A celebração da juventude

A JMJ foi uma enorme comunhão de fé, de contagiante alegria coletiva e de participação jovem como nunca tinha sido visto em Portugal.

Por Dinis de Abreu

A Jornada Mundial de Juventude (JMJ) provou várias coisas: a primeira é que somos mestres na arte do improviso e do ‘desenrascanço’, sobretudo quando há a preciosa ajuda dos contratos por ‘ajuste direto’; a segunda, é que o evento maior da Igreja Católica, uma criação inspirada de João Paulo II, consagrada em 1984, tem uma dinâmica crescente e mobilizadora dos jovens, demonstrando a vitalidade de um credo e a sabedoria de uma instituição multissecular; a terceira, é que o Papa Francisco, apesar da idade avançada e das limitações de mobilidade, conserva uma lucidez, argúcia, empatia e uma capacidade de resistência física invulgares; a quarta, é que foi capaz de assumir, abertamente, a crítica contra as «leis sofisticadas da eutanásia», e o aborto, ao lembrar que «vivemos a cultura do descarte da vida»; e quinto, é que a JMJ foi uma enorme comunhão de fé, de contagiante alegria coletiva e de participação jovem como nunca tinha sido visto em Portugal.

O que se passou nestes dias de festiva JMJ esbateu muitos erros cometidos pela Igreja portuguesa e foi, certamente, um bálsamo e um momento de viragem no plano inclinado em que se encontrava.

É inquestionável o êxito da Jornada, que incomodou fundamentalismos religiosos e políticos – forçando as esquerdas ao silêncio ou a exercícios de acrobacia dialética, perante a realidade das enchentes e das cirúrgicas intervenções de Francisco – o que enfraqueceu qualquer tentativa de contestação da Jornada, incluindo o oportunismo caricato de um ‘artista’, que tem prosperado, à sombra de dinheiro público.

Portanto, a JMJ e a singular personalidade de Francisco, fizeram mais pela revitalização e rejuvenescimento da Igreja Católica portuguesa do que anteriores visitas apostólicas a Fátima, curtas e ritualísticas.

Mas a JMJ, pela sua força agregadora global, projetou, também, Portugal de uma forma poderosa, quer pelas imagens que chegaram a todo o mundo, quer pelo efeito do ‘passa-palavra’ de milhão e meio de jovens peregrinos no regresso a casa e ao seu círculo de família e amigos, partilhando as experiências vividas num destino tradicionalmente hospitaleiro.

Reconheça-se, por isso, o mérito da hierarquia da Igreja, emergindo nesta o cardeal patriarca, D. Manuel Clemente, a quem coube a ideia de trazer a Jornada para Portugal – um ponto alto na sua carreira eclesiástica agora nas despedidas –, sem esquecer o seu sucessor, D. Rui Valério, atual bispo das Forças Armadas, e D. Américo Aguiar que presidiu à fundação da JMJ e foi omnipresente na coordenação dos preparativos.

Reconheça-se, ainda, que, desta vez, se justificou a euforia do Presidente da República, que pecou – e peca – por ser excessiva noutras ocasiões.

Marcelo Rebelo de Sousa é um católico praticante, talvez a expressão mais genuína do seu caráter, a par de um espírito de solidariedade humana que o caracterizavam, antes de ser famoso, ao visitar, como voluntário anónimo, doentes terminais, sem câmaras por perto e com uma entrega e autenticidade que nada têm a ver com a sua vertigem atual, à mistura com populismos imperdoáveis.

Quem marcou pontos foi, também, José Luís Carneiro, o ministro que supervisionou o complexo plano de segurança para que tudo decorresse sem sobressaltos. É um dos poucos ativos não tóxicos com que António Costa conta neste Governo, apesar das dificuldades específicas da pasta da Administração Interna e do pesado fardo de asneiras herdado dos seus antecessores. Sóbrio, discreto, já foi número dois no PS e arrisca-se a sê-lo no Governo.

A Igreja portuguesa conseguiu recuperar, sem dúvida, um certo estado de graça, em contraste com o minguado afluxo à maioria das missas e visível na crise das vocações, desertificando os seminários.

Essa nova fase – apesar da ‘via sacra’ de condenáveis abusos –, poderá atrair gente mais jovem, de alma lavada, empreendedora e capaz de impulsionar a Igreja.

Depois, é significativo que o país conte já com cinco cardeais e um sexto nomeado – D. Américo Aguiar.

Entre os mais conhecidos, além de D. Manuel Clemente, o patriarca que vai resignar, é incontornável a figura D. José Tolentino – um dos cardeais mais destacados no círculo restrito do Papa –, juntamente com D. Américo Aguiar, um especialista em comunicação e media, que preside à Rádio Renascença, e de António Marto, que se distinguiu pelo seu trabalho em Fátima.

Se a JMJ tiver contribuído para aproximar diferentes segmentos da sociedade portuguesa – uma casa comum onde todos caibam, parafraseando Francisco –, e se trouxer um benefício duradouro para o país e para o desenvolvimento da cidade, terá valido a pena o investimento feito – que, Marcelo se apressou a dizer que «está pago» – e que, ironicamente, ‘calhou em sorte’ a Carlos Moedas, um ‘teste de fogo’ do qual se saiu muito bem…