Preservar uma viagem de quase nove séculos

O apogeu do desenvolvimento extraordinário da paisagem de Sintra foi atingido com o reinado de D. Fernando II, quando adquiriu o Mosteiro da Pena…

Sofia Cruz

Presidente do Conselho de Administração da Parques de Sintra

Quando, em 1995, a UNESCO classificou Sintra como Património da Humanidade, tinham passado apenas três anos da decisão de alargar as categorias do Património Mundial e acrescentar a de Paisagem Cultural.

A candidatura submetida nessa altura demonstrava a mistura excecional de sítios naturais e culturais que em Sintra produzem num quadro exemplar. Mas permaneciam várias dificuldades. Como definir claramente, e delimitar, uma paisagem que inclui sítios diversos ligados por um caráter geral comum? Como classificar algo que não é estático, sempre sujeito às mudanças do cunho humano e dos elementos naturais que seguem ritmos biológicos próprios?

A brilhante candidatura então apresentada pelo município de Sintra demonstrou a singularidade que alicerça a celebridade deste lugar. Uma diferença que, como sublinhava o documento, «repousa no excecional sincretismo conseguido entre a Natureza e os antigos monumentos, bem como no pioneirismo dos sonhos arquitetónicos que suscitou, nomeadamente no âmbito do Romantismo».

O apogeu do desenvolvimento extraordinário da paisagem de Sintra foi atingido com o reinado de D. Fernando II. O rei adquiriu o Mosteiro da Pena, situado sobre uma montanha escarpada, e transformou-o num palácio fabuloso, dando-lhe a dimensão máxima. Mas D. Fernando II opta também por rodear o palácio de um vasto parque romântico plantado com árvores raras e exóticas e por restaurar as florestas da Serra onde milhares de árvores foram plantadas, contribuindo para o caráter romântico da Serra.

 

E assim surgia o quadro de uma paisagem cultural de um valor eminente e singular, entre a beleza incontrolável que a natureza nos proporciona e as pinceladas extraordinárias da natureza humana.

Hoje, perante este deslumbrante cenário, podemos ser levados a crer, pela nossa perceção sensorial, que nos resta pouco para acrescentar.

 

José Tolentino Mendonça, nas suas reflexões na edição O que é amar um país, escreveu sobre um país em viagem. Luis Vaz de Camões não documentou apenas um país em viagem em Os Lusíadas, foi mais longe, representou o próprio país como viagem.

Tolentino escreveu sobre Portugal ser uma viagem que fazemos juntos há quase nove séculos. É aqui que reside a nossa maior responsabilidade. Preservar o melhor dessa longa caminhada e proteger a memória desse longo percurso é uma missão tão importante como a dos homens e mulheres que ergueram monumentos e plantaram milhares de árvores no nosso passado.

Sintra revela o excecional resultado dessa longa caminhada que temos vindo a fazer. Entre monumentos únicos, parques e jardins excecionais e mais de mil hectares de florestas, há uma memória que necessita de proteção permanente.

Nas últimas duas décadas, em grande medida, essa é uma responsabilidade assumida pela Parques de Sintra – Monte da Lua. É essa responsabilidade que une os mais de 300 trabalhadores desta empresa pública: ser cuidador da identidade histórica de uma viagem que juntos, enquanto nação, fazemos há quase nove séculos. Sem essa salvaguarda, não teremos muito caminho pela frente.