“O mundo está a experienciar um calor sem precedentes pelo menos nos últimos 170 anos e, provavelmente, vários milhares de anos, se não mais. O calor extremo atual é o resultado das nossas emissões de gases de efeito de estufa (a principal causa), combinadas com a variabilidade natural (um pequeno empurrão extra temporário)”, começa por dizer ao i Peter Thorne, Professor de Geografia Física na Maynooth University, na Irlanda, e diretor do Irish Climate Analysis and Research UnitS group (ICARUS). “A parte da variabilidade natural dissipar-se-á, mas o que estamos a ver hoje é um aviso de onde estaremos dia após dia numa década ou mais, a menos que tomemos medidas urgentes para reduzir as emissões”, explica o especialista em alterações climáticas.
“Não é tudo sobre temperaturas globais. Testemunhemos a baixa extensão do gelo do Mar Antártico e inundações significativas em todos os continentes do hemisfério norte. A mudança climática não é um problema para as gerações futuras. Está aqui, está agora e está a afetar-nos, a todos, direta ou indiretamente. Quão pior deixamos isso ficar depende de todos nós”, conclui Thorne, indo ao encontro da perspetiva de Richard Allan, professor de Ciência Climática na University of Reading, no Reino Unido.
“O recorde de calor global que estamos a viver é quase inteiramente devido às crescentes concentrações de gases de efeito de estufa causadas pela queima de combustíveis fósseis pelos seres humanos. A razão pela qual a temperatura média diária global mais alta no registo observável foi alcançada em julho é que é a época mais quente do ano porque os vastos continentes do norte foram queimados pelo forte sol de junho. Somando-se ao calor global este ano está o calor que emana da extensão do oceano Pacífico oriental enquanto dança ao som lento do desenvolvimento do El Niño, um fenómeno climático natural que em alguns anos contribui para o aquecimento global e em outros modera-o ligeiramente”, avança o especialista ao i.
“Embora uma temperatura média global recorde de 17 graus Celsius não pareça muito quente, um ou dois graus extras de aquecimento desde a revolução industrial devido às emissões de gases de efeito de estufa foram adicionados a ondas de calor, secas e inundações, promovendo sérios impactos em catástrofes de ‘primeira divisão’. Os eventos climáticos extremos geralmente associados ao El Niño estão, portanto, a ser sobrecarregados pelo calor extra e pela intensidade do ciclo da água de uma atmosfera mais quente, que está a tornar os extremos quentes, secos e húmidos ainda mais severos”, acrescenta, sublinhando que “somente com reduções rápidas e sustentadas nos gases de efeito de estufa, particularmente o dióxido de carbono, em todos os aspetos da sociedade, podemos limitar o aquecimento e evitar o desenvolvimento de mudanças climáticas cada vez mais perigosas”.
Segundo o relatório anual da Organização Meteorológica Mundial e da rede europeia Copernicus, a temperatura média na Europa é 2,3 graus mais quente do que no final do século XIX. O aquecimento global é causado principalmente pela emissão de gases de efeito de estufa, como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), na atmosfera. Esses gases retêm o calor do sol na Terra, levando ao aumento das temperaturas médias globais. À medida que as temperaturas aumentam, ocorrem mudanças significativas nos padrões climáticos, como secas mais intensas e prolongadas. A combinação de altas temperaturas e períodos secos cria condições propícias para a ocorrência e propagação de incêndios florestais (o Instituto Português do Mar e da Atmosfera colocou, esta segunda-feira, mais de 30 concelhos dos distritos de Faro, Castelo Branco, Portalegre, Santarém e Guarda em perigo máximo de incêndio rural).
De acordo com o mapa elaborado pelo Departamento de Meteorologia da Meteored (tempo.pt), espera-se que julho seja mais quente do que o normal, mas, em princípio, não atingirá os valores extremos do ano passado. Em grande parte do território continental, a temperatura máxima pode ficar entre 0,5 ºC e 1 ºC acima da média climatológica de referência, o que indica uma anomalia térmica positiva. O geógrafo e editor-chefe da Meteored Portugal, Alfredo Graça, destacou essas informações em comunicado e frisou-as ao i.
No entanto, espera-se que certas regiões do país tenham uma anomalia térmica positiva um pouco maior, entre 1 ºC e 1,5 ºC acima da média climatológica. Essas áreas incluem a parte mais setentrional do distrito de Viana do Castelo, Nordeste Transmontano, pequenas áreas dos distritos de Viseu e Vila Real, faixa do litoral entre o Porto e Melides (distrito de Setúbal) e a maior parte ou quase todo o Alentejo e os distritos de Lisboa e Santarém. O especialista, mestre em Riscos, Cidades e Ordenamento do Território, e mestrando em Ensino de Geografia, destaca que, embora não se espere um calor tão extremo como em julho de 2022, ainda existe a possibilidade de ocorrer uma onda de calor.
Relativamente ao mar, durante o mês de junho de 2023, as temperaturas do mesmo atingiram níveis mais altos do que nos últimos 20 anos, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Hidrográfico. As medições realizadas pelas boias de monitorização nos portos de Leixões, Sines e Faro mostraram que as temperaturas médias do mar foram superiores às médias históricas entre 2000 e 2020, e também ultrapassaram as médias dos anos mais recentes, 2021 e 2022.
O climatólogo Hélder Lopes, da Meteored Portugal, afirmou, ao i, que em Faro, por exemplo, a temperatura média do mar foi de aproximadamente 20,6°C, o que representa um aumento de 1,0°C em comparação com anos anteriores, como 2022, em que a temperatura média foi de 19,7°C. Em Leixões, a temperatura máxima do mar atingiu 21°C em 20 de junho, mas o recorde foi registrado em agosto de 2005, quando alcançou 22,4°C. Já em Sines, a temperatura do mar chegou a 20,7°C em 24 de junho, ainda abaixo do recorde de agosto de 2016.
Por outro lado, o também investigador do Lab2PT e colaborador do Grupo de Climatologia – Barcelona observou que em Faro, a temperatura máxima atingiu 24,4°C em 22 de junho, mas não superou o recorde de agosto de 2010, quando foi registada uma temperatura máxima de 26,6°C. Entre 2000 e 2020, as temperaturas mais altas registadas foram de 21,2°C em Leixões, 21,9°C em Sines e 25,3°C em Faro. Embora as temperaturas máximas de junho tenham sido elevadas e indicassem um aumento na temperatura do mar em Portugal, nenhum recorde absoluto foi ultrapassado.