Professores só querem ensinar em liberdade

Esta semana, o Nascer do SOL reuniu o grupo de professores que acompanhou o primeiro-ministro. Quisemos saber que efeito teve aquele confronto do dia 10 de junho. As acusações de racismo desmobilizaram a luta? Nada disso, garante-nos o grupo.  Falaram-nos do que os move, de como se sentiram depois dos acontecimentos do Dia de Portugal…

por Raquel Abecasis

António Costa ainda não encontrou tempo para ligar a Luísa como prometeu no dia 10 de Junho. Luísa ficou conhecida no país por ter assumido na primeira pessoa a luta dos professores e ter interpelado o primeiro-ministro em frente às câmaras de televisão. O país inteiro acompanhou o bate-boca entre Luísa e o primeiro-ministro. O diálogo aceso acabou com uma promessa e uma troca de números de telefone. António Costa prometeu à professora que lhe ligava para uma conversa mais calma. O telefone de Luísa ainda não tocou. Talvez a promessa se tenha diluído quando Costa se irritou com os manifestantes e lhes chamou ‘racistas’ por causa do cartaz que empunhavam. Ou talvez o primeiro-ministro tenha achado que, com aquela acusação, tinha virado o jogo a seu favor, contra os protestos e os métodos dos professores que se manifestam sem parar desde janeiro.

«Acredito que esteja com a agenda preenchida. Entre jogos de futebol e outras coisas que vão acontecendo, isto vai ficando na prateleira, vai chegar o verão, vamos entrar de férias. Portanto acredito que estejam à espera do próximo ano letivo para resolver o problema». O comentário irónico é de Luísa, que já perdeu a esperança de voltar a falar com o primeiro-ministro. Foi no domingo, às três  da tarde, que o Nascer do SOL se encontrou com um pequeno grupo de nove professores no Largo da Torre da Universidade de Coimbra. Vieram de vários pontos do país e escolheram a cidade dos estudantes por ser no centro do país. O domingo foi a data escolhida por não ser dia de trabalho, mas mesmo assim estes professores acharam que valia a pena sacrificar o dia para darem ao nosso jornal a sua versão dos factos ocorridos no dia 10 de Junho. «Foi um dia em que se celebrou a realidade concreta de um país. Não é só um dia de festa. Celebrou-se aquilo que somos da maneira mais real e concreta que podemos celebrar neste momento…o que aconteceu naquele dia foi um encontro feliz por um lado, e extraordinariamente grande pelo exemplo que apresentou como prova de que é possível dialogar com as instituições e desconstruir a imagem que as instituições hoje em dia têm, que é falsa».

Antónia, professora em Braga, garante que, apesar das opiniões publicadas, ao longo destes dias têm recebido sinais  de que os seus colegas, por todo o país, reconhecem o impacto único que teve aquele momento. E não o desvalorizam, garantem-nos os professores deste grupo.

 

Contra os alunos não leitores

Perguntamos qual é o fim desta história? Quando é que os prtofessores em luta vão considerar que o Governo respondeu às suas reivindicações? E obtemos uma resposta surpreendente: isto não vai parar enquanto o ministro João Costa não for demitido. «Gostavamos de um novo interlocutor, precisávamos de um novo interlocutor nas negociações. Ele já se esgotou há muito tempo. Os professores que têm memória, reconhecem neste ministro, um anterior secretário de estado que não foi bom para os professores. A demissão nunca aconteceu e por isso a escada vai subindo…nós somos um grupo inorgânico, e nesse sentido complementamos o trabalho dos sindicatos». Mas o que falta para que os professores fiquem satisfeitos? A contagem total do tempo de serviço? Mudanças ainda maiores no regime de colocação de professores?

É Pedro quem nos define a meta da luta. O autor dos famosos cartazes explica que João Costa é o principal protagonista, há muitos anos, de uma política que está a destruir a escola e a missão dos professores.

«Existem alunos não leitores, do oitavo e do nono. Não sei se sabe o que é que isso quer dizer? São alunos que são capazes de concluir o terceiro ciclo de estudos sem saber ler e escrever. E passam todos os anos ao abrigo do artigo 54». É esta política do «nivelar por baixo» imposta à escola desde os tempos de Maria de Lurdes Rodrigues e Guilherme d’ Oliveira Martins protagonizada desde o início pelo agora ministro da Educação que está na origem do protesto destes professores.

Queixam-se de estarem limitados e obrigados a pôr em prática uma política que quer formar cidadãos medíocres e este não é um objetivo ingénuo, garantem: «A ideia é construir uma sociedade de precários e dependentes do Estado». É por isso, diz o grupo, que os professores não vão parar.

Sofia diz-se frustrada por ver que a sua missão enquanto professora está completamente esvaziada. «Nós não somos porteiros, nem estamos na escola para abrir e fechar portas», afirma. Sofia diz que o sistema que está a ser montado há muitos anos retira toda a autonomia aos professores que estão linitados a aplicar diretivas cada vez mais absurdas que chegam do ministério.

«O sistema não deixa que os alunos reprovem, isto abre uma crise imensa dentro das instituições.  O aluno não estuda, então em vez de se pensar em estratégias para ele aprender, vamos diminuir o grau de dificuldade da avaliação. O aluno, normalíssimo, que tira negativa num teste, é-lhe aplicado o plano de recuperação, com medidas universais. E nessas medidas universais cabe eu ler a prova ao aluno, se não chegar eu ler a prova ao aluno, eu posso transformar as perguntas abertas em que ele tem que escrever, em perguntas de escolha múltipla. Se ainda assim ele tirar negativa, eu tenho que lhe dar previamente as perguntas».

Mas os professores também estão preocupados com um outro fenómeno:_«A escola pública está a ser invadida por projetos externos à escola.  porque há os projetos das juntas os projetos das estruturas todas que trabalham e que invadem a escola… são projetos que vêm dar à escola para justificar as verbas que as camaras, que as empresas recebem à custa do que fazem dentro das escolas e sabemos que esta ideia das escolas se aproximarem das camaras tem tudo a ver com uma estratégia de financiamento… das Câmaras, de empresas e de outras entidades que impedem os professores de colocar em prática os seus próprios projetos educativos».

Desmoralizados mas não rendidos, estes professores fazem um retrato realista da realidade da escola pública: «Neste momento na escola cai tudo, caiem os problemas sociais, caiem os problemas de inclusão, caiem os problemas da multiculturalidade e caiem os problemas todos, mas não caiem os recursos. Portanto, o nosso desespero é que temos os alunos à nossa frente, a ter de arranjar solução para eles todos e não temos capacidade para arranjar essas soluções. Claro que as questões da carreira são muito importantes, mas as questões pedagógicas são tão ou mais importantes».

O recado do grupo do 10 de junho é claro: estamos aqui para ficar, somos professores de todos os pontos do país determinados a não parar, «estamos numa aula multidisciplinar de intervenção cívica». A opinião no grupo é unânime: «Podíamos arranjar outro emprego, mais bem remunerado e onde podíamos ser mais felizes, mas nõs gostamos de ser professores e já não lutamos por nós mas para quem vier a seguir a nós».