Espanha: Incógnitas e cenários

Com cerca de 20% dos eleitores ainda indecisos, Feijóo fala num ‘objetivo difícil, mas não impossível’. Mas fragmentação do sistema partidário espanhol torna um regresso às maiorias absolutas muito improvável.

por Teresa Nogueira Pinto

Na segunda-feira, último dia em que era permitido publicar sondagens, os resultados antecipavam a vitória quase certa do Partido Popular, mas precisando do apoio parlamentar do Vox para governar. Com uma exceção: repetindo uma tendência já observada nas eleições autonómicas, as sondagens do Centro de Investigaciones Sociologicas, instituto dependente do Ministério da Presidência, indicavam uma vitória do PSOE.

Na quarta-feira, Alberto Núñez Feijóo foi o grande ausente de um debate que juntou Santiago Abascal, Yolanda Díaz e Pedro Sánchez. O presidente e a vice-presidente do Governo fizeram uma frente unida contra o líder do VOX, com Díaz mais vocal, e Sánchez mais sereno do que no frente a frente com Feijóo. Abascal representou, em exclusivo, a oposição à esquerda, e é possível que isso o tenha beneficiado junto do eleitorado de direita.

A campanha em Espanha também mostra como a União Europeia se vai fazendo presente na política interna, com dirigentes socialistas a afirmarem que Bruxelas não veria com bons olhos uma vitória à direita, e a atribuir a Ursula von der Leyen críticas a Feijóo, obrigando a Comissão Europeia a desmentir «categoricamente» os factos relatados num artigo publicado no El País.

Mas, com cerca de 20 por cento de eleitores indecisos (a maioria à esquerda), todos os cenários estão em aberto, embora uns sejam mais prováveis do que outros. E, independentemente do vencedor, há outras questões importantes: conseguirá o PP sozinho ter mais votos do que a esquerda, ou prevalecerá a lógica de blocos? O disputado lugar será para a esquerda ou para a direita? Que peso terão os partidos independentistas? Somam-se a estas questões os desafios processuais de umas eleições em que mais de 2.6 milhões de eleitores votam por correio.

 

‘Ânimo muito em baixo’

Em declarações ao El Mundo, fonte do partido socialista confessava que a situação é difícil: «O partido está cansado e com o ânimo em baixo, muito em baixo». Mas Pedro Sánchez não baixa os braços. Em Barcelona, o ainda primeiro-ministro lembrou a sua estratégia: «Procurar votos até debaixo das pedras» para conseguir aprovar políticas (ou viabilizar governos).

A campanha e as sondagens sugerem que o PSOE pode ser penalizado nas urnas pelo Rubicão que Sánchez cruzou para chegar ao poder. Somando à perda de rendimento das famílias, os indultos, o fim do crime de sedição e as leis mais ideológicas do ministério de Irene Montero podem ter alienado eleitores do centro-esquerda. E tudo indica que, vencendo, o preço para Sánchez permanecer na Moncloa será agora mais alto: a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e o Bildu já anunciaram que, caso voltem a ser necessários, as suas exigências aumentarão.

Sánchez apostou na ameaça de um pacto entre o PP e Vox, num momento em que estes dois partidos negociavam acordos de governo em algumas regiões. Mas é possível que a rejeição do sanchismo mobilize mais do que o medo de uma possível chegada da direita radical à Moncloa.

Nas últimas semanas, Pedro Sánchez mudou a estratégia e intensificou a campanha de rua e mediática, falando sobretudo para o eleitorado feminino e mais jovem. No início da semana, o presidente do Governo espanhol faltou ao jantar de gala da cimeira União Europeia-América Latina / Caribe para participar num ato de campanha em Huesca. A campanha socialista também ajustou o alvo, centrando-se menos nos perigos do VOX e mais no ataque direto ao PP, com Sánchez a acusar Feijóo de «obstruir» a sua legislatura, e de «não ter parado de mentir» durante toda a campanha.

 

‘Objetivo difícil, mas não impossível’

No quartel-general do PP vive-se um entusiasmo contido, refletindo os resultados das sondagens e a vitória de Feijóo no cara a cara com o candidato socialista. A vantagem deu a Feijóo segurança para voltar a oferecer um pacto de regime a Sánchez, que recupera a lógica do histórico socialista Filipe González: o partido menos votado compromete-se a viabilizar a tomada de posse do mais votado, evitando «pactos com os extremos».

Embora haja hoje vários partidos dentro do Partido Popular, a mensagem da campanha tem sido clara e vai ao encontro da orientação de Feijóo: «estabilidade na centralidade». Num equilíbrio difícil entre captar votos socialistas sem com isso arriscar perder mais votos para o VOX, o PP concentra-se em lembrar ao eleitorado que ainda é a única hipótese para a mudança. Apostados na moderação, os populares focam-se mais no centro e nos socialistas desencantados, do que em ser casa-mãe das direitas. Feijóo apelou aos progressistas para que votem no PP, e lembrou aos eleitores do VOX: «Talvez não sejamos o teu partido, mas somos com certeza a tua solução».

Recuperando um lema da transição para a democracia – «cambio sin ira» – Feijóo propôs, na reta final da campanha, cinco pactos aos espanhóis, versando de forma algo vaga sobre cinco eixos: institucional, bem-estar, saneamento económico, famílias e territorial.

O candidato popular pede «uma maioria ampla, que permita avançar sem restrições, superar definitivamente os bloqueios e governar a partir da moderação e estabilidade». A maioria absoluta, que exige conseguir 176 deputados (cerca de mais 20 daqueles que as sondagens atribuem ao PP), é, para Feijóo, um «objetivo difícil, mas não impossível». Mas a fragmentação do sistema partidário espanhol torna um regresso às maiorias absolutas muito improvável, mesmo para o homem que conseguiu quatro maiorias absolutas na Galiza.

Os populares tentam repetir o feito de 2022 na Andaluzia quando, combinando o desgaste do socialismo com o apelo ao voto útil, alcançaram uma maioria absoluta. Como na Andaluzia, esperam conseguir captar o voto útil dos socialistas que, resignados com a vitória do PP e numa lógica de ‘mal menor’, votem para garantir que os populares governam sozinhos.

A seu favor, o PP é o favorito em grandes regiões eleitorais como Madrid, Andaluzia, Castela e Leão ou Galiza, estando bem posicionado para beneficiar de um sistema eleitoral com que castiga partidos mais pequenos.

 

‘Se se mobilizarem, ganharemos as eleições’

À esquerda, o Sumar herdou e deu novo rosto à agenda do UnidasPodemos, que luta agora para não ser definitivamente absorvido pela coligação liderada por Yolanda Díaz, uma das figuras mais populares da política espanhola atual.

A vice-presidente do Governo espanhol conseguiu federar as forças progressistas e manter a mobilização do eleitorado, focando-se no «bem-estar social», mas também no propósito de «não deixar Espanha recuar 50 anos». A campanha foi marcada por promessas como a redução da jornada de trabalho para 32 horas, dois milhões de casas para habitação social, ou uma «herança universal», na forma de um cheque de 20.000 euros para todos os jovens que cumpram 18 anos. E, na reta final, um apelo à esquerda: «Se se mobilizarem, ganhamos as eleições».

Mas nos avanços de Díaz na corrida contra o tempo que começou no dia 29 de maio, também houve recuos. Menos de 24 horas depois de ter divulgado uma versão do programa eleitoral que incluía uma proposta para «sancionar e expulsar da carreira» os jornalistas que «manipulem» informação, a coligação retirou essa versão do programa, afirmando ter-se tratado de um erro.

 

‘Chegou a hora dos patriotas’

À direita, o VOX perde em relação a 2019, quando cresceu alavancado, também, por um PP que acabava de ser derrotado por uma moção de censura e passar por um processo de mudança de liderança divisivo. Ainda assim, o VOX mantem a esperança de ser a chave para o PP formar governo.

Embalado pelo crescimento da direita conservadora europeia, o VOX, sob o slogan «decide lo que importa» aposta em atacar a esquerda, sem deixar de sublinhar o muito que o separa do PP. Se ambos comungam do objetivo de derrotar o sanchismo e convergem em temas importantes como a reforma fiscal, ideologicamente é mais o que os separa do que aquilo que os une.

Nascido de uma questão de fundo, a questão independentista, o VOX distingue-se do PP em matéria de forma, mas também de substância. A estratégia continua a ser de rutura: «que vote em ti Txapote, que vote em ti Mohamed, que votem em ti os burocratas de Bruxelas, porque os Espanhóis já não podem votar em ti», dirigia-se Abascal a Sánchez a partir de um comício em León. Programaticamente, o Partido destaca-se pelo compromisso em derrotar não apenas o sanchismo, mas os seus frutos políticos: a lei «sí es sí», a lei da memória histórica, a lei do bem-estar animal, a reforma laboral, a política migratória, e as políticas de educação e linguística.

E para a direita europeia que cresce o resultado do VOX é importante. Giorgia Meloni participou na campanha de Abascal, desejando que no dia 23 de julho se «estabeleça uma alternativa patriótica e conservadora, na qual o VOX seja protagonista e decisivo para a formação do novo governo nacional». Os resultados das eleições espanholas também terão impacto numa Europa onde, segundo Meloni, «chegou a hora dos patriotas».

 

Incógnitas

Algumas questões serão respondidas no domingo, mas é provável que outras só tenham resposta nos dias que se seguirão.

A primeira é se o PP chegará ao resultado confortável de 160 deputados. Caso chegue, não dependerá do apoio do VOX para a investidura, bastando garantir a sua abstenção. Caso não chegue, mesmo sendo vencedor, o PP precisará do apoio do VOX, que estará numa posição de vantagem negocial. Na sua estratégia pós-eleitoral, os populares terão em conta que o próximo ano será difícil, e provavelmente marcado por um aumento da contestação social.

A segunda prende-se com a antecipada derrota do PSOE. Caso seja pesada, irá Pedro Sánchez demitir-se? Como seria o processo de sucessão no PSOE, na ausência de candidato claro e depois de uma liderança de ruturas e personalização do poder? E que consequências teria um PSOE fragilizado na reconfiguração da esquerda espanhola?

Outra questão importante é a disputa pelo terceiro lugar. Confirmando-se a lógica de blocos como alternativa à bipartidária, esta disputa mais ideológica suscitará leituras em Espanha e na Europa.

Finalmente, é preciso considerar a possibilidade de um bloqueio, caso nem Feijóo nem Sánchez consigam garantir uma maioria parlamentar de apoio. O segundo, improvável, mas possível, é o da impugnação, caso haja muitos eleitores impedidos de votar mesmo tendo solicitado o voto por correio.

Por agora a certeza que temos, como diz a sabedoria popular, é que até ao lavar dos cestos é vindima.