Mais de 19 mil quilómetros e 42 anos separam o primeiro jogo da seleção feminina realizado em França, em 1981, do primeiro jogo da fase final do Campeonato do Mundo, na Nova Zelândia, em 2023. A equipa que entrou em campo para defrontar os Países Baixos fica na história no futebol português. Isso só foi possível graças ao trabalho incansável, dedicação e compromisso de todas as jogadoras. É bom lembrar que algumas atletas começaram a jogar em campos pelados espalhados pelo país e agora defendem as cores nacionais na mais importante competição de seleções.
Foi uma estreia marcante, tal como foi o momento em que as Navegadoras cantaram o hino nacional de forma arrebatadora e apaixonada no outro lado do mundo. Os sorrisos e as lágrimas de felicidade não ganham jogos, mas mostram bem o sentimento que existe na seleção nacional. Só por isso valeu a pena ir ao Mundial.
Portugal mostrou demasiado respeito perante as vice-campeãs do mundo e “ofereceu” a primeira parte às neerlandesas. A seleção esteve mais preocupada em não sofrer golos do que em marcar. Correu mal, pois aos 13 minutos surgiu o golo que decidiu o jogo – é o mais rápido do Mundial. O lance pôs em evidência uma inovação na arbitragem que é a divulgação pública das decisões tomadas com recurso ao vídeo-árbitro (VAR). Num primeiro momento, o golo foi anulado por fora de jogo, mas depois de ver as imagens a árbitra decidiu validar o golo e explicou a decisão de viva-voz: “A jogadora número 6 [Jill Roord] estava em fora de jogo, mas não interferiu na ação da guarda-redes, por isso é golo”. Assim, tudo fica mais fácil de entender.
Reação portuguesa Portugal mudou de atitude na segunda parte e fez um futebol mais elaborado, procurou o golo e teve duas oportunidades para empatar. Durante muito tempo as vice-campeãs europeias desapareceram do jogo, a situação foi ainda mais comprometedora nos últimos minutos quando começaram a queimar tempo, com faltas e mais faltinhas, e a deixarem-se cair no relvado, numa altura em Portugal era superior. Essa foi a parte positiva de um jogo que mostra a qualidade e o caráter das jogadoras portuguesas perante uma equipa que já disputou grandes finais. A atual vice-campeã do mundo venceu seis dos sete últimos jogos realizados em contexto de campeonato do mundo, a única derrota foi na final frente ao Estados Unidos (2-0), e todas as jogadoras têm grande experiência internacional, uma vez que jogam nas melhores ligas europeias e na Liga dos Campeões.
A derrota pela diferença mínima não agradou a ninguém, mas há um aspeto que mostra a evolução. “Há uns anos, as jogadoras estariam aliviadas por perder por um golo, agora ficam frustradas quando não pontuam frente às melhores do mundo”, lembrou Francisco Neto. No final da partida, o selecionador afirmou: “Saio com uma sensação de grande orgulho por elas e pela forma como disputaram o jogo contra uma das melhores equipas. Na primeira parte, tivemos dificuldades em ter a bola, esse foi o principal aspeto em que não estivemos bem. Numa situação de bola parada acabámos por sofrer o golo. Temos de crescer e perceber onde não estivemos tão bem”, admitiu o selecionador. Foi a nona vez que Portugal e a Holanda/Países Baixos se defrontaram, com uma vantagem clara para o adversário: sete vitórias, um empate e uma derrota. A única vitória portuguesa (2-1) foi há 20 anos, na fase de qualificação para o Mundial 2003.
Portugal volta a jogar na quinta-feira (8h30, RTP 1) frente ao Vietname, que foi facilmente derrotado pelos Estados Unidos (3-0). Por aquilo que se viu frente nesse jogo, a seleção vietnamita é muito defensiva, o que vai obrigar Portugal a jogar mais à frente e criar oportunidades de golo para manter em aberto a possibilidade de chegar aos oitavos de final, sendo que o terceiro jogo é frente às atuais campeãs do mundo. São dois jogos onde a equipa portuguesa tem de acreditar e libertar-se de amarras.
O selecionador mantém a confiança ao afirmar que está tudo em aberto “este resultado não compromete a passagem. Entrar a pontuar seria sempre melhor, mas temos mais dois jogos e acredito que se formos competitivos vamos chegar ao último dia a depender só de nós”. Sobre o próximo adversário, afirmou: “O Vietname coloca-nos problemas diferentes a atacar e a defender, vamos jogar para ganhar, mas não será um jogo fácil”.
Jéssica Silva fez a “cabeça em água” às adversárias com a sua velocidade, no final reconheceu que “entrámos um pouco ansiosas por ser o primeiro jogo do campeonato do mundo. Na segunda parte mostrámos a qualidade do nosso futebol, pusemos os Países Baixos a jogar no seu meio-campo e podíamos ter feito um golo”, disse a avançada, que sublinhou “sabemos que temos de crescer, de melhorar e de corrigir algumas coisas, mas a nossa atitude enche-nos de orgulho e ambição para o que aí vem. É muito difícil descrever o que senti, foi uma mistura muito grande de emoções. Cantar o hino num campeonato do mundo, agarrada às minhas colegas, foi transportar o país na nossa voz”.