Novo aeroporto pode derrapar mais seis meses

Maria do Rosário Partidário garante que avaliação da Comissão está dentro dos prazos previstos, mas especialista Pedro Castro aponta para derrapagem de, pelo menos, meio ano.

Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira

A pressão vai aumentando em torno da localização do futuro novo aeroporto de Lisboa. O verão é sinónimo de aumento de voos e com isso o regresso do discurso em relação ao facto de o aeroporto da Portela estar a ‘rebentar pelas costuras’. Contactada pelo Nascer do SOL, a Coordenadora Geral da Comissão Técnica Independente para o novo aeroporto da região de Lisboa (CTI), Maria do Rosário Partidário, admite que «pressão há muita», mas lembra que este grupo foi «constituído para fazer um estudo de natureza estratégica», referindo ainda que, apesar de «estarem a olhar para o curto prazo, o objetivo é sobretudo olhar para longo prazo e apresentar uma solução definitiva».

De acordo com a responsável, a ideia é «tentar contribuir para uma solução que melhore a situação, não esquecendo que o que a resolução do Conselho de Ministros fala é em 50 anos de operação».

«Neste momento só queremos é trabalhar e pôr as coisas cá para fora», disse Maria do Rosário Partidário, lembrando que estão em marcha os 25 estudos que serão necessários para apoiar na hierarquização das propostas de localização e que, segundo a Resolução de Conselho de Ministros, deverá estar concluída até ao final de 2023. Um timing que para já é apontado como sendo realista.

Um otimismo que não é partilhado por Pedro Castro, especialista em aviação, para quem, do que tem conhecimento, há um atraso de cerca de seis meses em relação ao período original. Ainda assim, Pedro Castro vê com naturalidade tal atraso, uma vez que esses estudos demoram «o seu tempo quer para adjudicar, quer depois para serem realizados». A agravar a situação, de acordo com o responsável, está o facto de a própria Comissão ter juntado novas opções, além das cinco que obrigatoriamente teria de analisar.

Em causa estão as soluções Humberto Delgado+Montijo; Montijo+Humberto Delgado; Campo de Tiro de Alcochete; Humberto Delgado+Santarém e Santarém, tendo sido adicionadas mais quatro: Pegões – que passou, entretanto, a designar-se por Vendas Novas -, Humberto Delgado+Pegões, Rio Frio+Poceirão e Humberto Delgado+Alcochete.

Perante este cenário, Pedro Castro revela que «isso significa obrigatoriamente que o trabalho tem de ser praticamente duplicado. Há duas opções que se repetem, porque é numa versão aeroporto principal ou aeroporto secundário» – e daí acreditar que iremos assistir a um atraso na ordem dos seis meses.

«Este atraso até já era ser previsível, a partir do momento em que até a própria presidente da Comissão dava conta que estava a haver atrasos na transferência de dinheiro e sem essa transferência não se podia adjudicar estudo nenhum. E este período de atraso é a melhor das hipóteses, porque essas coisas são como a própria obra: estão sujeitos a atrasos, até porque as próprias empresas não estão sentadas à espera, vão aceitando outros estudos», acrescenta o especialista.

Todas as soluções em cima da mesa

A presidente da comissão técnica garante que todas as soluções vão ser analisadas, desvalorizando as declarações do ministro das Infraestruturas em relação a Santarém. Depois de ter afirmado, na semana passada, que Santarém era «longe» e que a probabilidade de esta ser a localização escolhida era «muito baixa», ainda esta semana João Galamba voltou a insistir na distância, alegando que há aeroportos europeus a mais de 80 quilómetros, mas são complementares, e a defender que não estaria a condicionar a decisão da comissão técnica que está a avaliar as possíveis localizações.

Declarações essas desvalorizadas por Maria do Rosário Partidário. «O ministro tem direito a ter a sua opinião, como é lógico, mas temos um mandato definido pela resolução de conselho de ministros e Santarém faz parte desse mandato e vamos tratar Santarém com a mesma igualdade de circunstâncias em relação a todas as outras», disse, acrescentando: «O ministro já disse que não tinha qualquer intenção de nos influenciar e obviamente que não nos iria influenciar porque não deixamos».

Mais crítico em relação às declarações do governante está Pedro Castro. «Quando um ministro diz ‘eu quero a Portela por 12 anos ou mais e Santarém parece-me muito longe’, as pessoas podem dar os nomes que quiserem às coisas, podem chamar comissões independentes… a uma parede vermelha, podemos chamá-la parede branca. E até podemos fazer um decreto-lei a dizer que a parede é branca, mas vamos chamá-la vermelha. A realidade é outra e isso vai ter um impacto», explica.

Pedro Castro vai mais longe: «Pedro Nuno Santos resolvia o problema dos 12 anos com o Montijo e quando disse que iria fazer Montijo como solução intercalar estava a recusar olhar para a Portela. Este ministro veio mudar isso. No meu entender, a leitura é: ‘Meus amigos, Montijo esqueçam. E agora têm 12 anos ou mais para porem a Portela a trabalhar. E o mega-aeroporto, a ser, acho que não deve ser em Santarém’. Como só está outro mega-aeroporto viável em Alcochete isto provoca uma mudança». Já em relação à distância, o especialista admite que «é uma forma um pouco antiga de ver as coisas, que é não medir o tempo e medir a distância em quilómetros», chamando a atenção para os problemas que se vivem atualmente no aeroporto de Lisboa. «A Portela é que está longe, não em questão de quilómetros, mas o que se passa para chegar lá. Temos a noção que a maior parte da população vive fora de Lisboa. É uma visão um bocadinho ‘Lisboacêntrica’».

Slots libertados

Pedro Castro diz ainda que, neste momento, a Portela conta com cerca de 34 pares de slots – horário de chegada e partida disponível ou autorizado para a realização de um voo – que são ocupados por voos pequenos e facilmente podem ser substituídos por comboio, nem que seja no espaço de dez anos, já que a União Europeia irá proibir essas viagens curtas. E lamenta que a questão dos slots esteja a ser mal gerida. «As regras dos slots são muito estritas, ou seja, quando alguma companhia não utiliza 80% desses slots no período de um ano esses perdem-se. E quando se perdem quer dizer que podem ir para parar a outras companhias. Isto é, voltam para a NAV e a NAV pode distribuí-los».

O especialista recorda que, em 2024, vai terminar o período de aligeiramento das regras que surgiram durante a pandemia. «Nessa altura, vamos ver em Lisboa quantos desses slots estavam protegidos devido à pandemia e quantos vão ser libertos». E alerta: «Se João Galamba estiver muito desesperado em relação aos slots pode sempre fazer uma lei semelhante à lei francesa, que proíbe os voos domésticos quando existam opções ferroviárias viáveis. E esses slots vão ser libertados para voos que não se podem fazer eventualmente por comboio e para aqueles que estão em lista de espera».

Pela descentralização

Pedro Castro é a favor da descentralização para o novo aeroporto e deixa alguns exemplos. «Há um artigo que saiu num jornal do Alentejo que diz que os aviões VIP estão a chegar a um ritmo muito maior ao aeroporto de Beja. E falo do aeroporto de Beja porque é o que está pronto a usar», diz, defendendo ser «curioso que há uma parte de pessoas que dizem efetivamente que está lá a aterrar porque não consegue aterrar em Lisboa ou em Faro mas há uma parte significativa desses voos cujas pessoas vão para o litoral alentejano, nomeadamente para a Comporta».

O especialista diz que agora só falta o Governo dar o passo da descentralização. «Por um lado é retirar estas pessoas que vão para a Comporta, ou para o litoral alentejano ou seja onde for, do aeroporto de Lisboa. Quando mando essas pessoas diretamente para o sítio para onde elas querem ir, elas não precisam já de ir a Lisboa, vão logo para lá». E, por outro lado, «é que este acesso direto é aquilo que permite a diversificação e a distribuição do turismo em Portugal».