Por José António Saraiva
Há muito tempo que faço a mim mesmo a seguinte pergunta: ‘O que move as multidões que acompanham a figura do Papa, onde quer que vá?’.
O que explica esses gigantescos ajuntamentos?
O fervor religioso?
O voyeurismo?
A simples curiosidade?
Como entender que o Papa consiga juntar na cidade de Lisboa um milhão e meio de pessoas, vindas de toda a parte?
É certo que se trata de uma celebridade planetária.
Mas também Bill Clinton ou Barack Obama são figuras planetárias – e certamente não conseguiriam juntar um centésimo daquela multidão para os ver e ouvir falar.
Há, na figura do Papa, qualquer coisa de diferente.
Os seres humanos têm duas dimensões: uma dimensão material e uma dimensão espiritual.
A dimensão material é aquela que comummente se manifesta.
E traduz-se em dinheiro – com o qual se adquirem os bens materiais.
Nas nossas sociedades fala-se cada vez mais em dinheiro. Fala-se quase só em dinheiro. Recordem-se as polémicas mesquinhas sobre o custo do palco para estas jornadas, como se isso fosse o mais importante.
Nos jornais, nas rádios e nas televisões, o dinheiro ocupa direta ou indiretamente grande parte do espaço noticioso. É a inflação, que faz subir o preço dos produtos nos supermercados; são os avanços e recuos do preço da gasolina; é a redução ou o aumento dos impostos; são as reivindicações dos médicos e dos professores, que acabam sempre por traduzir-se em regalias salariais.
E os escândalos jornalísticos centram-se na maior parte das vezes em quê? Em suspeitas de corrupção, provocada pela ganância do dinheiro.
Money, money, money. Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
Nos meios de comunicação social fala-se cada vez menos de ideias, de projetos, de desígnios nacionais ou de grupo. Toda a discussão se afunila para se centrar na questão do dinheiro. O discurso deste Governo é bem o espelho disso. Alguma vez vimos o primeiro-ministro ou um ministro apresentarem uma ideia para o futuro? Falar de alguma coisa que se não se traduza em euros – sejam dezenas, milhares ou milhões? Ainda tive esperança que Costa Silva o fizesse, mas mergulhou no mesmo pântano dos outros. O discurso dos governantes resume-se a dar uns subsídios a alguns mais necessitados, a reduzir o IVA de alguns produtos, a fazer acertos de impostos ou a anunciar aumentos do salário mínimo.
Tudo isto pode ser necessário – mas não chega.
Nem só de pão vive o homem: o homem também vive de sonhos, de ideias, de objetivos mais próximos ou mais distantes.
E é aí que entra a dimensão espiritual.
É essa dimensão espiritual, não material, que as igrejas preenchem – e que, no Ocidente, o Papa simboliza.
Não sou católico, como tenho repetidamente dito, mas percebo que o ser humano não se esgota na dimensão material – no consumo, na aquisição de bens, na acumulação de dinheiro na conta bancária.
Na Europa Ocidental e na América do Norte, sobretudo, o vertiginoso desenvolvimento técnico e industrial levou a pensar que tudo se podia comprar. Mas o que verificamos? É exatamente nas classes que têm as necessidades básicas resolvidas que crescem as angústias, a insatisfação, as depressões. Os psicólogos e os psiquiatras recebem todos os dias novos pacientes. A legião de infelizes sem problemas financeiros aumenta constantemente.
São pessoas que chegam ao fim da linha, que não têm mais nada para adquirir, e que concluem tristemente que a felicidade não se compra.
A grande maioria ainda não percebeu que há uma parte de si que não explora, que está atrofiada – e essa é a dimensão espiritual.
Que não se exprime necessariamente apenas nas manifestações religiosas.
Nos grandes concertos, por exemplo, sente-se esse apelo: os espetadores vibram com músicas que são formas de expressão do espírito, cantam em conjunto, celebram com o seu semelhante momentos de exaltação espiritual.
Só pelo desenvolvimento da dimensão espiritual que existe em cada ser humano este se realiza por inteiro.
E é essa dimensão que as pessoas procuram, muitas vezes sem o saberem, ao seguirem o Papa.
O Papa é o símbolo do poder do espírito: não oferece dinheiro, nem comodidades, nem bens materiais.
Juntar um milhão e meio de pessoas em torno de alguém que não promete descidas de impostos, nem baixas do preço da gasolina, nem o fim da inflação, nem a diminuição das rendas de casa, nem a queda das taxas de juro, nem transportes públicos gratuitos, é muito bonito.
O Papa não promete nada, nenhum bem terreno – mas tem sempre multidões a segui-lo.