por Gonçalo Nabeiro
O Knesset aprovou uma reforma judicial que mergulhou Israel no caos e deixa o país à beira de uma guerra civil. A incerteza e o pessimismo, num contexto histórico e geopolítico desafiante, poderão deixar marcas no futuro e na identidade do país.
A reforma judicial baseia-se em três pontos principais: a atribuição de maior poder ao Knesset na nomeação de juízes, que até então eram escolhidos pelo próprio Supremo Tribunal e pela Ordem dos Advogados israelita; a redução da capacidade do Tribunal de revogar leis passadas na assembleia, principalmente no campo da segurança, e, por fim, a override clause, que dá legitimidade ao parlamento para substituir as Leis Básicas e as decisões do principal tribunal israelita.
Este último ponto só se aplica quando se verificar uma maioria de 61 membros do parlamento. No entanto, dado que o governo detém uma maioria de 64 deputados, terá, na prática, o poder de bloquear ou substituir qualquer medida que seja contra a sua agenda.
Esta reforma é vista, pelos cidadãos em protesto, como uma ameaça aos princípios fundamentais da democracia liberal, que assenta na divisão dos poderes e na harmonia entre organismos governativos.
Constitucionalidade
Uma das primeiras objeções à reforma é a sua alegada inconstitucionalidade. No entanto, o Estado de Israel não possui uma constituição formal, funcionando com base nas Leis Básicas.
Este sistema, considerado semi-constitucional, faz com que a relação entre os órgãos governamentais seja marcada por tensões. E assim ficou principalmente desde os anos 90, quando foi adotada uma nova série de Leis Básicas que permitiam aos cidadãos recorrer ao Supremo Tribunal com vista à revogação de legislação aprovada na Assembleia.
O crescente descontentamento de várias fações do Knesset em relação ao poder do Supremo Tribunal, que veem como excessivo, levou a que Netanyahu, no seu sexto mandato e apoiado pelos partidos ultraortodoxos que sustentam o seu governo de maioria, levasse a cabo a polémica reforma judicial.
Consequências e perspetivas
Perante a maior vaga de protestos na história de Israel, o primeiro-ministro tem procurado uma solução negociada. Está, no entanto, refém de uma extrema direita que não agiliza o processo e que tem contribuído para a mobilização e união de uma oposição normalmente fragmentada.
A atuação da polícia em resposta aos tumultos tem sido também objeto de discussão acusa. Ami Eshed, o ex-comandante da polícia de Tel Aviv, demitiu-se no passado mês de julho, acusando o governo de exercer pressão sobre as autoridades para o uso da força contra os manifestantes.
A reforma, que compromete o sistema de freios e contrapesos sobre o qual assentam as democracias liberais, pode alterar o mapa político numa região em que prevalecem regimes autoritários.
*Texto editado por J.C.S.