a economia, e o mercado de emprego em particular, a ceder para depois se poder vir a verificar que foi demasiado duro e provocou uma recessão ou uma crise financeira?». E considera esta é «uma decisão difícil e daí que o ritmo de subida já esteja muito mais lento (dando tempo para que os resultados comecem a surgir) mas ao mesmo tempo o BCE mantenha em aberto até que nível pode levar as taxas».

Para o especialista, as consequências deste aumento de taxas serão «seguramente negativas para o crescimento económico europeu, e Portugal não pode escapar a este efeito». Na sua opinião, a subida dos juros e sobretudo a sua manutenção num nível elevado «é provável que cause uma recessão na Europa e um período longo de crescimento lento. Portugal, enquanto um país relativamente endividado e com muitos créditos indexados às taxas de juro de curto prazo terá seguramente um abrandamento forte do consumo privado, empresas com maiores dificuldades financeiras e um aumento do incumprimento do crédito».

É que, defende Pedro Assunção, mesmo que o turismo continue a suportar o crescimento, «os próximos tempos em Portugal serão mais complicados do que teriam sido se as taxas de juro se mantivessem baixas». Para o responsável, a consequência mais grave «seria uma repetição da crise de crédito a afetar os países mais endividados e possivelmente a estender-se novamente ao sector bancário. Não é um cenário inevitável, mas torna-se mais provável quanto mais as taxas de juro subirem».

Henrique Tomé, analista da XTB, deu também a sua opinião sobre o discurso de Lagarde ao Nascer do SOL, defendendo ser «natural» que a presidente do BCE e os restantes responsáveis dos principais bancos centrais «tenham receios sobre o impacto que a subida abrupta dos juros possa ter na economia», defendendo que o impacto real dos juros «não se sente na totalidade logo no imediato e é preciso que por vezes os bancos optem por fazer uma ‘pausa’ na subida dos juros para avaliarem o impacto das medidas, em linha com o que a Reserva Federal Americana fez em junho». Mas, por outro lado, defende, «a inflação permanece elevada e não pode haver tempo para hesitações, sobretudo no lado do BCE que foi um dos bancos a levar mais tempo a pronunciar-se com medidas de combate à inflação». 

Sobre as consequências deste aumento de taxas de juro, continuam a ser as mesmas. «Os aumentos dos juros servem para arrefecer a atividade económica combatendo a inflação elevada» e estes aumentos «terão inevitavelmente por passar por uma redução do poder de compra dos agentes económicos (famílias e empresas) que ao terem menos poder de compra tenderão a consumir menos e a média/longo prazo deveremos ver os níveis de inflação a diminuírem mais e a aproximarem-se das metas desejáveis dos 2%».

As consequências para a Europa e Portugal existem e, defende Henrique Tomé, os próximos tempos «serão de ajuste para as famílias, sobretudo aquelas que se alavancaram demasiado e poderão ficar numa situação sensível». O analista acredita que «este será um esforço conjunto que todos temos de fazer para que possam existir correções nos preços, pois, caso contrário, se os níveis de inflação permanecerem elevados durante mais tempo, o impacto económico será mais severo».

 

Os alertas do FMI

Também neste fórum, o Fundo Monetário Internacional aconselhou os governos que a reserverem folgas e empresas a aceitarem perda de margens. Sobre este assunto, Henrique Tomé diz que este pedido «enquadra-se no seio empresarial mais vulnerável e não deve ser generalizado a todas as empresas pois, mais uma vez, é natural que os agentes económicos – empresas inclusive – estejam a ser penalizadas com a atual conjuntura económica». E, na sua opinião, «só assim é que podemos ver uma correção significativa dos preços que será ajustada tanto por via dos consumidores mas também das empresas que produzem produtos e serviços».

Além disso, o FMI avisou também que as margens de lucro vão ter que cair. Pedro Assunção diz que os avisos do fundo se prendem com o risco de uma crise financeira. «Evitar uma crise financeira grave pode obrigar os bancos centrais a aceitarem uma taxa de inflação acima dos 2% durante mais tempo», alerta, destacando que a solução que o FMI preconiza «é que todos façam a sua parte no combate à inflação para que o risco de uma crise financeira não continue a aumentar».

Ao nosso jornal, o especialista diz ainda que os bancos centrais mantêm a política monetária restritiva e, simultaneamente, «os governos controlam os défices públicos e as empresas assumem margens de lucro menores durante algum tempo (permitem que os seus funcionários recuperem algum poder de compra com aumentos salariais, mas não refletem isso integralmente em aumentos dos preços dos seus produtos e serviços)», lembrando que não é só o FMI que tem falado desta combinação de esforços e que o BCE fá-lo em todas as conferências de imprensa a seguir às reuniões.

E lembra que neste ciclo de subidas de taxas já tivemos dois exemplos em que a decisão de continuar a aumentar taxas foi colocada em causa por acontecimentos nos mercados: «A crise com o mini-orçamento inglês de Liz Truss e a crise de confiança na banca em março deste ano». E, para Pedro Assunção, estes são dois bons exemplos «de como os bancos centrais poderão ter de se adaptar aos acontecimentos para evitar males maiores, mesmo com o sacrifício do objectivo do controlo de preços». Sendo, obviamente, preferível «termos o fim deste ciclo de subida de juros porque o objectivo de controlo da inflação é conseguido sem provocar uma crise, do que um cenário em que os juros param de subir ou mesmo em que os bancos centrais são obrigados a cortá-los como reacção a uma crise». Só que, acrescenta, cada mês que a inflação se mostra teimosamente alta «é mais um aumento na probabilidade de um cenário mais negativo».

 

E os mercados?

Sobre a reação dos mercados após o discurso de Lagarde, Paulo Rosa explica: «As perspetivas do mercado agravaram-se, tendo as expectativas para a evolução dos juros aumentado cerca de três pontos base desde ontem [quarta-feira]. A taxa terminal esperada pelo mercado, para a última reunião deste ano em 14 de dezembro, agravou-se dos 3,86% de ontem para 3,89% depois do discurso de hoje de manhã [quinta-feira] de Christine Lagarde em Sintra», finaliza.