“Adoro gente nova e sempre gostei de ajudar. Toda a minha vida fui voluntária em imensas coisas e achei que, para nós, isto é tão bonito e bom… Que pensei ‘Tenho de auxiliar de alguma forma’. Sou muito velha para ser voluntária, mas com estas raparigas espanholas que vêm posso integrar-me. Sou bem-disposta e alegre! No fim disto tudo, posso até fazer almoçaradas e jantaradas”, começa por dizer Teresa de Melo Breyner, de 89 anos, residente em São João do Estoril, na linha de Cascais. “Vou levá-las aos sítios onde precisarem de ir, aqui no Estoril, e vamos divertir-nos certamente! Vou ver se são católicas ou não, podemos rezar juntas se quiserem, tenho espaço para recebê-las… É algo único, uma coisa que não tornarei a ver enquanto viver”.
“As pessoas que criticam a JMJ, infelizmente, não têm fé e têm raiva a quem gosta disto. Há raiva, inveja e as pessoas não são felizes. Nunca foram novas?”, questiona. “Tenho um coração para dar a todos e estou muito entusiasmada. Nas redes sociais tem sido uma coisa horrível e isso é inconcebível. Um Papa com a idade que tem prestar-se a uma coisa destas para o nosso país… é uma honra extraordinária. Mas hoje em dia só pensam nos gastos. Não se lembram é no dinheiro que foi gasto nos estádios de futebol. Estamos a fazer um palco lindíssimo que vai dar para eventos tanto de gente nova como de gente velha. É inveja, maldade e falta de preparação para a vida”, explica, lembrando a polémica relativa ao artista Bordalo II. “Uma pessoa portuguesa e patriota não age como estas pessoas descontentes que não sabem o que hão de fazer. Felizmente, parece-me que está tudo bem preparado”.
“Desde miúda muito pequena sou uma pessoa de fé. Sempre fui uma curiosa, fui da GIC, rezo o terço todos os dias, vou à missa. Amanhã faço anos e a minha primeira ideia qual é? Ir à missa. Agradecer o que sou, o que tenho, todas as coisas boas da minha vida. Sou felicíssima. Tenho os meus filhos, netos e bisnetos todos com saúde. O que é que eu quero mais? Tudo me corre bem por ser uma mulher de fé. Já tive coisas muito grandes na minha vida e estaria de cabeça para baixo se não fosse a fé”, conclui, indo ao encontro da perspetiva de Carolina Berlim, de 26 anos, que se autodescreve como “católica de berço”.
“Numa parte da adolescência afastei-me um bocadinho da Igreja mas, neste momento, sou praticante, faço parte do grupo de jovens da minha paróquia, dou catequese… Estou bastante envolvida. Estamos a ver as coisas a materializarem-se e isto é o resultado de muita ânsia. Para além de ser voluntária, peregrina e família de acolhimento – vou acolher quatro raparigas espanholas que, em princípio, chegarão segunda-feira ao final da tarde –, e de ter estado na JMJ de Cracóvia (2016), faço parte de um musical que é parte do programa do Festival da Juventude: sobre a vida de um dos patronos, o D. Bosco, que é o fundador dos Salesianos. Espero participar em mais iniciativas deste género para aprender mais e aprofundar a minha fé, conhecendo também pessoas novas”, avança. Sobre as vozes críticas que se levantam, comenta: “Não temos de achar alguma coisa da opinião de alguém, pois todos temos o direito de expressar aquilo que sentimos. Ainda há dias o artista Bordalo II estendeu o tapete das notas de 500 euros em forma de protesto. Tudo bem. No entanto, muitas dessas opiniões têm como base a desinformação. Muitas das decisões são tomadas pelo Governo e não pela Igreja Católica, mas as pessoas não compreendem isso. Isto será ótimo para o nosso país. Terá um grande retorno financeiro e colocar-nos-á ainda mais no mapa do turismo. Apelo a que as pessoas tentem informar-se mais”.
Indignação com os ajustes diretos
A poucos dias do início da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), a atenção voltou-se para o artista plástico português Bordalo II, que fez uma crítica aos milhões de euros gastos na organização do evento com a sua obra intitulada “Walk of Shame” (Passadeira da Vergonha). O artista deixou claro que a sua obra não é um ataque direto à “multinacional do Vaticano” nem à liberdade religiosa, mas sim uma crítica aos investimentos do governo, questionando o retorno desses investimentos, afirmando que o dinheiro deveria ser direcionado para melhorar a qualidade de vida das pessoas a médio prazo, como na saúde, educação e habitação. Bordalo II destacou que muitas pessoas se sentem injustiçadas e que ele, como artista, tem a sorte de ter visibilidade e meios para expressar a sua opinião, sendo que criticou o Estado português por ser um dos “patrocinadores oficiais” do evento, com gastos elevados desde o início, e expressou a sua indignação com os ajustes diretos de última hora que ocorreram devido à alegada má gestão do planeamento. O artista explicou que a “Walk of Shame” é autor de uma série de trabalhos que abordam temas sensíveis, como machismo, racismo e xenofobia, com o objetivo de criticar e destacar pontos relevantes.
Questionado sobre o medo de afetar a sua carreira e vida após o protesto, Bordalo II afirmou que essas preocupações sempre existem, mas confessou que tem mais receio de ficar calado e não expressar as suas opiniões, na medida em que acredita que é importante falar sobre questões relevantes para ser parte da mudança. Sobre a instalação da obra no altar-palco do Parque Tejo, o artista explicou que o processo foi surpreendentemente fácil. O artista e os colegas simplesmente colocaram coletes refletores e avançaram, ninguém impediu a sua ação, permitindo que a instalação acontecesse sem problemas. Na sexta-feira, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, respondeu ao artista plástico Bordalo II através de um vídeo publicado nas redes sociais. No vídeo, Moedas coloca um tapete junto ao altar-palco do Parque Tejo, em Lisboa, como forma de resposta à instalação anterior de Bordalo II intitulada “Walk of Shame”. Moedas afirmou que agora o tapete está posto e que todos são bem-vindos ali. Bordalo II respondeu à publicação de Moedas com um comentário humorístico, dizendo que o “tapete real” já havia estado lá no dia anterior, referindo-se à sua própria instalação que foi colocada no mesmo local.
“Para mim é muito inspirador”
“Pertenço à paróquia do Afonsoeiro, no Montijo. O meu filho é escuteiro e, por isso, a minha dinâmica passa por acompanhá-lo em todo o seu percurso católico. Eu sou apenas batizada e não fiz os outros sacramentos, mas dentro desta comunidade estive sempre a ajudá-los em tudo aquilo que é necessário. Com este convite do Papa a vir cá é óbvio que tínhamos de participar! Não só por ter a ver com a religião católica, mas também por unir jovens de todo o mundo. Não se pode dizer que vamos ver o Papa: a maioria das pessoas não conseguirá vê-lo de perto. No entanto, é muito aberto, tem tentado trazer novas ideias para o seio da Igreja e se os jovens respondem desta maneira… Para mim é muito inspirador”, começa por partilhar Adalvina Pinto. “Decidi receber seis peregrinos porque tenho espaço para isso e os meus filhos é que tratarão de tudo! Faço parte do comité organizacional da minha paróquia e, portanto, os meus filhos ficarão a cargo dos ‘nossos’ peregrinos”.
“Relativamente às pessoas que criticam a JMJ, acho que criticamos por tudo e por nada e quando se quer fazer algo, ninguém faz nada. Entendo que as pessoas achem que se conseguiria um palco mais barato, mas foi uma decisão do Estado. Não foi sequer da Igreja. Pelo meio, tivemos a pandemia: não nos podemos esquecer disso. O Estado é laico, mas pode apoiar eventos”, afirma, sendo que, durante os últimos meses, existiram vários episódios relacionados com o preço do altar-palco.
No final de janeiro, o bispo Américo Aguiar, o presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023 disse que o valor do altar-palco, que superava então os quatro milhões de euros, no qual o Papa vai celebrar a missa final, “magoa todos”. “Confesso também que o número me magoou, e magoou-nos a todos”, afirmou o responsável, em conferência de imprensa, em Lisboa, dando conta do contexto das “dificuldades” económicas “das famílias”, acrescentando ainda que, nos dias seguintes, a organização da JMJ reunir-se-ia com as equipas responsáveis pelo projeto para aferir “qual a razão desse valor”, frisando: “Parcelas que puderem ser eliminadas, pediremos para serem eliminadas”.
Naquela altura, a obra de construção do altar-palco onde o Papa Francisco vai celebrar a missa final custaria 4,2 milhões de euros à Câmara de Lisboa, numa empreitada atribuída por ajuste direto, gerando polémica num momento difícil para as famílias portuguesas. Segundo a informação disponibilizada no Portal Base da Contratação pública, “a construção foi adjudicada por 4,24 milhões de euros (mais IVA)”, somando-se a esse valor “1,06 milhões de euros para as fundações indiretas da cobertura”. Contudo, volvido menos de um mês, Carlos Moedas apresentava o orçamento do altar-palco da Jornada Mundial da Juventude. Em conferência de imprensa, o autarca sublinhou a “descida substancial da altura do palco” no Parque Tejo que passaria de nove para quatro metros e que, afinal, teria um custo de 2,9 milhões de euros.
“O valor que apresentámos, que era de 4,2 milhões de euros, passa para 2,9 milhões de euros”, revelou Moedas. “Uma substancial redução do preço em 30%”, destacou. No entanto, Moedas lembrou que a alteração do palco “terá um impacto na visibilidade daquele que é a Sua Santidade, o Papa”. Relativamente ao Parque Eduardo VII, o presidente da Câmara de Lisboa revelou que o palco será pago pela Igreja e terá um custo 450 mil euros. “A Jornada Mundial da Juventude, a sua organização local e Américo Aguiar [bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ] decidiram financiar este palco no Parque Eduardo VII”, afirmou.
O autarca diz que se trata de uma “redução de custos de 1,7 milhões de euros”. E deixou uma garantia: “Eu estou aqui para assumir pessoalmente todos estes custos porque são justificáveis e trarão retorno à cidade que vai muito para além do retorno financeiro”. Moedas disse ainda que o investimento da autarquia será 35 milhões de euros, mas que “muito desse investimento ficará para a cidade”. “Ou seja, até 25 milhões de euros ficarão na nossa cidade. Portanto, o que nós estamos aqui a falar é de um investimento líquido de 10 milhões de euros”, referiu.
“O Martim Moniz já esteve fechado durante o Ano Novo Chinês e quando o Benfica foi campeão as ruas quase todas estiveram interditas. Acolhemos a Web Summit e o Europeu, por exemplo. Aí ninguém reclamou. Se não reclamámos aí, reclamamos agora porquê? Temos de acolher e tentar viver ao máximo aquilo que o Estado nos dá. Quanto ao Bordalo II, achei aquela ‘liberdade de expressão’ uma palhaçada. Aquilo não é um palco qualquer, é de um evento religioso. É uma falta de respeito por quem tem fé e pela comunidade portuguesa porque o nosso país está a ser visto pelo mundo inteiro. As pessoas gostam de aparecer e com estas coisas ainda aparecem mais!”, exclama Adalvina Pinto.
Maria do Carmo André, de 55 anos, também diz não entender “a piada” do tapete de notas de 500 euros. “Eu sou católica, mas não posso dizer que sou uma católica praticante. Fiz parte durante alguns anos do agrupamento de escuteiros e os meus filhos também. Acolhi duas peregrinas da Noruega e uma da República Dominicana. A nível familiar, foi engraçado porque é um encontro de culturas. Normalmente, no Natal, recebo alunos que estão em Erasmus e não podem ir a casa por algum motivo”, explica. “Esta foi mais uma experiência. Tinham atividades diárias e só estivemos com elas no domingo durante o dia inteiro. Preparávamos as refeições, íamos levá-las onde era preciso e éramos ‘a mãe e o pai’ delas enquanto estiveram aqui. Tentam absorver tudo: a língua, os costumes… Vêm com um espírito muito aberto”.
“Tanto nós como elas ficámos com pena de não terem sido mais dias. A menina das Caraíbas, por exemplo, disse-me que ia para Lisboa mas perguntou-me se poderia ligar-me. Notamos que têm a necessidade de recorrer a alguém cá dado que a família deles está tão longe. Quanto a quem critica… Temos muito o hábito de criticar por se fazer e não se fazer, mas no final da história acolhemos, esperamos que corra tudo bem e… Espero, sinceramente, que as pessoas respeitem as ideias e opiniões dos outros, pelo menos. Também criticámos muito a EXPO98, por exemplo, e acabámos por ficar com um espaço aprazível e várias valências. Relativamente ao tapete de notas de 500 euros do Bordalo II… É uma piada que não tem piada. Vale o que vale. Não entendo”.
“Ainda estamos a recuperar de tudo isto”
“Acolhemos 26 peregrinos”, começam por dizer Madalena e Nuno Morais de Almeida. “Irlanda, EUA, França, Equador, uma freira da argentina – que fez 33 anos aqui em casa –, Polónia, Coreia do Sul, Portugal, Ilhas Maurícias – e quatro padres (um americano, um do Equador, um da Coreia do Sul e um polaco) do MAGIS”, referem. “MAGIS é um advérbio em latim que significa ‘mais; maior’. Foi um termo usado inúmeras vezes por Santo Inácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus, para se referir a uma profunda ligação pessoal com o Deus sempre maior”, lê-se no site oficial magis2023.org. “Por isso mesmo, tornou-se um elemento-chave para a Companhia de Jesus e para todos os que vivem a sua fé segundo a espiritualidade inaciana, enchendo-se de sentido para descrever o modo de vida de quem vive e serve em tudo para a maior glória de Deus. Assim, o ‘+’ visível na imagem do MAGIS 2023 remete não só para o significado da palavra, como também para a Cruz, o símbolo maior da entrega e do amor de Deus por cada pessoa”.
“Moramos em Nisa e eles já foram para Lisboa, todos eles queridos, contentes, espirituais, muito presentes e interessados em saber coisas sobre nós e a nossa família. Estiveram cá antes do início da JMJ. Cada vez que há as jornadas, eles reúnem-se e o país organiza experiências com base na natureza, no serviço e na fé. Temos uma tradição muito forte em Olaria. Andaram desde janeiro a pedir apoio e ninguém os ajudava, até que chegaram a uma senhora da Câmara Municipal que lhes deu a mão”, conta o casal.
“Tínhamos missa diária em casa, palavras do dia como gratidão e amizade – e respetivas reflexões – e no último dia fizeram as próprias hóstias. Nós e as miúdas ainda estamos a ‘recuperar’ de tudo isto. Oferecemos-lhes a nossa casa, a Santa Casa da Misericórdia deu-nos as refeições, a Maria do Carmo Vieira Louro fez a ponte entre nós e os artesãos e nós tratámos do alojamento”, declara a mulher, que dá catequese e está envolvida com a comunidade e o companheiro.
“Fui ao Restelo ver o Papa João Paulo II, no Restelo, há muitos anos. Foi o mais próximo que estive de uma jornada”, diz Madalena. “Nunca mais viveremos uma coisa como esta e não nos esqueceremos de tudo. Parece que fomos escolhidos por Deus para fazer isto. Foi uma graça que Ele nos deu”, continuam ambos. “Voltaríamos a repetir a experiência. Hoje se fosse preciso. Faríamos tudo igual. Estavam sempre a agradecer-nos e nós explicámos-lhes que nos davam muito mais: nem imaginam aquilo que nos deram”.