Caiu que nem uma bomba na Igreja de Lisboa o anúncio do Papa de que D. Américo Aguiar será cardeal a partir de 30 de setembro. E qual a razão para tanto alarido, embora silencioso, nos corredores eclesiásticos lisboetas? A razão até pode ser muito precipitada, mas mesmo a ténue possibilidade do ainda bispo auxiliar de Lisboa vir a ocupar a cadeira de Patriarca da capital fez soar os alarmes. Dos muitos padres e leigos com quem o Nascer do SOL falou, uns estão mais dispostos a utilizar estratégicas mais ‘belicistas’ do que outros. Atentemos no que diz um padre lisboeta. «Fico muito perplexo, havendo tanta gente que diz o que diz dele, há quase uma unanimidade a dizer ‘por favor, não venha para cá’. Ao vir para cá, qual é o objetivo? É criar conflito? É converter-nos? É uma perplexidade. Confesso que tenho um bocadinho de medo do que isso possa dar. Pode haver padres que não gostam, mas engolem. Outros haverá que não vão engolir. Pode haver alguns conflitos, que estão neste momento adormecidos, porque não vale a pena. Espero bem que ele não seja patriarca. Basta olhar para a cerimónia da sua ordenação como bispo em que quase não estiveram bispos nem padres presentes».
Não convidar o patriarca
Mas o que poderão fazer os párocos descontentes se tal vier a acontecer? «Não sei, mas podem não convidar o cardeal para ir à paróquia, ele dizer uma coisa e os padres fazerem outra, pode haver coisas destas que podem ser muito desagradáveis», acrescenta a mesma fonte. Diga-se que outros padres descontentes não acreditam na viabilidade de não se convidar o hipotético futuro cardeal patriarca de Lisboa, pois isso implicaria com um dos momentos solenes da vida das paróquias: «Seria uma coisa muito, muito difícil de justificar, tendo em conta que todos os padres, no dia de ordenação, prometem a obediência e seguir o seu bispo diocesano. Portanto, acho que a ideia é uma coisa, do ponto de vista da ciência política, muito interessante. Estas desobediências não violentas, etc. Mas seria cético em relação à possibilidade de ver isso ser implementado. Nós aqui temos crismas, por exemplo, na paróquia. O nosso pedido é sempre ao senhor patriarca que diz qual é o bispo que vai celebrar os crismas. Não sei como isso na prática se poderá articular. Mas é muito interessante que haja entre nós quem pense numa solução dessas, pois D. Américo é um homem mal-amado pelo clero, pelo qual ele é bispo adjunto há quatro anos, e isso é muito significativo. Não é uma coisa para ser tomada de ânimo leve. Portanto, isso acrescenta ou isso confirma a perplexidade de um homem que é mal-amado pelos padres da sua diocese. Há aqui alguma falha de comunicação em algum sítio. Realmente, há aqui alguma coisa que não bate certo, que deixa desconforto. Se todas as pessoas que falam bem deste bispo são políticos, agora cada um que tire as suas conclusões» (ver págs. 8-10).
Fora da trena
Há semanas que o mundo eclesiástico, e não só, espera pelo fumo branco quanto ao futuro patriarca de Lisboa – medida que muitos esperam para este fim de semana, até por D. Manuel Clemente fazer 75 anos no domingo. O Nascer do SOL escreveu que D. Américo Aguiar não faz parte da trena que foi enviada ao Vaticano, pois a lista de três nomes que o núncio apostólico mandou para Roma não continha o nome do agora cardeal, precisamente por causa da resistência dos padres e leigos lisboetas. D. Nuno Brás, bispo do Funchal, era o nome apontado à capital. Mas, ao nomear D. Américo Aguiar como cardeal, o Papa fez aquilo que melhor sabe fazer: surpreender o mundo da Igreja.
Influência no hemisfério sul
«É um sinal inequívoco de que o Papa confia que este homem pode durante pelo menos 26 anos ser cardeal de uma das diocese com maior influência naquilo que é a visão católica do mundo em todo o hemisfério sul. Não esquecer que Lisboa tem muita influência em tudo o que acontece no Brasil, em Angola, Moçambique, em Timor, Cabo Verde também, etc. A influência do arcebispo de Lisboa não se refere só ao contexto europeu e ocidental, mas é uma influência que se estende para todo o hemisfério sul com muita força e isso é um sinal que é inevitável retirar se acontecer que D. Américo venha a ser nomeado patriarca», conclui outro pároco.
Mas a maioria dos padres pensa que o futuro de D. Américo Aguiar passará por Roma, onde poderá ajudar o Papa nas difíceis missões que tem pela frente. «A nomeação do novo Cardeal foi uma grande surpresa para todos, tendo em conta a sua juventude em idade e em episcopado (4 anos). Não terá de ser inevitavelmente o futuro Patriarca de Lisboa. Poderá ser nomeado Bispo de uma Diocese portuguesa, e levar consigo o título de Cardeal. Veja-se o caso de D. António Marto, que era Bispo de Leiria-Fátima e recebeu o título de Cardeal. Outra hipótese, seria D. Américo ser nomeado Prefeito de um Dicastério da Curia Romana, por exemplo, o Dicastério dos Leigos, Família e Vida, que tem a seu cargo a organização das JMJ. Além do mais, o atual Prefeito, Cardeal Kevin Joseph Farrell, vai completar 76 anos a 2 de setembro» – a leitura é de um clérigo que não faz parte da guerra de Lisboa.
Vejamos quais são as outras hipóteses para D. Américo Aguiar, caso não seja nomeado patriarca de Lisboa. «Houve uma altura que se dizia que D. Rui Valério iria para Setúbal e D. Américo para bispo das Forças Armadas, que se adequava a ele que andava de um lado para o outro. Tinha jeito para isso. Mas, agora, para bispo castrense não estou em crer. Bispo de Setúbal faria sentido, ainda agora o Papa nomeou cardeal o bispo da Córsega, em vez do arcebispo de Paris. O Papa pode nomear Cardeal um bispo de uma diocese mais pequena e não nomear logo cardeal o bispo da diocese da capital. O Papa Francisco faz muito isso. O arcebispo de Paris não é cardeal e foi nomeado cardeal o bispo da Córsega, que é de uma diocese secundária», confessa outro padre de Lisboa.
Conversa para prejudicar
Já o padre Nuno, da igreja do Bonfim, no Porto, tem uma leitura curiosa. «Acho que seria um bom patriarca. Sendo que esta conversa à volta de ele ser patriarca, se calhar é a melhor maneira de o afastar do patriarcado. Mas como essa decisão pertence ao Papa Francisco, neste momento, e ainda bem, acho que ele poderá ter um bom patriarca».
Quem também reconhece que poderá haver um atrito na Igreja de Lisboa caso D. Américo Aguiar seja nomeado patriarca, é o padre Nuno Coelho, de Cascais, amigo do responsável da Jornada Mundial da Juventude. «Acho que ele é capaz de ser um bom patriarca de Lisboa. Absolutamente. Ou seja, em termos genéricos, sim, mas termos concretos, olhando para as realidades eclesiais, para a idade do D. Américo, para o seu percurso, se calhar ia haver aqui um atrito. Ele ser nomeado cardeal com 49 anos, sendo bispo auxiliar de Lisboa, das duas uma: ou vai mesmo para Patriarca de Lisboa ou vai mesmo para Roma para um serviço qualquer do dicastério. E, se calhar, como o processo do patriarca de Lisboa começou mais cedo que esta escolha absolutamente pessoal do Santo Padre, inclino-me, para que o senhor D. Américo vá para Roma».
Seis portugueses no Colégio Sagrado
Por seu lado, Pedro Gil, diretor do gabinete de imprensa do Opus Dei, é um defensor confesso de D. Américo. «Gostava de dizer que para ele esta ideia de ser Cardeal apanha-o completamente de surpresa. Na entrevista que deu no próprio dia, vi claramente que estava profundamente abalado e não é só pela surpresa, é pela responsabilidade que traz consigo. Não é apetecível ser cardeal. As pessoas estão a achar que é uma espécie de mordomia, o que não é nada disso. Ele vai ter que ter por preocupação, não apenas com aquilo que ele conhece aqui em Portugal, mas pôr-se à altura do mundo todo. Essa é a tarefa de um cardeal, que é ajudar o Papa a olhar para o mundo tal como é, com as suas necessidades. E isto é um grande despojamento de si mesmo. Acho que as pessoas não estão a ver as coisas do lado certo. Gostei muito de ver esta posição dele, de fragilidade, porque achei saudável ele sentir-se frágil e incapaz, e ao mesmo tempo confiante. Quem dá a carga, dá a graça».
A nomeação de D. Américo Aguiar para cardeal faz com que Portugal passe a ter seis membros do Colégio Cardinalício (antigo Colégio Sagrado), sendo que dois, por terem ultrapassado os 80 anos, não votam no conclave que elege o Papa.