Um milhão à espera do Papa

A organização da JMJ continua à espera de um milhão de peregrinos, muitos dos quais só chegarão a Portugal em cima da hora do começo do evento. O Papa continua a surpreender e, apesar dos apelos, não reduziu a agenda, que conta com 17 encontros, incluindo com vítimas de abusos sexuais.

Há muitas formas de olhar para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que vai decorrer de 1 a 6 de agosto em Lisboa, mas, se formos pelos números de peregrinos que já se inscreveram e pagaram o pacote completo – alojamento, transportes, alimentação, seguro, etc –, chegamos facilmente à conclusão que estamos mesmo em Portugal. É que, dos 313 mil inscritos que pagaram o pacote completo, os portugueses aparecem em quarto lugar, atrás de Espanha, Itália e França, logo à frente dos EUA. «Já se sabe que os portugueses deixam tudo para a última e é natural que se inscrevam mesmo à última da hora. Em Cracóvia, diz-se que houve 330 mil inscritos e, na missa final do evento, o Comité Organizador estimou em dois milhões e quinhentos mil o número de peregrinos presentes», diz ao Nascer do SOL fonte ligada à organização da JMJ portuguesa. Mas, se o comité organizador polaco falou em 2,5 milhões, outros organismos contabilizaram um milhão e setecentos mil. Quer isto dizer que há quem acredite que os 313 mil inscritos  se vão multiplicar por cinco, dando os tais um milhão e quinhentos mil inicialmente previstos. Por aqui, as contas batem certo.

Continuando nos números, na plataforma da Fundação da Jornada Mundial da Juventude inscreveram-se 630 mil peregrinos, mas só os tais 313 mil é que pagaram todas as despesas inerentes ao pacote completo. Desses 313 mil, só 70% é que solicitaram alojamento, havendo mais de sete mil famílias que se ofereceram para acolher os peregrinos – o que dá mais de 24 mil alojamentos. Mas a organização tem disponíveis mais de 472 mil dormidas, entre colégios, seminários, quartéis e pavilhões gimnodesportivos. Para  deixar os números para trás, diga-se que 289 mil peregrinos solicitaram alimentação; que 737 bispos se inscreveram, com 113 italianos; e que o número de voluntários ultrapassou os 32 mil, embora até à data só 23 mil tenham concluído a inscrição. «O mais impressionante é que, de todos os países reconhecidos pelas Nações Unidas, só um ou dois é que não vão estar presentes. As Igrejas Irmãs, entre outros, fizeram um trabalho notável e conseguiram arranjar dinheiro para virem peregrinos de países muito pobres e distantes», confessa fonte ligada à organização.

A mesma fonte apela ainda a que se destaque o lado positivo de a cidade se ir transformar num enorme palco, onde haverá mais de 400 eventos, com artistas de todo o mundo católico, destacando-se, por exemplo, um padre australiano cantor com muito sucesso no seu país. Mas também haverá espaço para o Hip Hop, com a presença de um peregrino americano. Teatros, cinemas, os palcos espalhados pelas cidade, anfiteatros serão os locais onde a cultura cristã dará asas à imaginação. E até a Cinemateca terá um ciclo dedicado aos filmes da vida do_Papa Francisco. Ah! Diga-se, na brincadeira, que há muitos católicos que esperam que o padre José Luís Borga, que fez uma música dedicada à JMJ, intitulada ‘JOTA EME JOTA’, seja excluído do programa oficial.

 

Um Papa a toda a prova

Brincadeiras à parte, o que está a surpreender mais o mundo eclesiástico é a determinação do Papa em não alterar nada o seu programa estabelecido, apesar do problema de saúde que o atormentou recentemente. Ainda há duas semanas, fonte do Vaticano assegurava que os mais próximos de Francisco tentaram convencê-lo a reduzir a sua agenda em Portugal, mas em vão, até pelo contrário, pois Sua Santidade fez questão de receber algumas vítimas de abusos sexuais de padres portugueses, embora o encontro seja longe dos holofotes da comunicação social.

Oficialmente, o Papa terá 17 encontros, entre viagens pela cidade, além da visita a Fátima no sábado, destacando-se, além do encontro já referido, a ida ao centro Paroquial de Serafina, em Campolide, onde tem sido feito um trabalho de «excelência, nomeadamente na ajuda aos mais desfavorecidos», algo que o Papa tanto aprecia. Recorde-se que o bairro da Serafina é dos mais problemáticos da capital, e onde a Igreja tem desenvolvido um trabalho notório. Segundo a Rádio Renascença,  «o Centro Social e Paroquial emprega 170 pessoas que, nas mais diversas funções, mantém em funcionamento o berçário, a creche, o jardim de infância, ATL para crianças e jovens, lar para idosos, centro de dia para a terceira idade e deficientes e ainda apoio domiciliário. São respostas direta a mais de 700 pessoas, sem contar com as largas centenas de refeições que providencia».

Mas, para quem pensa que o Papa é um homem desligado da tradição, acrescente-se que Francisco irá confessar vários jovens na Cidade da Alegria, no Jardim Vasco da Gama. «Vai ser um momento único para esses peregrinos», explica fonte eclesiástica.

Outra das ‘badeiras’ de Francisco é a Scholas Occurrentes, que fundou em Buenos Aires, em 2001, quando ainda era arcebispo Jorge Bergogllio. O objetivo do então arcebispo era contribuir para uma integração plena de alunos do ensino público e privado, através da tecnologia, arte, educação e desporto, formando jovens, de todas as religiões, que tenham como determinação o bem comum. E, como essa organização se espalhou pelo mundo, Francisco não deixará de visitar a ‘delegação’ de Cascais, onde falará com os jovens.

 

Uma cidade sitiada

Se há quem queira falar dos benefícios da JMJ, também é verdade que são muitos os que estão à beira de um ataque de nervos com o aproximar de agosto. Ruas cortadas, proibição de circular de automóvel em quase toda a capital, programas anulados devido à presença do Papa, é um cenário que não agrada a muitos lisboetas. Por isso, se há quem vá fazer ‘pequenas’ fortunas a arrendar as suas casas nesse período, há quem queira desaparecer de Lisboa, onde muita coisa não poderá ser feita em nome da segurança.

Mas, como um copo está sempre meio cheio ou meio vazio, dependendo do ponto de vista, é natural que a cidade se vá comparar, durante pelo menos seis dias, à noite de Santo António, com milhares e milhares de jovens a circularem, na maioria dos casos a pé, por todas as ruelas de Lisboa. E os comerciantes, calculo que não os da Avenida da Liberdade, vão bater palmas por esta enchente única. Claro está que um milhão de pessoas vai fazer muito lixo e alguns milhares de trabalhadores serão impedidos de tirar férias nessa altura. Sejam da limpeza das ruas, médicos, funcionários do Metro… ou polícias.