A Volta a Portugal continua a ser a única prova que vai ao encontro das pessoas, passa literalmente à porta de casa, reduzindo as assimetrias que existem entre cidades e aldeias ou entre o litoral e o interior do país. As pessoas gostam de ver os ciclistas e toda a agitação criada pela passagem do extenso e colorido pelotão é como um dia de festa para milhares e milhares de pessoas.
A tradição ainda é o que era, e os dois primeiros dias de prova demostraram que o ciclismo continua a fazer parte da identidade desportiva do país. A Volta está na estrada até dia 20.
Nos últimos anos, o tema do doping – é um problema a nível mundial – tem beliscado a imagem da modalidade e causado descrença nos fãs. Pode dizer-se que 2022 foi um annus horribilis para o ciclismo pelos casos de doping em equipas portuguesas, que motivaram pesados castigos a ciclistas, prisão de diretores de equipa e o fim da formação W52-FC Porto, vencedora das duas últimas edições da Volta a Portugal. Em alguns casos, estava em causa a «utilização de práticas dopantes», incluindo «o recurso persistente à manipulação sanguínea», como informou o Ministério Público. Já este ano, a União Ciclista Internacional (UCI) suspendeu a Rádio Popular-Boavista por 30 dias na sequência dos casos de doping de dois dos seus ciclistas. O mais grave é que alguns corredores destas equipas já tinham sido apanhados com passaportes biológicos irregulares em ocasiões anteriores. De modo a evitar que esses truques se repitam, tem havido maior controlo para tornar o ciclismo mais verdadeiro e aumentar a transparência e a confiança de quem acompanha o ciclismo.
A edição deste ano já está na estrada, de Viseu a Viana do Castelo, passando por Loulé, os ciclistas vão disputar um prólogo e dez etapas num total de 1.600 quilómetros, pelo meio têm 31 contagens de montanha e 27 metas volantes. Cada etapa tem as suas caraterísticas e desafios, mas os pontos quentes são as etapas de montanha, onde os ciclistas são fortemente apoiados por uma multidão que bate palmas, agita bandeiras e mostra cartazes, naquilo que os mais veteranos chamam autênticas correntes humanas de apoio. As chegadas à Torre (5.ª etapa), a Montalegre (7.ª etapa), à Senhora da Graça (9.ª etapa) e o contrarrelógio final em Viana do Castelo, termina junto ao Santuário de Santa Luzia, fazem prever uma prova disputada até ao último metro para encontrar o sucessor de Maurício Moreira, vencedor da edição anterior.
Para trepadores
Esta é uma volta para trepadores, aqueles que com um esforço gigantesco trepam até ao cimo das maiores serras do país. Os velocistas que ‘voam’ a caminho das metas em vigorosos sprints têm os primeiros dias para causar boa impressão e vencer etapas. A Volta a Portugal iniciou-se em Viseu (vai ser o final da prova em 2024) e ontem teve a primeira etapa em linha. Dois dias sem grande história que deram a camisola amarela a Rafael Reis (Glassdrive), com o mesmo tempo do venezuelano Leangel Linarez (Tavfer), o desempate foi feito à décima de segundo pelo tempo realizado no prólogo. Seguem-se três etapas rápidas e com um grau de dificuldade médio/ baixo, direcionadas a velocistas e, previsivelmente, com chegadas ao sprint e com diferenças de tempo muito pequenas. A primeira seleção de valores surge na 5.ª etapa (184 quilómetros) no caminho para a Torre – é a única contagem de montanha de categoria Especial –, segue-se uma tirada traiçoeira entre Penamacor e Guarda (168 quilómetros) – é na cidade mais alta de Portugal que os ciclistas vão ter o merecido descanso.
Os últimos quatro dias têm um grau de exigência elevado, com destaque para as etapas que terminam na Serra do Larouco (162 quilómetros), na mítica Senhora da Graça (174 quilómetros) e, por fim, o contrarrelógio em Viana do Castelo (17,9 quilómetros). Os ciclistas vão encontrar outra dificuldade na etapa entre Boticas e Fafe, que é a passagem pelo troço de terra que se tornou famoso no Rali de Portugal pelo seu espetacular salto. Aqui ninguém vai saltar, mas a passagem do pelotão é sempre espetacular.
Equilíbrio de forças
A Volta a Portugal faz parte do circuito UCI Europe Tour de 2023 – categoria 2.1, que engloba 235 provas. Além das nove equipas portuguesas, estão presentes nove formações estrangeiras, num total de 125 ciclistas, que vão animar as estradas portuguesas.
O facto de as nove equipas estrangeiras não serem de primeiro plano internacional pode equilibrar as forças e proporcionar uma luta intensa e imprevisível pela vitória nas etapas e nas diferentes classificações. As quatro equipas espanholas estão num patamar ligeiramente superior, embora nenhuma delas tenha um corredor que faça verdadeiramente a diferença, como aconteceu em anos anteriores com as formações italianas.
A Glassdrive dominou a edição anterior e apresenta uma equipa de luxo para defender esse título. A estrutura de Águeda conta com Maurício Moreira, vencedor em 2022 e especialista em sprints, Frederico Figueiredo, segundo classificado o ano passado e um dos melhores trepadores do pelotão. James Whelan e Artem Nych têm igualmente capacidade para lutar pela vitória. A Efapel, equipa do ex-ciclista José Azevedo, vai à luta com os seus melhores corredores. O chefe de fila Joaquim Silva e Henrique Casimiro terão uma palavra a dizer na luta pelo primeiro lugar no final da prova. A ABTF-Feirense tem em António Carvalho, terceiro classificado o ano passado, a principal referência para lutar pela vitória à geral. A Kelly Simoldes, sediada em Oliveira de Azeméis, tem um elenco que tentará vencer algumas etapas e surpreender no final. A espanhola Caja Rural é uma presença habitual na prova portuguesa e tem ciclistas capazes de ganhar etapas, mas do que isso é difícil. A Euskaltel tem uma equipa forte para as etapas de maiores dificuldades. Luís Ángel Maté e Txomin Juaristi são candidatos a vencer a Volta.
A edição deste ano vai distribuir mais de 120 mil euros em prémios pelos vencedores. O triunfo em cada etapa vale 2.880 euros e o mais rápido do prólogo recebe 1.402 euros. O prémio para o vencedor da Volta a Portugal é de 15.101 euros e o primeiro classificado do prémio da montanha, juventude, classificação por pontos e o melhor português recebe 1.500 euros.