Equador: campanha de violência

Atentado contra candidato não trava processo eleitoral: eleições presidenciais e legislativas são no dia 20.

Por Gonçalo Nabeiro*

O Equador atravessa um período de grande instabilidade em plena corrida eleitoral, tendo sido declarado estado de emergência na sequência do assinato de Fernando Villavicencio, um dos candidatos presidenciais. As eleições vão decorrer num dos momentos mais delicados do país, mergulhado numa crise política e de segurança. Apesar de decretado o estado de emergência, as eleições presidenciais e legislativas continuam marcadas para 20 de agosto, após o Presidente Guillermo Lasso, a 17 de maio, ter dissolvido a Assembleia Nacional. Nestas eleições serão escolhidos um novo presidente, o vice-presidente e 137 legisladores.

 

Crise política

Em maio deste ano, o Presidente equatoriano foi alvo de um processo de impeachment na sequência de acusações de desvio de capitais na gestão da Flopec, uma frota petrolífera que está sob a alçada do Estado. Com o processo, e tendo em conta a sua elevada taxa de reprovação (cerca de 80%), Lasso decretou a «morte cruzada», medida pela qual o Executivo tem o poder de dissolver a Assembleia Nacional em três cenários distintos. O que levou o Presidente a invocar aquele instituto legal foi a alegada existência de uma crise política e de comoção interna. A medida, prevista na Constituição e que permite ao chefe de Estado continuar a governar através de decretos executivos de urgência económica, nunca tinha sido decretada, até agora, na história do país.

Mesmo com este cenário, e não tendo sido condenado, Lasso afirmou perante um Parlamento hostil: «A  única coisa que há são informações que comprovam a minha total, evidente e inquestionável inocência». Vários partidos da oposição não reconheceram a necessidade da medida mas aceitaram-na, encarando-a como uma oportunidade para depor o atual Presidente, o seu Governo e a sua maioria legislativa.

Num momento tenso, principalmente desde maio deste ano, a questão da segurança tem sido um dos principais problemas equatorianos. A violência dentro do sistema prisional, os conflitos entre gangues e o ataque a figuras políticas marcam a atualidade do país. Dois estados de emergência já foram decretados desde a adoção da ‘morte cruzada’: o primeiro, que abrangeu três províncias, foi no mês de julho, após a morte de Agustín Intriago, presidente da cidade de Manta, durante um tiroteio. Manta é uma cidade costeira e de extrema importância para as rotas comerciais equatorianas, incluindo as do narcotráfico. O segundo, mais mediático e a nível nacional, foi declarado na sequência do assassinato de Fernando Villavencio no passado dia 9 de agosto.

 

O que pode significar a morte de Villavicencio?

Pedro Briones, líder político local, foi também assassinado a tiro na quarta-feira, dia 16. Briones era uma das figuras principais do Revolucíon Ciudadana, partido que lidera as sondagens.

Villavicencio foi assassinado a tiro quando saía de um comício de campanha em Quito, capital equatoriana. Crítico acérrimo da corrupção e do crime organizado, segundo o El Universo, foi alvejado três vezes na cabeça a cerca de duas semanas das eleições presidenciais, expondo, ainda mais, a situação de violência no país onde a taxa de homicídios cresceu 80% nos últimos dois anos, conforme noticiou a Al Jazeera. O Presidente Lasso já garantiu que o crime não sairá impune.

Estando localizado perto de dois grandes produtores de cocaína, a Colômbia e o Perú, o Equador pode estar a ser vítima da sua própria geografia. O acordo de paz entre o Governo colombiano e a FARC, guerrilha colombiana com ligações ao narcotráfico, permitiu a criação de novas organizações e gerou um aumento de confrontos e de violência, afetando também o Equador, onde narcotraficantes se aliaram a instituições criminosas internacionais. Fundamentalistas da guerrilha, não conseguindo operar totalmente no seu país, rumaram ao território equatoriano. Os efeitos económicos da pandemia foram também um propulsor da atividade ilícita no país. 

A violência nas prisões, que também ressalta a influência dos gangues no país, tem sido outro assunto delicado. Segundo o Human Rights Watch, mais de 600 pessoas terão sido mortas em massacres prisionais.

A morte de Villavicencio tem sido condenada pela maioria das fações políticas do país, e o Construye, partido do qual fazia parte o candidato assassinado, já escolheu o seu sucessor: o jornalista Christian Zurita. A preocupação com a segurança de Zurita é evidente, mas, apesar das ameaças, parece manter vivo o legado de Villavicencio, prometendo continuar a lutar pelo fim da corrupção e do crime organizado.

Localizado num continente que é responsável por um terço dos homicídios mundiais, o Equador, outrora visto como um Estado relativamente pacífico, tem vindo a confirmar esta tendência e tem sido alvo de escrutínio internacional. 

 

Reação internacional

Como seria expectável, a reação internacional foi de condenação à crescente violência que tem abalado a América Latina há várias décadas. O Brasil, um dos países que mais sofre com o problema dos homicídios intencionais, mostrou a sua solidariedade e confiança na ação da justiça. O Presidente eleito do Paraguai afirmou na sua conta da app X (antigo Twitter) que «estamos com a nossa nação-irmã Equador neste momento difícil», e a Organização dos Estados Americanos apelou ao reforço das medidas de segurança para os restantes políticos, e afirmou que «a segurança dos candidatos é fundamental para manter a confiança do sistema democrático».

Os Estados Unidos, que detêm uma influência significativa no país, condenaram também o sucedido e disponibilizam-se para colaborar nas investigações, posição que foi também tomada por Espanha, que «apoia o processo eleitoral do Equador, a sua democracia e as suas autoridades». A União Europeia e a França mostraram-se igualmente comprometidos em apoiar as eleições do país, e até a China expressou o seu desejo de que o ato eleitoral proceda de forma natural.

Analistas políticos equatorianos apelam a uma «mão firme» para deter os gangues, apontando como exemplo as medidas tomadas por Nayib Bukele, Presidente de El Salvador. Bukele conseguiu fazer com que um dos países com maior taxa de homicídios, através de um sistema prisional forte, desconhecesse qualquer assassinato no último ano.

Perspetivas eleitorais

O povo equatoriano poderá escolher o seu Presidente de entre oito candidatos e o assassinato do terceiro com mais aprovação, segundo as sondagens, faz aumentar ainda mais a incerteza do resultado das eleições, marcadas pela instabilidade e pelo curto ciclo eleitoral.

Os discursos de campanha têm-se focado na questão da segurança, principalmente no recente debate transmitido na televisão nacional equatoriana, onde marcaram presença sete dos oito candidatos.

Uma sondagem da Comunicaliza dá a liderança a Luisa González, do socialista Movimiento Revolución Ciudadana, legisladora até à dissolução da Assembleia e com ligação ao ex-Presidente Rafael Correa, atualmente exilado na Bélgica. Correa foi acusado de fazer disparar o indíce de corrupção e de degradar as instituições democráticas, facilitando o aumento de influência das organizações criminosas. Jan Topic, líder da aliança Por Un País Sin Miedo, é um empresário e soldado de elite que faz da segurança a sua principal arma de campanha e tem naturalmente subido a pique nas sondagens. Assumido admirador das políticas de Nayib Bukele, Topic promete aos equatorianos uma guerra contra o crime organizado. Também Bolívar Armijos, e ainda que de um espetro político diferente de Topic, salienta a necessidade de transferir criminosos para prisões especiais. Daniel Noboa, candidato de centro-esquerda, tenciona harmonizar a relação das Forças Armadas, da Polícia e do Estado para centralizar os planos de segurança nacionais. Xavier Hervas foca-se no controlo dos portos e Yaku Pérez pretende garantir segurança aos juízes, alegando que são constantemente ameaçados. Christian Zurita substituirá Villavicencio, que seguia em terceiro lugar, e foi o único candidato que não esteve presente no debate. O conservador e atual Presidente, Lasso, não apresentou a recandidatura.

O candidato vencedor necessitará de uma maioria absoluta ou de 40% com 10 pontos de vantagem sobre o segundo, caso contrário, realizar-se-á uma segunda volta a 15 de outubro. Os cidadãos equatorianos elegerão ainda o corpo de legisladores cujo mandato será até maio de 2025.

*Texto editado por S.P.P.