O país acompanhou em direto os trabalhos da Comissão de Inquérito à TAP, particularmente as audições mais polémicas, como se fosse uma telenovela. Em casa, na rua e nos locais de trabalho, muitos portugueses adaptaram a sua vida para não perderem pitada das longas horas de audições de Frederico Pinheiro (o adjunto), de Eugénia Correia (a chefe de gabinete), de João Galamba (o ministro), de Hugo Mendes (o ex-secretário de estado) e de Pedro Nuno Santos (o ex-ministro).
Por todo o lado se comentou quem sabia o quê? Quem enviou mensagens a quem? Quem deu ordens a quem? Quem telefonou a quem e a que horas? O que estava no computador? Quem bateu em quem? Quem fugiu para a casa de banho? Quem ficou fechado no Ministério? Quem abriu a porta do Ministério? E, afinal, quem chamou o SIS e a que horas?
Para um país cada vez mais desinteressado da política, não está mal. Desta vez, os personagens conseguiram montar um enredo a que ninguém ficou indiferente.
É porque todo o país viu, ouviu e leu que os partidos da oposição não ficam preocupados com o relatório, por enquanto ainda preliminar, elaborado pela deputada socialista Ana Paula Bernardo. A desconhecida deputada da maioria conseguiu surpreender pelas más razões. A leitura socialista dos trabalhos da Comissão de Inquérito deixa de fora tudo o que possa comprometer os membros do Governo, mesmo aqueles que, como Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes, assumiram a sua quota parte de responsabilidade por terem autorizado a indemnização de quinhentos mil euros a Alexandra Reis e, por isso, se demitiram. Para os deputados socialistas, a responsabilidade é exclusiva da ex-CEO da TAP, Christine Ourmiéres-Wiedener e do chairman Manuel Beja. Mas não é só, o relatório socialista também deixou de fora das conclusões tudo o que diz respeito aos episódios do Ministério das Infraestruturas por considerar que os factos não se inserem no âmbito da Comissão de Inquérito.
Um relatório que só o PS vai aprovar
Esta é uma história com um desfecho mais do que previsível. Do Chega ao PCP, ninguém se revê no relatório que os socialistas se preparam para aprovar.
PSD e IL já anunciaram que nem sequer vão dar-se ao trabalho de apresentar alterações ao relatório (o prazo para entrega de propostas de alteração termina nesta terça-feira). Os sociais-democratas vão optar por fazer e divulgar as suas próprias conclusões dos trabalhos, numa espécie de relatório alternativo. Os restantes três partidos, Chega, BE e PCP optam por propor alterações, embora ninguém espere grandes alterações ao relatório preliminar. Assim sendo, depois de longas e polémicas horas de audições, na Comissão de Inquérito mais mediática da história, os socialistas acabarão por aprovar sozinhos o relatório, embora tenham ainda a esperança de contar com a abstenção dos comunistas. Os deputados do PCP estiveram ao lado dos socialistas a impedir que os trabalhos da Comissão se centrassem nas polémicas do Ministério de João Galamba. Mas para o Partido Comunista é fundamental que o relatório reflita conclusões críticas em relação ao processo de reprivatização da TAP que o Governo está a preparar, e os socialistas não querem fazê-lo. Acresce que o PCP não quer ficar mais uma vez com a imagem de muleta útil do PS, muito menos depois dos resultados das últimas eleições.
Sozinhos com a sua narrativa, os socialistas tentam agora defender-se. Vários membros do Partido Socialista multiplicaram-se em explicações na comunicação social, argumentando que o relatório tem mais do que as conclusões e que é preciso ler as quase duzentas páginas do documento, elaborado por Ana Paula Bernardo, antes de fazer juízos precipitados.
Mas, na tentativa de defender o indefensável, o caso começa a causar fraturas dentro do próprio PS e algumas destas fraturas começam a fazer-se ouvir. Foi o caso deste fim de semana quando Lacerda Sales, presidente da Comissão de Inquérito, reagiu violentamente aos comentários de Pedro Adão e Silva sobre a prestação dos deputados em sede de Comissão. O ministro da Cultura afirmou numa entrevista à TSF que os deputados da comissão de inquérito à TAP foram “um espécie de procuradores do cinema americano de série B”.
As declarações de Adão e Silva foram criticadas violentamente por todos os deputados, da esquerda à direita, incluindo os deputados do Partido Socialista. Lacerda Sales veio a terreiro defender os deputados e o trabalho feito nos últimos meses no Parlamento e não hesitou em exigir ao ministro para que se venha retratar até porque “é o Governo que presta contas à Assembleia da República” e não o contrário.
Os trabalhos da Comissão de Inquérito terminam no dia 13 de julho, quinta feira, com a votação do relatório final, que depois deverá ser votado em plenário no dia 19 de julho.
O caso TAP e a polémica indemnização a Alexandra Reis foram o episódio mais grave da sessão legislativa que está agora a terminar. Até porque foi o caso que levou à demissão de Pedro Nuno Santos, o homem que agora regressa ao Parlamento, apostado em reabilitar a sua imagem e em ganhar fôlego para chegar à liderança dos socialistas. E o facto de o relatório (pelo menos na sua versão preliminar ) o ilibar de responsabilidades no caso da indemnização a Alexandra Reis vem dar-lhe uma preciosa ajuda para conseguir alcançar o objetivo.