O discurso do Papa Francisco no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, na passada quarta-feira, condenando a nova lei da Eutanásia em Portugal – a lei que despenaliza a morte medicamente assistida foi publicada a 25 de maio em Diário da República e entrou em vigor a 10 de julho – veio dar nova atualidade às declarações do ex-líder do PSD Pedro Passos Coelho, em dezembro de 2022, quando apelou aos partidos contra a despenalização da eutanásia para que se comprometessem de forma transparente a reverter a lei no futuro, quando voltarem a ter maioria no Parlamento. Nessa altura, já Luís Montenegro era o líder do partido. E a pergunta que colocámos ao PSD, na sequência da intervenção do Papa Francisco foi: o PSD admite reverter a lei no Parlamento caso conquiste a maioria?
'Lei para matar'
No seu primeiro discurso em Portugal no âmbito da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o chefe da Igreja considerou que a vida humana está colocada «em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam». «No mundo evoluído de hoje, paradoxalmente, tornou-se prioritário defender a vida humana, posta em risco por derivas utilitaristas que a usam e descartam», afirmou Francisco. «Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cómoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar?», questionou o Papa. «Penso em tantas leis sofisticadas da eutanásia», acrescentou.
A verdade é que o chefe da Igreja Católica já tinha criticado a aprovação da morte medicamente assistida, considerando que o Parlamento português promulgou uma «lei para matar»: «Hoje estou muito triste, porque no país onde apareceu Nossa Senhora foi promulgada uma lei para matar. Mais um passo na grande lista dos países que aprovaram a eutanásia», afirmou o Papa, no Vaticano, no passado dia 13 de maio.
Desejo de reverter a lei
Indo ao encontro do Papa, em dezembro do ano passado, o ex-líder do PSD Pedro Passos Coelho apelava aos partidos contra a despenalização da eutanásia que se comprometessem «de forma transparente» a reverter a lei no futuro, caso venham a ter maioria no parlamento.
Num artigo publicado no jornal Observador – na véspera da votação da lei nessa altura –, o ex-primeiro-ministro social-democrata admitia não compreender que um partido (sem se referir diretamente ao PSD), não tomasse uma posição de fundo sobre o tema. «Mais do que esperar por uma decisão do Tribunal Constitucional», se o Presidente da República suscitasse a questão, Passos Coelho revelava desejar que os partidos que «estão contra esta ‘revolução’ de organização da eutanásia se comprometessem transparentemente em lutar pela sua revogação» caso venham a conquistar uma maioria de deputados no futuro. «Era bom que se soubesse que haverá quem não se conforma nem desiste de, no futuro próximo, pôr em cima da mesa a reversão da decisão que o parlamento se prepara para tomar, como numa democracia madura», lê-se no texto do ex-líder.
Ao Nascer do SOL, Joaquim Miranda Sarmento garante que «a posição do PSD é clara». «Nós entendemos que deveria ter havido um referendo, iremos pedir apreciação da constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional e é apenas isso!», afirma o Presidente do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata. «O PSD dá a liberdade de voto aos seus deputados e, portanto, não tem uma posição oficial a favor ou contra a eutanásia», continuou, já que se trata de «uma questão de consciência individual». Segundo o líder da bancada social-democrata, na discussão que houve no Parlamento, na sessão legislativa, o PSD foi «sempre a favor que houvesse um referendo», garantindo que em Setembro irão pedir a apreciação da constitucionalidade da nova lei.
No texto publicado no Observador, sem se referir novamente ao Partido Social Democrata, Pedro Passos Coelho admitiu não contestar a decisão do partido de dar liberdade de voto nesta matéria aos deputados. Porém, «uma coisa é aceitar a objeção de consciência neste tipo de decisão, outra é afirmar que não se tem uma conceção destas matérias enquanto partido e deixar que sejam os deputados por si mesmos a decidir o que a sua consciência indicar», escreveu.
Recorde-se que o decreto que despenaliza a morte medicamente assistida foi promulgada pelo Presidente da República, no dia 16 de maio, depois de ter sido confirmada pelo Parlamento quatro dias antes, na sequência do veto político de Marcelo Rebelo de Sousa. A confirmação – que obrigou o Presidente a promulgar o diploma – contou com 129 votos a favor, da maioria dos deputados do PS, das bancadas da Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda e dos deputados únicos de PAN e Livre, 81 votos contra, da maioria dos deputados do PSD e as bancadas do Chega e do PCP, e houve um deputado social-democrata que se absteve.
A lei poderá ser sujeita a fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional. No entanto, isso não impede a sua entrada em vigor, já que não tem efeito suspensivo. E pode ser pedida pelo Presidente da República, pelo presidente da Assembleia da República, pelo primeiro-ministro, pelo provedor da Justiça, pelo procurador-geral da República ou por um décimo dos deputados (23 em 230), entre outras entidades.