A ascensão meteórica de Yevgeny Prigozhin, um alegado criminoso que se tornou dono de uma empresa de catering multimilionária e por fim líder de um grupo de mercenários, terminou abruptamente esta quarta-feira, dia 23. Era um «homem talentoso» mas cometeu «erros graves», sentenciou Vladimir Putin. E pagou por eles com a própria vida. O avião que transportava o chefe do grupo Wagner caiu nas proximidades de Tver, tendo, segundo a agência russa TASS, pegado fogo ao cair. Foram encontrados os corpos de oito dos dez ocupantes.
As causas do acidente têm sido alvo de escrutínio e especulação. Aponta-se para hipóteses como sabotagem, um míssil de defesa antiaérea, avaria técnica ou até intervenção dos serviços secretos (tanto russos como ucranianos). A existência de uma filmagem que mostra o avião em queda livre e já em chamas sustenta a tese de intervenção exterior. Segundo a CNN, o FSB, os serviços secretos russos, tinha ordens superiores para eliminar Prigozhin desde a tentativa de golpe de Estado, uma informação alegadamente dada pela Ucrânia. A revelação dá força à existência um padrão ‘maquiavélico’ na forma como Vladimir Putin lida com os seus opositores ou com aqueles que considera infiéis. A morte de Prigozhin faz crescer a lista de mortes suspeitas de figuras influentes russas desde 2022.
Em junho deste ano, Kristina Baikova, então vice-presidente do Loko-Bank, caiu do décimo primeiro andar de um prédio em Moscovo. Pavel Antov, crítico do governo de Putin, em dezembro do ano passado, caiu da varanda do quarto do hotel onde estava hospedado, na Índia, e Yuri Voronov, ligado à Gazprom, foi encontrado morto na piscina de casa em São Petersburgo. Estes são apenas três casos de um vasto leque de mortes suspeitas nos últimos dois anos. O General Sergei Surovikin, cujo paradeiro é desconhecido desde a rebelião do Grupo Wagner, foi demitido do cargo de comandante-chefe das forças aeroespaciais e alega-se que está num curto período de férias.
Dmitry Utkin, outro dos passageiros a bordo do Embraer Legacy 600, é também uma parte importante da equação. Era fundador do Grupo Wagner e a segunda peça mais importante dos mercenários. O posto de líder do grupo tinha-lhe sido oferecido pelo próprio Presidente Putin, o que não aceitou – e não é inverosímil que tenha sofrido as consequências da sua recusa. Já Prigozhin, uma figura bastante popular na Rússia, o que se verificou principalmente na sequência do golpe de estado falhado, poderá ter deixado Putin desconfortável quanto às eleições do próximo ano. O Presidente russo já tinha oferecido opções para retirar Prigozhin de cena, como o exílio e a sua substituição na liderança do Grupo Wagner, mas nenhuma delas foi concretizada.
Repercussão internacional
A influência que os mercenários têm tido no crescimento da esfera de influência russa, principalmente em África e no Médio Oriente, é inegável. Tem sido um dos maiores propulsores do país, ainda que de forma obscura. Apoiam golpes de estado, como tem acontecido recentemente na região do Sahel, e são responsáveis por acordos económicos e de exploração, assumindo-se como uma organização fundamental na mudança do quadro geopolítico. Prevê-se agora que a morte de Prigozhin – que acabara de divulgaram um vídeo, o primeiro desde o golpe de estado, em que referia que estavam a tornar África mais livre – vá agitar a política interna e externa russa, uma vez que a reação do Grupo Wagner, ainda que incerta, adivinha-se violenta. Num vídeo, membros do grupo na Bielorrúsia afirmaram que: «Fala-se muito daquilo que o Grupo Wagner fará. Podemos dizer uma coisa: estamos só a começar, preparem-se para nós». Na noite da queda do jacto que levava Prigozhin, a conta de Twitter da plataforma Visegrád 24 noticiava que as autoridades da Bielorrússia tinham cortado o acesso à internet para impedir os mercenários de comunicarem entre si para orquestrar a reação.
Enquanto Putin se apressou em convocar uma reunião de emergência no Kremlin, a Ucrânia, que celebrou o Dia da Independência, viu a morte de Yevgeny Prigozhin como um ‘presente’. A Rússia já confirmou que continuará a trabalhar na investigação ao que designou por ‘caso criminal’.
Entre as potências ocidentais, os EUA foram os primeiros a pronunciar-se. Joe Biden sugeriu a possibilidade da intervenção do próprio Putin na queda da aeronave: «Não há muito que aconteça na Rússia que não tenha o apoio de Putin. (…) Podem lembrar-se, quando me perguntaram sobre isto, eu disse que seria cuidadoso sobre o que beberia e onde andaria. (…) Não estou surpreendido». Esta postura americana pode estar relacionada com informações dos seus serviços de inteligência. Segundo a Visegrád 24, o Departamento de Estado dos EUA, dois dias antes do incidente, apelou aos seus cidadãos presentes na Bielorrúsia que deixassem imediatamente o país.
Esta morte suspeita, que aconteceu no decorrer da cimeira dos BRICS, promete abalar o Kremlin, não só dentro da Rússia como também a nível internacional.
* Editado por José Cabrita Saraiva