Deixem-nos em paz!

Percebo muito bem D. Manuel Clemente, por não querer que lhe dediquem com o seu nome a ponte sobre o Trancão, apesar de ele ter sido sempre um homem de pontes…

Vou contar um segredo! Uma tradição das paróquias – pelo menos de Lisboa – é a de ir metendo na sacristia a cara dos padres que passaram ao longo dos anos pelas paróquias. É horrível! Nem conseguem imaginar… 

Uma paróquia por onde passei tinha mais de vinte fotografias dos párocos que passaram nos últimos sessenta anos. É mal comparado, uma espécie de galeria dos reis ou uma galeria dos patriarcas, onde podemos encontrar o retrato dos últimos dignitários que governaram determinado espaço eclesial ou civil.

Onde é que está o segredo nome meio de tudo isto? Eu, quando chego a uma paróquia, assim que tenho oportunidade de o fazer, retiro todas as fotografias dos meus antecessores, para que, quando venha a sair, não venham lá a meter a minha fronha. 

É horrível! Pensar que passei por uma paróquia para servir os irmãos, onde trabalhei arduamente, celebrei os mistérios da salvação, enterrei os irmãos que faleceram e perdoei os pecados, enfim, que procurei assistir com os meios próprios para a salvação dos homens e, uma vez saído das funções, ainda tenho de lá deixar a minha cara. 

Nunca! Jamais! 

Nem quero que metam placas à porta das igrejas com o meu nome. É horrível! Uma saloiice pegada… (com todo o respeito que tenho pelos saloios)! 

Não gosto! Nunca gostei! Nem alguma vez quererei que me façam uma espécie de homenagem de fim de vida, quando a deveriam ter feito enquanto lá fui pároco. Eu gosto, mesmo, é que me tratem bem… que me acarinhem enquanto passo cá pelas paróquias… uma vez deixadas as paroquias, têm novo padre.

 

Percebo, por isso, muito bem, o comunicado do Senhor Patriarca, D. Manuel Clemente, de não querer que lhe dediquem a ponte sobre o Trancão com o seu nome. É verdade que D. Manuel Clemente sempre foi um homem de pontes. Nunca foi muito um homem de cortar a direito. Foi meu reitor e sei que sempre procura ver o lado positivo das coisas, o lado bom de tudo… 

Se é um nome merecido para a ponte? Talvez sim… aliás foi um dos maiores entusiastas da candidatura de Portugal para as Jornadas Mundiais da Juventude. Agora, o ambiente em que vivemos e que criamos à nossa volta, não entusiasma ninguém a deixar meter o nosso nome onde quer que seja…

 

Já viram o que é? Então, pensar que no dia depois da inauguração da placa com o nome ‘Ponte D. Manuel Clemente’ irão lá uns meninos betos da linha com umas latas de tinta a espicharem a placa e a pintarem uma obra de arte enorme.

O que me enoja no meio de toda esta conversa, não é tanto quem quer meter o nome do Patriarca de Lisboa ou a iniciativa do Senhor Patriarca em não querer dividir a sociedade com esta homenagem. O que me enoja no meio de isto tudo é pensar que ainda não percebemos que a sociedade está cada vez mais a caminhar para o desrespeito de uns para com os outros.

Uma professora que tive no doutoramento, uma mulher incrível, diz que tenho uma veia conservadora, que não me deixa entrar dentro do jogo democrático. O que é verdade! 

Eu, sinceramente, gosto do jogo democrático, mas algum tipo de jogo democrático cheira mal e está a levar-nos para uma situação impossível de sustentar. É impossível, mesmo!

 

Durante estes últimos dois meses ouvi tanta parvoíce sobre as questões da laicidade do Estado e os privilégios que a Igreja Católica tem em prol da Concordata estabelecida entre a Santa Sé e a República Portuguesa que nem consigo esclarecer numa só crónica, esclarecer uma única polémica…

Fiquem com as pontes e deixem-nos em paz!