Pessoas que não gostam do verão? Elas existem e explicam porquê

Mónica, Ana Paula, Pedro, Ana, Maria e Paula não gostam do verão – ou até o odeiam – e não têm problemas em dizê-lo. Em causa estão variados fatores físicos, psicológicos e culturais que explicam ao i.

Enquanto algumas pessoas anseiam pela chegada das temperaturas elevadas, dos dias de praia, dos gelados e de tudo aquilo que pode ser associado ao verão, outras contam os dias que faltam para o fim desta estação do ano. Existem estudos e pesquisas que exploram por que algumas pessoas não gostam do verão ou preferem outras estações do ano. As razões podem variar amplamente e podem ser influenciadas por fatores físicos, psicológicos e culturais. Algumas possíveis razões pelas quais algumas pessoas podem não gostar do verão incluem: intolerância ao calor – algumas têm uma menor tolerância ao calor devido a fatores genéticos ou condições médicas, o que pode levar a desconforto durante os meses mais quentes; problemas de saúde – pessoas com certas condições médicas, como alergias sazonais, asma ou condições de pele agravadas pelo calor, podem não gostar do verão devido aos desafios adicionais que enfrentam; preferências climáticas pessoais – algumas pessoas simplesmente preferem temperaturas mais frias e gostam das atividades e roupas associadas ao outono e inverno; estilo de vida – o verão muitas vezes traz mudanças nas rotinas diárias e nas atividades sociais, o que pode não se alinhar com as preferências de algumas pessoas.

Além destes fatores, temos o stress – o calor excessivo pode aumentar o stresse e o desconforto, o que pode afetar o bem-estar emocional e psicológico de algumas pessoas; a cultura e as tradições – em algumas culturas, o verão pode estar associado a certas obrigações, como viagens ou eventos sociais, que podem ser percebidas como stressantes ou desagradáveis por algumas pessoas; as mudanças ambientais – preocupações com as mudanças climáticas e os seus efeitos podem contribuir para sentimentos negativos em relação ao verão para algumas pessoas e as condições climáticas extremas – o verão pode trazer condições climáticas extremas, como ondas de calor intensas ou tempestades que podem ser desagradáveis para algumas pessoas.

Assim, tendo estes motivos presentes, o i falou com portugueses que não apreciam o verão ou que dizem mesmo que o odeiam. “Não gosto do verão, em primeiro lugar, porque não me sinto bem com o calor. Pernas inchadas, tensão baixa… Em segundo lugar, não gosto do ar condicionado!”, explica Mónica Silva. ”Nos lugares públicos, há uma falta de sensibilidade com a temperatura. Restaurantes e escritórios põem o ar a uma temperatura desconfortável por mais calor que esteja fora, são choques de temperatura de que não gosto. Prefiro a sensação reconfortante de um casaco ou meias do que aquela proporcionada pela roupa de verão”, diz.

“Na praia, em duas ocasiões, sofri um golpe de calor, estando debaixo do chapéu de sol. Levantei-me para ir à água, vi tudo preto e caí ao chão. Em dias muito quentes, geralmente, não saio até ao final da tarde ou ando sempre de carro. Quando sinto a tensão baixa, bebo muito café. Estou no Algarve, de férias, e o senhor do café já me conhece porque bebo vários ao longo do dia para ‘arrebitar’”, continua. “Já falei com os médicos porque o meu corpo ‘não transpira’ o suficiente e isso faz com que fique muito quente e dá desconforto intestinal. Enfim, quando a temperatura ultrapassa os 30 graus, o meu corpo dá-me logo sinais”, sublinha.

Em Portugal, ainda não foram realizados estudos sobre pessoas que não gostam do verão, mas os mesmos já existem noutros pontos do globo. Por exemplo, nos EUA, Apenas 29% dos americanos disseram que o verão era a sua estação favorita numa pesquisa da CBS News em 2020. O outono (27%) e a primavera (25%) ficaram dentro da margem de erro. Uma pesquisa anterior da CBS News de 2013 mostrava a primavera e o verão empatados em 33% como estação favorita. As pesquisas geralmente não mostram nenhum dos meses meteorológicos de verão (junho, julho ou agosto) como o favorito dos americanos. Frequentemente estes correspondem a maio, outubro ou dezembro.

À semelhança de Mónica, também Ana Paula Monteiro não gosta da estação mais quente do ano. “Não gosto do verão, para já, pela temperatura. Dou-me muito mal com temperaturas altas e detesto transpirar. Além disso, fico com a tensão baixa. Fico com o ar condicionado para não me sentir mal. Normalmente, desmaio. Depois, porque há muito mais pó no ar. No outono e no inverno sinto-me fantástica! Adoro as cores de outono, o friozinho que pede uma manguinha mais comprida, os dias de chuva quando estou em casa…”, explica, indo ao encontro da perspetiva de Pedro Soares.

“Odeio o verão, só me sinto bem quando as temperaturas são amenas ou reduzidas. Não entendo as pessoas que gostam de passar horas na praia a apanhar sol, ficar com escaldões, comer gelados, nadar… Sinceramente, não compreendo o amor que se sente pelo verão”, afirma. “Se pudesse, passava esta época do ano à frente e ia diretamente para o outono porque sofro com o calor e detesto suar. Já estive perto de desmaiar e acho que tal só não aconteceu porque, apesar de tudo, resguardo-me bastante”, frisa, estando em sintonia com Ana Fonseca, que não gosta que lhe perguntem os motivos pelos quais não gosta do verão, mas abriu uma exceção.

“Sou uma rapariga de outono. Irrita-me o calor, as sandálias, os calções – deem-me uma botinha e um belo de um casaco que sou uma mulher feliz! –, o suor, o conceito de edredão de verão, a praia, as bebidas de verão, não conseguir passar a ferro, os mosquitos e as melgas, não conseguir fazer nada dentro de casa nem fora dela… Até não gosto das músicas de verão!”, exclama. “Mesmo as pessoas que dizem que gostam do verão, dizem-no porquê? Vão à praia e ficam cinco minutos dentro de água, meia hora à sombra, meia hora a apanhar sol… Não me digam que adoram ficar na praia o dia inteiro porque não pode ser verdade!”, diz. 

“Há um provérbio sueco que diz que não há mau tempo: há má roupa. No inverno, por mais que nos queixemos, temos sempre como nos defender com mais um casaco, mais umas peúgas e pronto. No verão é tudo completamente diferente e não me sinto nada bem”, conclui.

De acordo com um artigo do The Guardian, esta é uma realidade partilhada por um número considerável de pessoas. A título de exemplo, em “‘I go outside, feel miserable and come home burnt to a crisp’: the people who hate summer” (em português, “‘Saio, sinto-me miserável e volto para casa totalmente queimado: as pessoas que odeiam o verão”), é possível ler testemunhos semelhantes àqueles recolhidos pelo i. “Todos os dias este verão começou com a mesma rotina. Eu acordo, mergulho a minha cabeça no lavatório cheio de água fria e, de seguida, verifico a aplicação de previsão do tempo no meu telefone. Não estou interessado na previsão para Londres, onde moro, mas para a capital da Islândia, Reiquiavique. Não é só o clima daquela cidade – temperatura na casa dos 10 graus, uma pitada de chuva – que me excita, mas também a emoção de imaginar um lugar onde o hype em torno do verão não existe”, lê-se no primeiro parágrafo. “Não há pressão para fazer o verão “certo”; não faz sentido que acumules um ano de vida em três meses; sem Fomo (fear of missing out; medo de perder) como resultado de percorrer inúmeras histórias do Instagram com churrascos, festivais, praias; sem vergonha de preferir ficar dentro de casa com os seus dois maiores fãs. É hora de confessar: odeio o verão”.

“Os meses de junho a setembro sempre me causaram ansiedade. Na família monoparental onde cresci, havia poucas opções de fuga para o exterior e as férias escolares de verão de seis semanas eram complicadas (…) Mas hoje sei que não estou sozinho na minha aversão a tudo o que vem nesta temporada”, continua o autor, referindo-se às alergias, ao “calor paralisante”, à “ansiedade da crise climática”, à fadiga, e “ao distúrbio afetivo sazonal”. “Nunca é apenas verão, é ‘verão!’: a hora em que se espera que saiamos todas as noites e fins de semana”, diz Chris Haigh, 31 anos, de Leeds, um dos entrevistados, comparando o verão com o Natal. “É Natal no modo difícil, porque até o Natal realmente dura apenas um dia, enquanto o verão abrange tudo por meses”.

Além de se proteger dos raios solares por ser “muito, muito ruiva” e queimar “quase instantaneamente”, Laura Starkey, de 34 anos, natural de Brighton, frequentemente sente-se esmagada pela pressão atmosférica e social da estação. “Poucas pessoas realmente entendem de onde eu venho e por que o verão é tão desconfortável para mim”, diz ela. “Há muita pressão para sair, ‘aproveitar o clima’ e não ‘desperdiçar o dia’ dentro de casa”. “A importância do verão em nossas vidas, pelo menos no Reino Unido, está ligada à sua imprevisibilidade, explica Trevor Harley, professor emérito de psicologia da Universidade de Dundee e autor de The Psychology of Weather. ‘As pessoas estão preocupadas que, se não aproveitarem ao máximo imediatamente, será o verão’, diz ele”, escreve o autor Michael Cragg.

De acordo com o artigo de Cragg, Harley também vincula a nossa obsessão com a estação e as suas propriedades de vida social a um aumento constante no ritmo de vida – uma tendência que foi reduzida pela covid, mas agora está a ser intensificada novamente. “Há mais uma sensação agora de que temos que nos espremer o máximo possível. A ideia da lista de desejos é bastante nova – coisas que realmente devemos fazer antes de morrer. O verão, de certa forma, é um microcosmos disso. Há um monte de coisas que temos que encaixar antes que as férias escolares terminem”. Implícito nessa ideia de estudar está um sentimento de fracasso se não conseguirmos. E não podemos simplesmente evitar o verão. Há “músicas de verão”, uma variedade de “sucessos de bilheteira de verão” e hashtags #HotGirlSummer e #BeachBodyReady, todos criando uma sensação de que este período definirá o ano. Ninguém pergunta: “Como foi o seu inverno?”, deixa claro Cragg.

“Eu não invejo ninguém. Eu só gostaria que não houvesse essa suposição de que todos ficam igualmente felizes quando as temperaturas atingem os 20 graus. Para mim, não é perda de tempo ficar dentro de casa num dia quente de verão; é uma perda de um dia sair, sentir-se miserável e inevitavelmente voltar para casa totalmente queimado”, diz Starkey, enquanto Holly-Jade Johnston, de 40 anos, que trabalha para os serviços de emergência em Glasgow, explicita que o verão afeta a sua vida pessoal e profissional. “As pessoas ficam selvagens”, diz ela. “Tudo começa jovial, depois são reclamações de barulho, depois as pessoas são presas quando o sol se põe. Quando chega o verão, eu temo, porque as pessoas mudam. A vibração muda. Além disso, sinto que o verão não só me traz ansiedade, mas também as pessoas com quem trabalho. As pessoas não têm dinheiro para enviar as crianças em viagens divertidas”.
É exatamente assim que se sente Paula Silva. “Acho que isto tem a ver com a idade. Adorava o verão quando era adolescente, apanhei escaldões e tudo o mais… Foi gradual, comecei a sentir-me incomodada com o calor. Mas não é uma questão somente física, é também psicológica. Quando vejo a previsão das temperaturas, de manhã, fico logo perturbada. Sou muito ligada ao ambiente e reconheço que isto já não é o que era e detesto olhar para as árvores e ver que estão em sofrimento, a água quente do mar pode trazer muitas coisas atrás… Prende-se com a consciência ambiental”, diz. 

“Sou do Algarve, apesar de viver em Lisboa. Desde pequena, vou para lá. E, de facto, tenho visto as mudanças a acontecer. Tudo a secar, cada vez há menos diversidade de fauna e flora e estamos a ter atitudes completamente a favor de que isto se prolongue. Não há uma mudança dos governantes e da população no sentido de poupar água, de construir pequenas barragens, etc. O Algarve, neste momento, é muito semelhante ao Norte de África em termos botânicos. Temos plantas mais ou menos entre janeiro e março e, depois, fica tudo seco”, lamenta. 

“As pessoas da minha idade e do meu meio são um bocadinho como eu. Sentimos que isto não é bom para os jovens, para quem vai ficar. Isto começa a incomodar, a mexer com a nossa parte emocional. Nós não vamos conseguir produzir comida porque nenhuma planta consegue viver sem água. Vivem os catos no deserto e mais nenhuma”, salienta. “Dentro de poucos anos, não haverá capacidade de produzir alimentos. Já nem falo da zona do Equador e do Hemisfério Sul”.

“O pessoal alternativo do Algarve já se está a mudar para a Galiza porque não consegue produzir nada, não consegue ter a sua hortinha. Para onde é que isto nos está a levar, para onde é que caminhamos?”, questiona. “Estamos a caminhar para o abismo. Tenho dois filhos e assusta-me imenso”, declara, sendo que mais de 80% dos glaciares do mundo podem desaparecer até ao fim do século, devido ao aquecimento global. A conclusão é de um estudo da Faculdade de Engenharia da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, divulgado no passado mês de janeiro. 

Julho foi o mês mais quente de sempre alguma vez registado na Terra, como revelou o serviço europeu Copernicus. No passado mês de julho, foi observado que este foi 0,33°C mais quente do que o mês que detinha o recorde até agora (julho de 2019, quando se registou uma média de 16,63°C). Segundo o Copernicus, a temperatura do ar foi também 0,72°C mais quente do que a média (1991-2020) em julho. No dia 27 de julho, os cientistas deste instituto tinham considerado “extremamente provável” que fosse o mês mais quente de que há registo, no conjunto de todas as estações, confirmando depois esta informação.

Tal levou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a afirmar que a Humanidade tinha deixado para trás a era do aquecimento global para entrar na da “ebulição global”. “Acabámos de assistir a novos recordes de temperaturas globais do ar e à superfície dos oceanos em julho. Estes recordes têm consequências desastrosas para as pessoas e para o planeta, que está exposto a fenómenos extremos mais frequentes e mais intensos”, reforçou a diretora-adjunta do Serviço Europeu de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus, Samantha Burgess. 
Além do calor, também nos oceanos foi registada esta tendência, com temperaturas à superfície anormalmente elevadas desde abril e níveis sem precedentes em julho. 

O flagelo dos incêndios “Não gosto mesmo do calor. Para mim, no máximo, deve estar 25 graus. A partir daí, tudo o que vem é desconfortável. Estou no carro e saio de lá toda amarrotada e suada. Em casa, cheguei a borrifar a cama com água fresca de tanto calor que estava. E já cheguei a desmaiar porque a minha tensão é mais para o baixo. No ano passado, desmaiei e foi complicado voltar a mim”, conta. “Não gosto de andar na rua quando está sol, fico toda peganhenta. E uma das coisas que estão associadas ao calor são os incêndios. Dói-me o coração. Sempre tive esta sensibilidade, começo logo a chorar. Penso nas pessoas, no que perdem, na área florestal ardida e no quanto demora para voltar a ser o que era. E não entendo a maldade humana, fico de rastos. Está a fazer cinco anos que estava no Algarve e houve os incêndios de Monchique. Estava desesperada. Eu disse: ‘Não quero viver. Se é para ver isto, não quero viver’”, acrescenta, sendo que o fogo espalhou-se primeiro para o Alentejo, atingindo a região de Odemira, sem causar muitos danos significativos. No entanto, depois avançou com mais intensidade para as regiões de Silves e Portimão, destruindo um total de 74 casas.

Essa região do Algarve já havia enfrentado um grande incêndio em 2003, mas o impacto do fogo foi muito maior em 2018. Unidades hoteleiras e várias localidades tiveram de ser evacuadas, resultando em 52 famílias desalojadas e 41 feridos. Durante cerca de uma semana, equipas de resgate concentraram-se em combater as chamas e salvar vidas, procurando evitar tragédias como as ocorridas nos incêndios de 2017 no centro do país. 

“Além daquilo que vi em Monchique, há seis anos, morreram os pais e avós do meu ex-marido em Pedrógão Grande”, continua, sendo que o número oficial de vítimas do incêndio foi registado como 66, dos quais 65 eram civis e 1 era um bombeiro voluntário de Castanheira de Pera. Além disso, houve 254 pessoas feridas, sendo 241 civis, 12 bombeiros e 1 militar da Guarda Nacional Republicana. Entre os feridos, 7 estavam em estado grave, incluindo 4 bombeiros, 2 civis e 1 criança. Das vítimas fatais, 47 foram encontradas nas estradas da área do concelho de Pedrógão Grande. Destas, 30 perderam a vida dentro de veículos, enquanto outras 17 foram encontradas próximas dos carros durante a tentativa de escapar das chamas. Uma outra vítima morreu devido a um atropelamento enquanto fugia do incêndio. Além das vidas humanas perdidas, o incêndio causou a destruição de muitos locais e comunidades. A estas, juntaram-se as 37 de vários concelhos dos distritos de Coimbra, Guarda, Viseu e Castelo Branco, em outubro do mesmo ano, perfazendo mais de 100.