Quando se fala em mobilidade elétrica, Portugal é um caso à parte entre os países da União Europeia, mas, infelizmente, não por um bom motivo. Apesar de não faltarem estudos a constatar que a mobilidade elétrica por cá está “de boa saúde e recomenda-se”, a realidade é outra. Em fóruns online, proliferam as publicações onde se denuncia a falta de pontos de carga, filas de espera para carregar o carro ou até mesmo carregadores fora de serviço, e é comum apontar-se o dedo ao sistema português de gestão da rede de carregamento de veículos elétricos.
“Em Portugal criou-se um sistema atípico comparativamente ao resto da Europa, que só serviu para complicar e que está a travar o crescimento e o bom funcionamento da rede pública de postos de carregamento”, relata ao i um utilizador descontente.
Um dos problemas mais gritantes deve-se à legislação nacional que obriga os postos situados em espaços (mesmo que sejam privados) desde que tenham acesso público a estarem ligados à rede Mobi.E, que atua como Entidade Gestora da Rede de Mobilidade Elétrica (EGME).
Um dos exemplos mais flagrantes diz respeito à rede de supercarregadores (carregadores ultrarrápidos) da Tesla. Os carros da fabricante norte-americana do empresário Elon Musk ocupam o topo da tabela de vendas entre veículos elétricos e, nos últimos tempos, a reboque de uma política de redução nos preços, a marca assistiu a um boom de vendas.
Contudo, enquanto na Europa a rede de postos de carregamento ultrarrápidos da marca tem vindo a expandir-se, acompanhando o ritmo de carros que são colocados no mercado, em Portugal, a Tesla está impedida de instalar novos equipamentos deste género.
Pioneira na criação e instalação de uma rede própria, em Portugal, a Tesla dispõe de apenas oito estações de supercarregadores: Ribeira de Pena (Vila Real), Mealhada, Guarda, Fátima, Alcácer do Sal, Montemor-o-Novo, Alcantarilha e Loulé.
Aquando da instalação dos seus primeiros supercarregadores em Portugal, em 2018, a Tesla beneficiou de uma exceção por parte da tutela, a qual permitiu que a ligação dos postos Tesla à Mobi.E não existisse no momento do arranque. A exceção foi aberta devido à inexistência de infraestruturas deste calibre no país, ainda que, desde o início, os responsáveis da Tesla soubessem que esta situação seria revista, a breve trecho.
Certo é que esse momento chegou, mas os equipamentos existentes continuam a não estar ligados à Mobi.E, o que tem impedido a marca norte-americana de desenvolver a sua rede de supercarregadores no país ou de disponibilizar aos clientes estações finalizadas e prontas a abrir.
Quem entra no parque de estacionamento do MarShopping, em Matosinhos, já há vários anos que se depara com uma série de supercarregadores rodeados por gradeamento. O cenário é semelhante em Castelo Branco e em Alcácer do Sal, onde a Tesla também quis reforçar a capacidade da estação já existente com mais quatro postos de carregamento, que até hoje estão sem funcionar e sem previsão de serem ligados.
A diferença está no sistema implementado pela Mobi.E, que implica a necessidade de existir um comercializador de eletricidade para a mobilidade elétrica (CEME) e um operador de posto de carga (OPC), que cobram ao consumidor em separado as suas taxas e impostos, além do valor pago pela energia. Algo que não acontece nos supercarregadores da Tesla, onde o consumidor apenas paga o preço pelo quilowatt estipulado pela marca.
Não há previsão de quando ficará resolvido este braço de ferro entre a Tesla e a Mobi.E, mas a prova de que a rede de estações de supercarregadores já não consegue dar resposta ficou espelhada numa série de publicações nas redes sociais com fotografias que mostravam cerca de 20 automóveis da marca em longas e demoradas filas na estação de Alcácer do Sal, à espera para carregar as baterias.
A situação aconteceu no sábado, dia 12 de agosto, coincidindo com um acréscimo de movimento dado o período de férias de verão, em que muitos rumaram ao sul do país, sendo aquele um ponto de paragem quase obrigatório para carregar para quem se desloca até ao Algarve.
Perante as horas de espera e a acumulação de carros naquele local, foram os próprios utilizadores que foram apontando as matrículas por ordem de chegada para que os carregamentos ocorressem de forma mais organizada, contou ao i um proprietário de um Tesla que presenciou a situação.
O posto em causa tem 10 supercarregadores disponíveis, mas ainda assim, nas alturas de maior afluência, não são suficientes para dar resposta às necessidades, até porque estes carregamentos podem demorar cerca de 30 minutos, elevando os tempos de espera para várias horas.
No pico do verão, os constrangimentos para carregar as baterias não se ficaram apenas pelos supercarregadores da Tesla. Na A2, os carros elétricos também fizeram fila nas estações de serviço, onde o problema está no número de postos de carregamento. Regra geral, cada estação de serviço apenas tem um posto com três conectores diferentes (CCS, CHAdeMO ou Tipo 2) cuja utilização depende do fabricante automóvel. Caso o conector desejado esteja a ser utilizado por outro utilizador, não há outro remédio se não esperar.
A única exceção que se encontra são em estações de serviço com postos Ionity – uma rede de carregadores ultrarrápidos criada por um consórcio de marcas como a VW, Mercedes, BMW, entre outras -, como em Almodôvar, onde há dois pontos de carga, mas o preço do quilowatt é de longe o mais caro, tornando os custos de utilização de modelos elétricos mais elevados do que os equipados com motores a gasóleo ou gasolina.
Além disso, a Ionity também encontrou os seus problemas com a legislação nacional. A rede que tem uma aplicação própria no resto da Europa, mas que não funciona em Portugal, teve que fazer uma parceria com a Miio para disponibilizar os postos de carregamento aos clientes portugueses. Na app da Ionity, os postos de carregamento portugueses nem sequer aparecem no mapa, o que pode dificultar a vida a muitos utilizadores europeus da rede que se desloquem até ao nosso país de carro elétrico.
“Se a nossa rede de carregadores é assim tão boa, por que razão a nossa classe política, que está habituada a andar de carro elétrico em Lisboa, quando tem de fazer deslocações maiores em autoestrada circula em carros a combustão?”, ironiza um utilizador de carro elétrico em declarações ao i.
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