“O Papa não anda em carros blindados”

Para que tudo corresse bem na JMJ, foi preciso montar uma operação de segurança gigantesca. O superintendente Pedro Moura explica um pouco do que se passou atrás das ‘cortinas’.

Correu melhor do que o esperado e para isso muito terá contribuído a chegada da maioria dos peregrinos no domingo, dia da missa final presidida pelo Papa Francisco. Mas essas são contas que, oficialmente, ninguém quer assumi: fonte policial garante que terão estado entre um milhão e duzentas mil pessoas e um milhão e seiscentas mil.
Mas vamos a números e contas oficiais, com o superintendente Pedro Moura, diretor do departamento de operações da PSP, que destaca as operações invisíveis, que «contribuíram para o sucesso da operação». 
Não foi só de operações invisíveis que se fez o sucesso da segurança na Jornada Mundial da Juventude (JMJ). «Foi assegurado um policiamento de saturação e grande visibilidade policial na cidade de Lisboa, de forma a prevenir a prática de crimes e simultaneamente impactar positivamente no sentimento de segurança subjetiva de todos os que se encontrem na cidade de Lisboa, independentemente dos seus motivos», disse.

Uma das grandes preocupações passava pelo elevado número de carteiristas internacionais, referenciados por polícias internacionais, tendo 89 sido seguidos, acabando oito por ser detidos. Houve abordagens preventivas e 22 suspeitos foram identificados. «Esta terá sido a maior operação policial em que a PSP foi chamada a fazer o maior numero de acompanhamentos de veículos de transportes de pessoas e entidades, para os locais dos eventos», diz Pedro Moura, que não se cansa de elogiar todos os envolvidos, dando até conta «que os alunos dos dois estabelecimentos de ensino da PSP, Escola Prática de Polícia, situada em Torres Novas e do Instituto de Ciências Policiais e Segurança Interna, em Lisboa, foram uma peça chave na visibilidade que deram nos policiamentos aos trajetos de Sua Santidade e com especial relevo, para os cerca de 800 alunos de Torres Novas, que fizeram todos os dias o trajeto de e para Lisboa, em cerca de 20 autocarros acompanhados por batedores da PSP, sem que houvesse incidentes de maior».
Mas o melhor é mesmo dar a palavra ao superintendente Pedro Moura.

Comecemos então pelas operações invisíveis. Dizem-me que as vossas principais preocupações era que não acontecesse nada aos peregrinos. Houve alguma situações caóticas nas gares ferroviárias, nomeadamente em Belém.

Fizemos duas coisas: em termos das movimentações dos peregrinos, tendo em consideração o parque de estacionamento dos autocarros, foram definidos com o Grupo de Projeto do Dr. Sá Fernandes, os fluxos pedonais destes parques até aos locais dos eventos do Parque Eduardo VII e no Parque Tejo. E esses fluxos pedonais foram policiados e havia ordens para, se necessário, fazer o corte total do trânsito. Deixámos fluir as pessoas pelo passeio até dar. Quando começava a haver muitos peregrinos a passarem para a via pública, o trânsito era fechado. Depois, nos transportes públicos, quer na estação do Oriente, como nas estações de Metro, junto aos locais do recinto, no Parque Eduardo VII, quer depois em baixo, em Algés, quer na linha de Cascais, a Divisão de Segurança a Transportes Públicos também foi muito reforçada, porque já sabíamos que ia haver um afluxo enorme de peregrinos nos transportes públicos. Foram aqueles que adquiriram o pacote da JMJ com o transporte incluído – eram à volta de 300 mil. No primeiro dia fomos surpreendidos pelo número muito elevado pois estávamos a pensar fazer um policiamento normal, embora com a experiência dos jogos de futebol, do Benfica ou do Sporting, onde também a parte do Metro é muito solicitada. Mas, depois, no segundo dia, ajustámos o policiamento com um balanceamento dos peregrinos nas estações, e de cortes mesmo de interdição momentânea para que a pressão em cima das plataformas não fosse tão forte. 

Mas houve episódios caricatos. 

No primeiro dia havia muita gente, há fotografias em que se vê um mar de gente nas estações, nomeadamente no Cais do Sodré. Há imagens caricatas dos peregrinos sentados na plataforma à espera dos comboios. Mas não houve incidentes nenhuns. Acho que foi um policiamento ajustado no primeiro dia, mas de muito sucesso. E contrariamente àquilo que se dizia de que os transportes públicos iam colapsar, acho que foi uma agradável surpresa. Quando nos diziam nas reuniões de coordenação que os transportes públicos não iam suportar o número de peregrinos inscritos, a que havia de acrescentar ainda a normal utilização da rede normal durante o dia, havia a ideia de que iria parar tudo. Felizmente não parou, conseguiu-se gerir ali aquelas entradas todas do pessoal e acho que correu muito bem.

Em relação aos carteiristas, foi muito importante a colaboração com a polícia da Alemanha, da Bélgica e da Chéquia. Havia 89 indivíduos seguidos? 

Sim, eram pessoas que foram seguidas, já que eram suspeitas de serem carteiristas, a maior parte estrangeiros, como é naturalmente no dia-a-dia em Lisboa.

Só houve oito detidos, mas há registo de muitos assaltos.

Houve 149 crimes associados à JMJ. No final do relatório, contabilizámos 149 crimes, sendo que desses 120 eram de furto por carteira.

E os outros 29?

Foram agressões, quatro ou cinco crimes de interferência nas comunicações e crimes contra a sociedade. Mas a seguir ao dos carteiristas aparecem as ofensas corporais simples, sobretudo de madrugada, nas zonas de diversão noturna. 

Em relação ao ‘papamóvel’, tiveram alguns atritos com a Gendarmerie?

Com a Gendarmerie não. Correu tudo bem com o papamóvel, fomos buscá-lo a Roma em dois aviões da Força Aérea, o papamóvel foi guardado na Unidade Especial de Polícia e quando a Gendarmerie chegou entregámos o papamóvel e ficaram na Nunciatura. Depois havia aqui uma movimentação que envolvia também a GNR, quando o papamóvel foi necessário em Fátima. Isso foi tudo devidamente coordenado, o senhor secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, porque envolvia a PSP e a GNR, fez um despacho clarificador relativamente à questão do transporte, e os dois automóveis – o descapotável e o Toyota Cross –  que depois tinham que voltar de imediato, enquanto o Papa vinha de helicóptero. Os automóveis tiveram que voltar porque eram precisos à noite para a vigília. Quando chegou a Lisboa, vindo de Fátima, andou no segundo T-Cross, pois havia dois carros iguais.  Acho que foi uma parceria entre o Vaticano e a Toyota.

Esses carros são blindados?

Não, não, não. O Papa não anda em carros blindados. Aliás, o papamóvel é descapotável e não tem vidros nenhuns. Não faz sentido falar em blindagem quando o carro não tem vidros. 

Mas estava a falar do outro…

Não, não é blindado.

Sei que houve dificuldade em arranjar as grades necessárias.

Isso foi outra operação brutal, brutal mesmo, que foi realizada. E conseguimos. Aí a Gendarmerie pediu-nos que nos trajetos – como na chegada do Papa à Nunciatura, embora menos – dos eventos, por haver sempre muita gente aglomerada, e eles gostam de fazer aquilo com muita segurança, pediram-nos para gradear as chegadas pelo  menos um quilómetro. Isso implicou que, durante a noite, dezenas de polícias em camiões andassem a mudar as grades de um lado para o outro. Porque era necessário fazer esse gradeamento. Mas primeiro foi preciso obter as grades, ir buscá-las, até a Bragança fomos.

Foram buscar os vossos dispositivos?

Sim, deixámos algumas de reserva, mas trouxemos as que foram possíveis. Algumas câmaras também forneceram gratuitamente grades, fizemos uma parceria com a Associação Nacional de Municípios para arranjar duas coisas: autocarros e grades. Acontece que aqui na zona de Lisboa, por força dos eventos que havia e por serem dioceses de acolhimento, as câmaras praticamente tinham as grades todas empenhadas, mas noutros locais foi possível encontrar disponibilidade e fomos lá buscá-las e agora vamos ter que ir devolvê-las esta semana. Grades, casas de banho e autocarros foram durante esta semana bens escassos e muito caros. Não havia casas de banho, só no estrangeiro, o aluguer de autocarros também estava a preços exorbitantes. Só havia disponibilidade no estrangeiro. 

E recorreram a essa possibilidade?

Não, até porque foram cedidas gratuitamente, porque senão teríamos que fazer contratos de prestação de serviços ou contratos de aluguer e já não havia tempo para fazer isso. Nem tempo, nem base legal para o fazer. No nosso caso, não estávamos abrangidos pela pelas regras da Jornada, teríamos sempre de fazer concursos públicos e isso era tecnicamente e temporalmente impossível de fazer, além de que nem sequer tínhamos orçamento para isso.

Mas vocês estimaram que precisavam de 11 mil grades.

A necessidade identificada pelo Comando de Lisboa era 11 mil, para os eventos todos. Nós conseguimos arranjar  2174 grades. Embora nalguns locais o que nós fizemos foi grade/fita, grade/fita/polícia para aumentar a distância. Depois, junto mesmo à zona de desembarque, aí é grade, grade, grade, tudo seguidinho. Permita-me que acrescente que foi um trabalho monstruoso, de uma enorme entrega e profissionalismo, e que os envolvidos merecem um grande aplauso.