Começamos por números conhecidos esta semana. Portugal tem dois milhões e meio de idosos, o que representa 23% da população. Destes, 400 mil estão em risco de pobreza e o país tem um rácio de 184 idosos por cada 100 jovens. O que é que isto diz do país?
São números que não me surpreendem. Portugal é dos países mais envelhecidos do mundo e da Europa e, portanto, está de acordo com as nossas expectativas e é um dos maiores problemas que Portugal tem pela frente. Somos um país envelhecido e com este envelhecimento temos o primeiro problema: com um país envelhecido não há crescimento económico. Segundo aspeto, não havendo crescimento económico, não havendo economia, a sustentabilidade da segurança social e da saúde, que são essenciais para tratar dos mais velhos, ficam postos em causa. Solução para isto? O que é que tem acontecido desde 2017? Estamos a ter mais gente a entrar em Portugal do que a sair, o que quer dizer que aqueles que vêm para cá trabalhar têm sido fundamentais para a economia e para a segurança social. Por isso é que a Segurança Social ainda não estorou e eu acho que são essenciais para o futuro do país e da Europa.
Mas a imigração que estamos a receber é de baixos rendimentos?
Mas os portugueses, irlandeses, alemães, suecos que imigraram para os Estados Unidos há 100 anos, há 150, também eram os mais pobres; com o tempo, muitos deles vão ficar cá e os filhos deles vão ficar cá. Nós temos de ter portas abertas em relação aos que querem para cá vir. Agora, temos é de criar condições para que os que cá estão e os que vêm para cá possam investir mais, e investir naquilo que lhes interessa e interessa ao país.
Mas uma outra realidade que os números também mostram é a incapacidade que Portugal tem, e continua a ter, de reter os jovens qualificados?
É verdade. O ensino superior melhorou, o ensino português melhorou bastante, há muito mais gente qualificada e muitos deles não ficam cá. Isso tem a ver com algo que propomos num livro que a SEDES publicou, em que dizemos que Portugal deve ter a ambição de duplicar o PIB.
Mas não é esse o caminho que o primeiro-ministro aponta quando coloca como prioridade o aumento dos salários?
Os salários são baixos porque a produtividade não avança com o aumento dos salários. Aumentar os salários tem de estar ligado ao aumento da produtividade, ao aumento da produção das empresas e do PIB.
E é essa estratégia que falta, do seu ponto de vista?
É o que eu acho que tem faltado ao Governo. É que nós somos um país com uma carga fiscal pornográfica. Hoje em dia, com as contas públicas arrumadas, com a diminuição do rácio da dívida em valor absoluto, o rácio da dívida em relação ao PIB, e com um superavit no défice mínimo, não há nenhuma razão para não se baixar a carga fiscal. Foi anunciado que se iria baixar a carga fiscal, espero que seja mesmo baixar a carga fiscal em todos os escalões se queremos cativar para Portugal jovens engenheiros, médicos, esses já têm salários no escalão mais alto. Ser rico em Portugal é ser classe média na média europeia.
No entanto, quando ouvimos o discurso do governo, ficamos com a ideia de que tudo está a correr muito bem do ponto de vista económico, e os dados da economia provam-no?
Eu tenho comparado a atual situação com o que se passou na Segunda Guerra Mundial, quando o Salazar teve a virtuosidade de manter Portugal neutral. Portugal teve vantagens óbvias nessa neutralidade e, depois, a seguir, não aproveitou o balanço para fazer o crescimento industrial. Espero que se aprenda a lição e desta vez se possa aproveitar o balanço.
Indo a coisas mais pragmáticas, porque, para além do diagnóstico da realidade, estamos no fim do primeiro ano de Governo de uma maioria absoluta. Estamos em tempo de fazer o balanço e olhar para o Estado da Nação. Este este primeiro ano deste Governo foi um ano perdido?
Não foi um ano muito simpático, não foi, para ser generoso.
E como é que isso se explica, tendo em conta que com uma maioria absoluta há condições ímpares para governar?
Apesar de tudo, há áreas em que as coisas estão a correr bem e que estão a executar reformas. A equipa do Fernando Araújo (diretor executivo da Saúde) e o ministro Manuel Pizarro estão a tentar fazer reformas que são difíceis, porque as pessoas normalmente opõem se à mudança. Mas acho que são mudanças que vão no bom sentido: articular cuidados hospitalares e primários, administrar em conjunto esses cuidados.
Está a elogiar o que se está a fazer no setor da saúde, mas estamos a fazer esta entrevista no Hospital de Santa Maria, que nos últimos dias está no olho do furacão por causa da incapacidade de prestar serviços?
É verdade, mas no fundo isto são dores de parto, de uma mudança que se está já a fazer e que está, nomeadamente, a aproveitar o sistema privado. Na área da cultura, apesar de o ministro da Cultura ter feito agora declarações infelizes, ele também está no bom sentido a criar empresas públicas na área da Cultura que possam até vir a captar apoios privados. Está a gerir a Cultura, no fundo, com ferramentas do privado, com outra dinâmica, outra ambição. O José Luís Carneiro na Administração Interna também está a fazer trabalho. E a Economia também está a correr bem.
Então o que é que está a correr mal?
Para mim, o pior, para além dos casos que houve, é a habitação, acho que a política de habitação do Governo é um desastre…
Mesmo com as alterações que foram introduzidas na legislação final?
Agora, melhorou um pouco, mas eu acho que não gera valor. Eu acho que em equipa que ganha não se mexe. Onde é que eu quero chegar, eu acho que o alojamento local corre bem e é importante. Acho que os vistos gold foram importantes. Pode-se melhorar? Pode, mas não acabar com aquilo. Qual é o problema da habitação? São os jovens que não conseguem casa nos centros de Lisboa e do Porto. Mas isto é por causa do sucesso da atração de Portugal. Como é que se resolve isto? Não é proibindo. O congelamento das rendas é um disparate. É uma medida que tem cem anos, foi isto que pôs os centros do Porto e de Lisboa completamente degradados. Vai contra a economia de mercado. É estúpido.
Então, o que acha que devia ser feito?
Falta investimento público. Habitação. Mas quem é que deve fazer esta política? O Governo orienta, mas precisa das Câmaras Municipais. Deviam as Câmaras ter mais habitação. Agora, diz, mas isso demora a resolver. Ah, pois é, mas é que estar a dizer que se resolve de um dia para o outro com o decreto de congelar isso é que é populismo. Isso é dizer às pessoas que vão fazer o impossível, porque não o vão resolver. E depois temos aqui dois setores que eu acho que não estão a correr bem e que precisam de uma grande volta e que são estruturais, que são a Justiça e a Defesa.
Qual é o seu diagnóstico sobre o que se soube agora com o secretário de Estado da Defesa?
É um problema grave que mexe com muitos interesses. Quando foram as invasões napoleónicas, o Duque de Wellington, que reorganizou o exército português na altura, nos seus escritos, o que ele mais criticou no exército português foi o problema da manutenção militar e dos negócios de corrupção nas Forças Armadas. Mas o nosso maior problema é a Justiça. A Justiça precisa de reformas no sentido de melhorar a velocidade. É preciso simplificar muito o sistema, mas também precisamos de mais independência.
Por que acha que neste momento há uma politização da Justiça?
Acho que às vezes há tentativas da parte dos políticos, é verdade, e às vezes também ao contrário.
E as Infraestruturas, o setor de que mais se falou neste ano político?
Nas Infraestruturas, para além do picante das polémicas do momento, está tudo por fazer. Nós somos uma ilha na Península Ibérica e na Europa em termos ferroviários, na alta velocidade, nomeadamente. Temos de começar a ter ligações de TGV, eu não sei qual é a primeira, mas tem de se começar a fazer. Nós estamos a pensar fazer em Lisboa o maior aeroporto da Península Ibérica, um dos maiores da Europa. Isto faz sentido? Mas vamos lá a ver, daqui a uns anos já estão a fazer isso, vão proibir voos para distâncias menores que 600 quilómetros. Tem de se pensar isto no seu todo, temos uma comissão para decidir o aeroporto, eu gostaria mais de uma comissão que pensasse no todo.
E acha que não está?
Não sei, espero que esteja, mas tenho dúvidas. Ainda agora, nas Jornadas Mundiais da Juventude, temos um problema. Como não temos ligações ferroviárias para Espanha, vêm todos de camionetas, os que não podem vir de avião, que é uma coisa de doidos.
Isso leva-nos a um outro tema, a taxa de execução do PRR, porque também o plano ferroviário deverá ser abrangido por esses fundos. O que acha do facto de, até agora, só terem sido executados 12% desses fundos, quando estamos já a meio do tempo para os executar?
Eu não posso acreditar que não se aproveite o dinheiro do PRR, acredito que estão a fazer um esforço e o dinheiro tem de ser utilizado. E agora não vale a pena discutir se é bem ou mal. Agora é preciso usá-lo.
Mas acha que este Governo tem estratégia? Tem um fio condutor, que ao fim deste ano nós possamos perceber qual é o caminho que está a ser traçado? Deixando de lado a questão económica, em que, apesar de tudo, os objetivos são claros.
Acho que falta planeamento e ambição a longo prazo. Acho que tem a estratégia para a transição digital e para a transição energética, mas, quanto a mim, acho que tem pouca ambição. Há uma tremenda falta ambição na transição energética. Por exemplo, na questão da água, é preciso acelerar o passo, Portugal vai ter de ter de ir buscar água ao mar. Espanha tem dezenas de centrais de dessalinização. Como é que nós vamos aproveitar melhor a água que temos? Como é que vamos arranjar mais água, seja do mar ou dos rios? Como também não percebo como é que Portugal está tão atrasado na questão do solar. Só se pensa em fazer grandes centrais solares e porque não em cada casa portuguesa, em cada empresa? Com o sol que nós temos. Eu compreendo que se cada português se transforma em produtor de eletricidade as companhias elétricas vão ter aqui um problema, porque passamos todos a ser produtores e a conta da luz baixa. Mas essa é que é uma mudança estrutural, nomeadamente, para os mais pobres das grandes cidades.